sexta-feira, agosto 20, 2010

Intelecto 2


Acabei de ler aquela que considero ser uma obra científica de enorme qualidade, importante nos tempos que decorrem, e que será, evidentemente, ignorada. Falo da trilogia "Dimensions/Confrontations/Revelations", porventura o testamento do astrónomo francês Jacques Vallee no que diz respeito à investigação da temática OVNI. Tentando resumir muitíssimo brevemente, "Dimensions" aborda a presença quase eterna do fenómeno na história humana e traça paralelos entre folclore universal e relatos actuais (incluindo milagres religiosos), para além de retratar vagas de observações de dirigíveis e outras veículos aéreos em épocas onde seria impossível tal acontecer; "Confrontations" é o relato das investigações no terreno feitas pelo Dr. Vallee, nomeadamente casos que se destacam pela sua impossibilidade e alguns acontecimentos na bacia do Amazonas no final da década de 80; "Revelations" aborda o lado negro do fenómeno, ou seja, a manipulação humana do mesmo, que ser seja através de cultos, quer da estratégia de descredibilização feitas por algumas entidades públicas e privadas.
A razão pela qual esta trilogia é essencial prende-se com um aspecto muito simples: intelecto. Vallee, que se classifica dentro da ovnilogia como um "herético entre heréticos" age como um cientista real e procede a uma recolha de provas no terreno, em vez de mandar bitaites do seu cadeirão ou laboratório. Quem, perante a barragem de provas que ele apresenta, ainda se atrever a dizer que todo este fenómeno é mania ou má interpretação por parte de sujeito, deve ser automaticamente designado de absolutamente idiota. Não é uma boa sensação, sei-o por experiência, mas é realmente a única maneira possível de classificar tal estupidez. O cientista gaulês não teme ninguém, crentes e não crentes. Limita-se apenas a pegar nos dados existentes e a analisá-los directamente, como se estivesse a tratar do assunto mais credível do mundo. É essa falta de medo, e consequente presença de espírito e seriedade, que falta em muitos campos da ciência actual. Vallee procede a trabalho de campo, fala com testemunhas e demonstra uma saudável curiosidade, e necessária dose de cepticismo, essencial quando se navega num terreno tão pantanoso como é a ovnilogia. Em suma, não fica num cadeirão a fazer dos outros parvos, e dizer que o planeta Vénus é a explicação a dar quando alguém diz que viu um objecto sólido e metálico a umas dezenas de metros dos olhos.

Aconselha-se a leitura para interessados e não interessados. Os interessados poderão prosseguir na certeza de que estamos realmente perante uns dos fenómenos científicos mais fascinantes dos tempos recentes; os nãop interessados poderão confrontar sem complexos os próprios preconceitos relativamente a este campo. Quando a ciência se retira voluntariamente de uma área de conhecimento, dá espaço a que lunáticos a tomem como sua e lancem as sua sloucas teorias, colocando em risco a segurança da sociedade. Só por isso, Jacques Valle mereceria ser mais conhecido do que é. Como no caso de Tony Judt, é pena que intelecto verdadeiro tenha um câmbio tão baixo nos dias que correm.

