sábado, outubro 31, 2009

O etíope de Celas 1


Porque estou a comer que nem um desalmado neste restaurante? Primeiro, porque não sou eu pagar; em segundo, porque na semana passada, em plena reunião de condóminos no meu prédio, soou-me estranha a quantidade de casacos que estavam a depositar na minha cabeça. Quando inquiri os presentes acerca do facto, susto e horror encontraram as minhas interrogações, pois nas palavras emotivas de Anacleto Parlímpio, nunca em toda a história ouvira um cabide falar, tirando uma conversa fantasmagórica com o espírito do seu falecido irmão, onde trocaram receitas e massas e o defunto lhe aconselhou excelenteslocais onde se pode estacionar na Baixa sem ser multado.
Tive obviamente de provar que era um ser humano de pleno direito e quase falhei, quando escolhi como comprovativo entoar "Magníficos dias atlânticos", dos Ban, em folclore transmontano, o que lançou rumores que era afinal um papagaio. No entanto, um médico presente analisou-me e sossegou a plateia, embora inicialmente estivesse convencido de que eu podia ser uma cómoda Luís XVI.
Porque fui confundido com um cabide? No caso da senhora Argamindo, cuja idade não sei, mas ainda se lembra de uma altura em que Salazar era parecido com Diogo Morgado, isso deve-se a uma miopia equivalente à do Mr. Magoo; no caso dos restantes, a minha magreza sub-saariana. Os gordos queixam-se de serem maltratados e gozados pelo seu físico, mas gostava de perguntar quantos deles foram declarados propriedade de Desporto Escolar enquanto crianças e utilizadospara bater recordes nacionais do lançamento da vara. Possuo este mal enquanto criança e tem sido difícil conviver com ele. Ninguém sabe se é genético ou culpa minha, mas o facto é que o meu tio moldavo fizera uma carreira bem-sucedida como papel de parede. Os meus pais nunca me negaram amor e carinho, e a minha mãe achava o meu estado particulamente extraordinário, principalmente porque tínhamos sempre falta de paus de espetada em casa. Mais: os gordos fazem choradinho, mas toda a gente tem na memória uma figura cheia com qualquer qualidade redentoras. O gordo bonacheirao, por exemplo. O gordo generoso, por exemplo. Os magros são sempre magros e por serem tão finos, condenados a escapar pelas frinchas da nossa memória. E no mundo da moda, se uma modelo tiver mais peso, é porque anda a comer muito; se for esquelética, tem uma doença nervosa. O gordo é associado a nações poderosas, como os Estados Unidos; o magro é geograficamente recambiado para o Sudão ou para a Etiópia. É uma enorme cruz a carregar ser magrela e ao contrário dos gordos, não temos massa corporal suficiente para carregá-la.

2 comentários:

Post-It disse...

Bom texto, miúdo!
Mas os dias de etíope, biafrense, vareta, cruzeta já lá vão! :D
O que chamas a essa barriguinha? :P

Anónimo disse...

ah ah ah!

JP