E têm-me perguntado "Então, não tens top 10 de filmes para este ano?" Ora essa, apesar de ter visto muitos menos obras de 2018 do que devia - tend recuperado um pouco nestas últimas semanas - penso que vi cinema suficiente para não me envergonhar. O critério usado foi o da estreia nas salas portuguesas, portanto não estranhem algumas das escolhas. Será, apesar do mito que so vejo filmes da Marvel, bastante ecléctico. Espero. Antes, umas menções honrosas: "Cold war" estaria com certeza aqui, se não fosse o pedestre quarto de hora final; "Spider-man: into the spiderverse" e "Isle of dogs" são, apesar das óbvias diferenças de estilo, duas das grandes obras de animação do ano, embora não caibam aqui; "The other side of the wind", embora imperfeito, prova como Orson Welles, mesmo depois de morto, acompanhou muito bem os tempos; "BlackKklansman" é um regresso de Spike Lee à raiva com algo não gratuito a dizer; "A quiet place" mostra que não é preciso ser político para ser fazer um filme de terror ao qual devemos prestar atenção;"American animals" é um bom híbrido de documentário e ficção, mas precisava de mais documentário; "They shall not grow old" e "Won't be my neighbor" são dois dos documentários do ano, ambos lembrando outros tempos e outros homens de que o mundo actual precisa definitivamente. Posto isto, vamos ao top 10.
10 - "Avengers: Infinity war": O culminar de 20 filmes encadeados, com altos e baixos, mas extremamemte eficaz como obra de entretenimento e com um raro final que entra na cultura popular de tal forma que define um gesto, "the snap", que entra no vocabulário global subentendido
9 - "Three identical strangers": Começa como uma história de vida luminosa e no fim damos por nós num túnel de trevas imenso. Tal como "The imposter" antes de si - um dos meus documentarios preferidos dos últimos anos - funciona não apenas como veículo de informação, mas também um thriller de reviravoltas assombrosas e, em última instância, trágicas. Porque o bom documentário não tem de envergar bandeiras de hashtag para ser destacado.
8 - "The death of Stalin": Em simultâneo um filme histórico e uma sátira política, o filme de Armando Ianucci é tudo aquilo que não se conseguiu encontrar em tanta suposta comédia aclamada este ano ("Crazy rich asians" é um dos filmes mais banais de 2018. A ideia de que a raça dos actores deve contribuir para a valorização de um produto tem de acabar): actores que sabem o que fazem, ideias traduzidas em piadas que rasgam o ecrã e estupidez bem medida como reflexo dos egos que definem o mundo.
7 - "Mission Impossible: Fallout": Nenhum outro filme - aparte outro que está mais acima - me proporcionou uma experiência de adrenalina numa sala de cinema como este em 2018, desde revolver-me na cadeira a agarrar com força os braços da mesma.È do caralho. Como uma franchise chega ao sexto filme para dar lições num género específico de cinema (em particular a lição de que só parece novidade aquilo de que se esqueceu) é açgp que me ultrapassa. A última meia hora de "MI: Fallout" é um pináculo.
6 - "Leave no trace": Homem leva filha para viver afastados da civilização e cria-a no meio do mato. Nâo é "Captain Fantastic", é Debra Granik com um olhar clínico, humanista, complexo sobre a relação entre dois indivíduos em co-dependência, às margens da sociedade, mas sem vilanizar esta nem os que nela vivem e querem ajudar Ben Foster e Thomasin Mackenzie estão incríveis e o realismo da sua relação no filme torna o desenlace final devastador, mas inevitável.
5 - "You were never really here"/"First reformed": Um empate, duas obras protagonizados por dois homens que não estão de todo em plena presença do mundo. Na primeira, Lynne Ramsay realizada um excelente filme sobre um mercenário tão desprovido de alma, tão perdido no mundo, e ainda assim capaz de nos criar empatia graças à enorme performance de Joaquin Phoenix. È quase uma viagem poética visual sobre o que significa não estar vivo ainda que se respire; na segunda, Paul Schrader regressa ao convívio dos bons com a queda de graça de um homem de Deus sozinho numa Terra pela qual ninguém parece querer lutar, apenas para descobrir que, em última instância a salvação pode estar literalmente no outro.
4 - "The shape of water": Um ano depois, espero que já tenha deixado de ser moda falar mal dele apenas porque ganhou o Oscar. A consagração de Guillermo del Toro para os cegos, é uma proclamção de amor pelo cinema, pelo estranho e pelo próprio amor. Visaulmente espantoso, como seria de esperar, apontando ao que de monstruoso existe no Homem e ainda que sendo muito menos subtil do que devia, um assalto total às emoções do espectador que triunfa porque del Toro nunca abdica do que lhe é queirdo, nem parte de si. A principal lição do filme.
3 - "First man": Um triunfo cinematográfico. Talvez o melhor filme sobre exploração espacial desde "The right stuff", trata o Espaço como um papão, os seres humanos como anões frágeis, que usam latas de sardinha para lá chegar, e leva o espectador numa experiência espacial sem que nunca tenha de pagar uma fortuna a Elon Musk. Damien Chazelle percebe o ritmo, o uso da escuridão e do silêncio como poucos actualmente e na sala de cinema, senti-me positivamente abananado. Acrescenta que é um excelente estudo de peronsagem de Neil Armstrong. Será, a meu ver, o grande injustiçado nos Óscares deste ano, o que so contribui para aumentar a sua mística futuramente.
2 - "Roma": Alfonso Cuáron fala de si mesma e em vez de ouvirmos olhamos abismados. Este ano, houve vários usos fantásticos do preto e branco no cinema, mas nenhum como em "Roma", evocando uma época e um mundo que poucos espectadores conhecem ou lembram, mas sentem. Capaz de resgatar a poesia dos pequenos gestos e a dor dos grandes erros, Cuáron cria um universo poderoso a partir da sua infância na cidade do México, num ano de todos os perigos, desilusões e crescimentos. Filmar a vida, às vezes, pode ser o maior triunfo cinematográfico. Mas não no meu top
1 - "Phantom Thread": Por mais voltas que dê e filmes que veja, volto sempre à obra-prima com que Paul Thomas Anderson nos brindou este ano. Cada vez mais um olho balzaquiano no que toca à desconstrução de indivíduos, Paul Thomas Anderson começa o filme como um desfile visual, um mundo dentro de mundos, para lentamente fazer cair o pano e revelar que afinal estamos a ver uma soberba comédia de duelos mentais, um jogo amoroso como se vê pouco actualmente, retorcido e meigo, terno e ácido, carícias de brutidão. Pela sublime realização, a banda sonora que enche de fumo o que a escrita deixa em branco e as performances incríveis (saudamos-te, Day-Lewis, mas que não se esqueça Vicky Krieps), "Phantom Thread" é o meu filme de 2018.
P.S: O pior filme de 2018 para mim? "Peregrinação". Tão mau que me sinto envergonhado como português por tê-lo a representar-me nos Óscares.