Intelecto 1


Tony Judt , um dos meus intelectuais e historiadores preferidos, faleceu há umas semanas, no dia 6 de Agosto. Em primeiro lugar, deixem-me saudar, por um lado, o destaque que a sua morte teve na imprensa escrita, e lamentar a falta dele na restante. A morte de um dos pensadores mais importantes do nosso tempo, ainda por cima um que dedicou o seu esforço mental a fazer-nos compreender questões tão importantes para nós como o futuro da União Europeia, merecia mais.
De certo modo, este defeito é apenas o reflexo de um dos alertas que Judt nos deixou: o intelectual, e falo do verdadeiro indagador de respostas, é não só uma espécie quase extinta, mas também uma voz no deserto. Pseudo-intelectuais, que confundem inacessibilidade e palermices com verdadeiro esforço de pensar e gosto, pululam por aí, distorcendo o significado desta função. Judt soube ser sempre um, com toda a classe: polemista como poucos, sem medo de afirmar à boca grande o que se comentava à bica pequena, a sua crítica à política de Israel tornou-o num judeu muitas vezes apelidado de anti-semita, como se tivesse um ódio à sua própria origem. Ele, melhor do que ninguém, sabia do que falava: um sionista convicto, a sua vida num kibbutz durante a Guerra dos Seis Dias abriu-lhe a pestana para a realidade. Ao contrário de muitos intelectuais actuais, ele viveu o que pensava. Parecendo que não, isso faz a diferença.
Na memória futura, no entanto, ficará Tony Judt, o historiador. A sua cabeça, o último bastião atingido pela esclerose lateral amiotrófica que veio a vitimá-lo, continha uma das mentes mais ágeis do nosso tempo, e uma enciclopédia permanente. Isso, e uma rara habilidade para escrever História, explica a excelência da monumental obra "Pós-guerra - História da Europa desde 1945", que será durante muitos anos o livro definitivo acerca do tema. Mesmo que o seu tema predilecto fosse a intelectualidade francesa do século passado, Judt revelou-se um historiador político, como poucos. O seu outro livro traduzido para português, "O século XX esquecido" contém vários ensaios sobre tudo, desde Hannah Arendt, passando pelo caso de Alger Hiss e acabando no declínio da esquerda norte-americana no pós 11 de Setembro.
Longe de ser um espectador, Judt fez viver a sua crença de que o intelectual é interventivo e lutador, e usa o seu ponto de vista como algo de atingível e real, por muito utópico que possa parecer. A sua defesa do Estado-Providência, o modelo de governo que preferia, devia ser a leitura de cabeceira de Pedro Passos Coelho. Sim, caro Tony: Portugal não tem George W. Bush, mas se fosses dos nossos, tinhas aqui muito pateta sobre o qual discutir. Se intelectualmente, é outra questão. Mas de qualquer forma, até Estaline fica melhor na fotografia quando o descreves.

segunda-feira, agosto 09, 2010

"Inception"


Usar o trocadilho "filme de sonho" é fácil com "Inception", a obra mais recente de Christopher Nolan, mas nem essa categoria é alcançada, nem este blog vos habituou a trocadilhos fáceis. Ou será que habituou, e esta análise é apenas um sonho? Hum...
Não querendo desvendar grande coisa acerca de "Inception", pois grande parte do prazer que se retira ao vê-la vem do assistir às curvas e contracurvas do enredo, tudo gira em redor de uma das histórias mais antigas de todas, um assalto, mas com um twist: os criminosos entram no inconsciente das pessoas e roubam-lhe ideias. Ao líder, Cobb, é proposto que reúna um grupo para concretizar algo nunca tentado: implementar uma ideia no cérebro de alguém, sem que esta note. A partir daí, temos o encontro entre o heist movie e o thriller de ficção científica. Mesmo assim, sem nunca forçar a mão, Nolan ainda lhe lança algum romance retorcido. Normalmente, esta palavra e o realizador inglês andam de mãos dadas.
O resultado é um filme que sabe a muito e sabe ligeiramente a pouco. "Inception" será, visualmente, o mais espantoso filme do ano. A quantidade de sequência absolutamente arrancadoras de olhos deste filme é a maior por metro quadrado deste ano. É filme soberbo de técnica e de estilo. Nolan finalmente encontra o local ideal para gravar uma cena de luta decente (a gravidade zero) e aproveitando o génio do técnico de efeitos especiais Chris Courbold e a elegante fotografia de Wally Pfister, vai espalhando magia. Uma cena em particular, num elevador, provoca um assombro quase infantil ao espectador. Nolan mostra ser também um exímio gestor de história. Propõe-se a fazer de malabarista de 4 níveis diferentes de consciência e quando parece que vai deixar cair a bola, mostra capacidade para aguentar tudo até ao fim, com o edifício bem estruturado e uma história que, vamos deixar-nos de tretas, se percebe perfeitamente num primeiro visionamento. Só quem desistiu de pensar as mimagens que vê ou está desabituado a ser intelectualmente estimulado num filme é que pode sugerir que o argumento tem algo de trasncendente. Vejam "Mulholland drive" e depois venham-me falar de filmes complicados de perceber.
Escrevendo a história com o irmão Jonah, a mesma dupla de escribas do último "Batman", o que Nolan faz é utilizar o inconsciente para estudar o sentimento de culpa de Cobb, excelsamente interpretado por Leonardo di Caprio, relativamente (spoiler alert!!!!!!!!!!!!!!) à morte da mulher Mal. Utilizá-la como uma espécie de espectro que tem no filme a mesma função que o tubarão ,tinha em "Jaws", ou seja, lançar a confusão, é um achado narrativo de todo o tamanho, e uma piscadela segura ao film noir (fim de spoiler). Di Caprio é o nosso homem na história. É o lado humano da mesma: sem ele, aquilo são brincadeiras sem alma. E o filme não é uma entidade fria e racional. É, com di Caprio, um objecto de melancolia, disfarçado de filme de grande acção. Todo o "Inception" é grande espectáculo, mas o que realmente o faz mover é a dificuldade que um homem tem em largar a culpa, e também o seu desejo em voltar a ganhar o que um dia teve.
O ponto fraco do filme começa a partir daqui. Os personagens que rodeiam di Caprio são imagens. Há ali interessantes pontos de partida, e excelentes actores (Joseph Gordon-Levitt, Cillian Murphy, Ken Watanabe, Ellen Page), mas em última instância, os potnos de partida ficam-se por aí. Pode-se argumentar que estamos em território pleno de "Cobb show", mas fiquei com a sensação de que o filme podia ser mais rico se algumas ligações entre personagens fossem aprofundadas, ou mesmo expliacas. Art5hur, o personagem de Levitt , é anunciado como o melhor amigo de Cobb, e no entanto nunca temos essa sensação ao longo do filme. São falhas que podem ser perdoadas porque há muitas história a contar, mas pode-se questionar se a quantidade de história não podia ser reduzida em favor disto. Ou se, algures na sala de montagem de Nolan, não estará a peça que falta no puzzle.

