sexta-feira, dezembro 28, 2012

Uma moedinha no meio dos olhos




A cidade moderna como exemplo de decadência é um cliché deprimente da arte moderna. Seja em "Blade Runner" ou "Se7en", a visão das nossas urbes surge contaminada por um mal-estar semelhante ao provocado pela visita a um balneário masculino que não é lavado há uma semana. O motivo apresentado, por regra, é a desumanização que a vida nas cidades provoca no ser humano. Parvos intelectuais. A razão é muitíssimo mais simples e é simbolizada por uma criatura que vagueia entre nós, mais perigosa do que um terrorista muçulmano, mais irritante que a criança nascida da união entre o Quimbé e o Nuno Eiró, mais sebosa do Jorge "Jabba, the Hut" de Brito: o arrumador de carros.

Nuca escondi o meu ódio particular a esta espécie de criatura. A palavra "ódio" não é hipérbole, pois dentro das minhas entranhas, misturam-se sucos gástricos e mentais que produzem o arreganhar de dentes típico de quem não pode ver determinada pessoa, coisa ou ameba à frente. Conduzir é, por acaso, algo que me relaxa. Adoro meter-me num carro, colocar música a tocar e conduzir, nem que seja para aviar uns recadinhos aqui perto. No entanto, quando, preparando-me para atracar o veículo, me deparo com uma dessas criaturas, a onda zen esbate-se no areal e dá lugar a caranguejos que me apertam o cérebro. Podem dizer que tenho problemas com homens de aspecto oleoso, mas não acontece isso. De facto, se me aparecer à porta um desses indivíduos a representar uma associação de não sei quê que recupera toxicodependentes, lido com eles com calma e pose. Posso não lhes dar dinheiro algum (porque desconfio de quase toda a gente que, não me conhecendo, me bate ao portão e me quer falar sobre droga), mas permaneço a menos de um metro e dispenso atenção. Corrigindo, eles roubam-me a atenção. Mas é por uma boa causa: por dois minutos, pareço humano.

O meu problema com o arrumador é o mesmo que tenho com mafiosos: são criaturas que se movem em franjas da sociedade onde a lei existe, mas se finge que não. Quando paira sobre nós a ameaça de danos materiais no veículo que tanto estimamos, caso não paguemos a moedinha costumeia, isso tem um nome: extorsão. Aliás, estamos a pagar o quê? A minha mãe dotou-me de dois olhos para encontrar o lugar que essa criatura das trevas me aponta! A moeda premeia a familiaridade com que o arrumador me berra à distância "Hei" como se fôssemos amigos? Não percebo bem. Nem sei quem se lembrou de cobrar às pessoas por absolutamente nada, a não ser o não cumprimento de uma ameaça nunca exprimida, sempre subentendida. É o que esquema perfeito: não podemos ir à polícia queixar-nos, porque não há nada a queixar.

Se estes tipos, em vez de arrumar carros, estivessem nua juventude partidária, o país seria desmantelado a um ritmo impressionan

segunda-feira, dezembro 24, 2012

Pedido pungente que não envolve crianças, animais ou doenças terminais


É muito difícil de explicar um acesso de inferioridade, mas como toda a gente (tirando Mourinho, os filhos de Tony Carreira e Madonna) teve pelo menos um, presumo que percebam um pouco do que me apoquenta. Talvez não totalmente, eu nunca percebi muito bem de onde me vem isto ou o que o causa. Mas existe e tenho de lidar com ele. Não me é difícil admitir que tenho este problema. Quem lida e lidou comigo sabe quantas vezes me queixo disso, ao ponto de me tornar numa companhia pouco agradável. No entanto, só me apercebi do quão incapacitante e profundo este estado se tornou neste ano. Não houve um momento específico, um lapso de tempo ou momento de claridade turva que me indicasse que estou perto do fundo. Mas olhei e vi a falta de prazer que tenho em actividades e gostos de que desfrutava com largueza e autoridade, considerando como certa a minha personalidade baseada nesses pilares. Mas hoje, duvido. Duvido de mim bem para lá da capacidade: duvido até mesmo na existência e naquilo que me constrói e me edifica. Pior ainda: aproxima-se a semana do ano que mais me custa. O que peço neste pequeno texto é que tenham paciência. Tentem compreender e mostrem mais humanidade do que aquela que vos demonstro. Um bocadinho, pelo menos. Ajudem-me a ultrapassar estes sete dias e chegar a 2 de Janeiro pelo menos na mesma condição em que me encontro nesta noite de 23 de Dezembro. Eu agradeço-vos, de uma maneira ou de outra. Talvez a escrever, que ainda é das poucas maneiras com que alegro a populaça desse lado. Um obrigado de antemão.

Não se preocupem demasiado. Amanhã, deixarei aqui um apontamento sobre arrumadores de carros e verão que continuo intratável como sempre.

sexta-feira, dezembro 21, 2012

O amor perfeito é aquele que não existe: duas frases


Sento-me, olho-te, desvio-me e evito. Por fim, aceito e temo e entrego-me e fujo, para voltar só porque regressar é a melhor parte de gostar.

quinta-feira, dezembro 20, 2012

O amor perfeito é aquele que não existe: uma frase


Pego nas tuas palavras, faço a minha cama e deito-me numa almofada em forma de faz de conta.