sexta-feira, janeiro 08, 2010

Virgem Santísima, Jesus Senhor, o Diabo a sete!


Não é o meu estado civil, mas sou agnóstico. É a melhor forma de definir espiritualmente. Não tenho grande crença em Deus, ou deuses, mas não estou completamente convencido de que vivamos no mundo material. Dou o benefício da dúvida e reservo-me ao direito de não ser dogmático.

Não quero com isto dizer que não me abespinhem as religiões, ou que não as ache ilógicas ou parvas. Na sua grande maioria, são-no. Aquela em que fui criado, a Católica, é um imenso de novelo de falta de sentido, tudo muito bem embrulhado com uma Trindade Santíssima que não convém questionar. Na fase final da adolescência, era um ateu irritado e irritante. Achava que tinha de enfiar aquilo em que acreditava pelos olhos das pessoas adentro, como se estivessem adormecidas. Escusado será dizer que isso me causou dissabores (e ainda causa). Foi aí que decidi estar mais caladinho no que toca a estas coisas e dar um ar neutro, que não compromete. Com a minha decisão de me ter tornado dirigente escutista, esse ar neutro mostrou ser ainda mais necessário.

No entanto, há coisas que me irritam profundamente, para lá de tudo; e outras que mostram ser absolutamente necessário quebrar a minha neutralidade e partir a loiça. Nesta segunda categoria, está uma lei irlandesa que entrou em vigor no primeiro dia do ano, e que está a ser cohecida como "a lei da blasfémia". Reduzindo ao básico, afirma que a blasfémia é um crime punível legalmente. A definição deste crime é lapidar: blasfémia é considerado todo e qualquer acto que pela sua publicação ou proclamação possa ofender intencionalmente as crenças religiosas das pessoas. Se o arguido for condenado, pagará uma multa que pode ir até aos 25.000 euros.

A palavra medieval é várias vezes usada sem razão, mas aqui é totalmente aplicável: isto é o regresso à Idade Média das teocracias e de uma separação muito obscura entre o estado laico e a religião. Estávamos habituados a ver isto nos EUA e, de uma forma mais exagerada, em certos estados árabes (numa ironia, no mês de Dezembro, o ministro irlandês Michael Martin chamara à atenção, numa ruenião da UE, para a falta de tolerância religiosa no mundo árabe). Claramente, os irlandeses têm memórica curta, porque nunca devem ter tido problemas com luas religiosas...

Está na altura de acabarmos com o politicamente correcto e dizer: basta!! Há um direito a ser-se respeitado por crenças religiosas, mas eu quero ver contemplado o direito à descrença e à liberdade de proclamar isso se assim apetecer. Não me importa que se diga que há coisas absolutamente parvas na religião. Porque há! Nas mãos de homens, é hipócrita, é selectiva e discriminatória. A Bíblia diz que a sodomia é crime? Diz pois; mas no Levítico, comer crustáceos (como o camarão) dá direito ao Inferno. Se querem guiar a vossa vida pelo que diz um livro, ao menos sejam honestos e levem-no à letra. Querem-me dizer que Cristo é amor e aceita todos? Tudo bem, mas vamos falar então de quando Cristo manda dar uma volta àqueles que não o aceitam; querem afirmar que S. Paulo metece ter esse S. antes do Paulo? Supimpa, mas vamos falar do seu lado misógino e de filho da mãe invejoso. Se vamos levar tudo o que existe à letra na religião, discutam-se as coisas abertamente e chamem-se as coisas pelos nomes. Isto não é blasfémia: é ser honesto. Porque no mundo religioso, a verdade pode ser a pior ofensa de todas.

Sinto-me agradecido por Portugal, país bastante religioso, me permitir escrever isto num sítio público sem temer represálias; agradeço que haja pessoas de bom senso a não me expulsarem de um local por estas mesmas razões, quando têm toda a legitimidade insitucional para fazê-lo. Mas esta lei da basfémia, nascida em plena União Europeia de valores e liberdade para todos, pode ser a primeira peça de dominó que começará a cair. Já vi esse dia mais longe. E se não posso rezar para que não aconteça, posso ao menos barafustar. Enquanto for à borla.

P.S Fica o seguinte e interessante artigo - http://blasphemy.ie/2010/01z/01/atheist-ireland-publishes-25-blasphemous-quotes/

4 comentários:

João Saro disse...

Fiquei apenas com uma dúvida neste post. Apesar de o Estados Unidos ter alguns estados (sobretudo sul) em que o peso da religião não é apenas muito grande, tem mesmo algum conteúdo assustador segundo alguns relatos que me parecem fidedignos, há leis contra a blasfémia?

Mas isto é um dominó que começa logo nas pequenas coisas como proibir o "Main Kampf"... é complicado definir o limite.

Rita disse...

gosto sobretudo da parte em q referes 'nas mãos dos homens, a religião'...ihihihih

Post-It disse...

Amén :p

Bruno Padilha disse...

Bonito, só é pena teres escrito "Paulo merece ter esse S. antes do Paulo? Supimpa, mas vamos falar do seu lado misógino" - isto, como deves saber, não é completamente correcto.

Isto "Cristo manda dar uma volta àqueles que não o aceitam" nem sequer é compreensível.

Quanto ao teu post: Blasfémia é, segundo o dicionário, "Dito ímpio ou insultante contra o que se considera como sagrado". "Há um direito a ser-se respeitado por crenças religiosas, mas eu quero ver contemplado o direito à descrença e à liberdade de proclamar isso se assim apetecer" isto não é, obviamente, blasfémia.

Não se pode, e isso eu entendo, partir para o diálogo à parva e dizer "a religião é uma ilusão. Os crentes são todos idiotas".
Como deves entender blasfémia não tem que ver com a religião, mas com o sagrado - e este está presente em todas as sociedades (por exemplo, mesmo no ocidente dizemos "a vida é sagrada")