"Inception" recomenda-se para quem gosta de cinema estimulante, e histórias originais num tempo onde a maior parte do cinema comercial começa a ser sequela mal amanhada ou reciclagem de reciclagem. Há que louvar o esforço de Nolan em criar um conceito novo, arriscar e tudo e ser bem sucedido. O terceiro Batman já começa a parecer tardio.

quinta-feira, agosto 05, 2010

Mais uma pergunta pertinente

As pessoas ainda sabem o que significa a palavra subtil? (principalmente quando a aplicam a descrever algo relacionado com arte)

Obrigado!

Uma aventura na escola


Tive uma educação razoavelmente tradicional. Sou, nas minhas raízes, um menino da aldeia, mesmo que as minhas neuroses sejam dignas de quem vive na urbe. Os meus pais ensinaram-me coisas simples e valores ainda mais simplificados. Não me tornei agnóstico por causa dele, e todo o tipo de filosofias de vida que tomei a partir da idade em que pensamos que sabemos tomar decisões sozinhos (seja ela qual for) só muito indirectamente deles deriva.
Uma coisa que me ensinaram desde cedo foi: não tenhas negativas. Mas tive-as. Foi aí que percebi que só existem, duas razões para as pessoas se aplicarem na escola: gosto ou medo. O gosto vem do prazer que se retira em aprender e conhecer mais coisas; o medo vem de castigos, bordoadas ou de ficar retido um ano. Ainda sou do tempo em que chumbar era um papão, e os alunos realmente se esforçavam perante essa perspectiva. A natureza humana e os seus sucessos devem muito mais ao medo que à curiosidade, por muito triste que seja; e na escola, uma montra do que que cada um vai ser quando um dia tiver idade de juízo, não é excepção.
A ministra Isabel Alçada acha que isto é uma tolice, e que reter um aluno que não cumpre os objectivos está errado. Propõe acabar com este hábito, que é comum à maior parte dos sistemas e ensino europeus, e instaurar aulas de reforço, estudo acompanhado e quiçá, uma fé ingénua de que os alunos vão desejar aprender por vontade própria. Isabel Alçada escreveu claramente livros juvenis, pois só um optimismo tonto pode fazê-la acreditar neste plano. Existem várias razões assim óbvias, e sem ter de se perceber muito de educação (grupo onde me incluo sem vergonha), para esta minha opinião: a falta de matéria humana docente (já esticada com avaliações, outras aulas de apoio, exposições, substituições e reuniões); a gradual falta de interesse que os alunos têm pela escola; a falta de qualidade do nosso ensino ((lá porque é uma coisa é dada em maior quantidade, não deixa de ser má); o culto da falta de meritocracia, cultivado desde que somos pequenos, e que atinge o auge com esta medida.
Se a ministra faz má figura com esta ideia, que dizer da Confederação de Associações de Pais, poposamente chamando a esta ideia a maior revolução educativa desde o 25 de Abril. Pais a querer ver os seus filhos semi-analfabetos a serem bem sucedidos? É sempre boa pedagogia.

Na sua colecção "Uma aventura", Isabelinha criou o forte Chico; o astuto João; as perspicazes gémeas; o inteligente Pedro; o fiel Faial; e o Caracol, que servia de arma de arremesso. Isabel Alçada podia ser o caniche, mas nem para arma de arremesso me parece ter talento.

terça-feira, agosto 03, 2010