terça-feira, outubro 26, 2010

Madeira 3

Falar sobre a Madeira com a generalidade dos madeirenses implica, descobri, abstraírmo-nos da existência da noção de crítica. Afirmar que a Madeira é pouco menos que o paraíso na Terra soa, aos ouvidos de um autóctone, dizer que isto é um pardieiro e a latrina do próprio Satã. Isto torna o diálogo com os madeirenses um exercício fútil, próximo de tentar explicar noções de honestidade a Pinto da Costa. Começa-se a entrar num clima próximo daquele que se vive no Mercado dos Lavradores e está assegurado o debitar de clichés de feiras e a aparição em grande do labrego no seu estado mais puro. Estranhamente, Alberto João Jardim parece-me ser, em definitivo, o governante mais adequado a este pedaço de território.

O apartamento onde vivo tem pequenas particulariedades irritantes. A inexistência de estores é apenas a ponta de uma lança que inclui torneiras demasiado próximas do lavatório, varandas com aparéncia frágil, maçanetas prontas a partir à mínima força, um chuveiro a que chamo de "Torquemada" por razões óbvias, um esquentador que vai até às Canárias buscar a água quente e um chão de mármore que implica uma limpeza cuidada dos chinelos depois do banho.

A pior coisa de ensinar na Madeira? Tentar dar como exemplos coisas que existem em Portugal continental e lembrar-me a meio que a maior parte destes miúdos só o viram pela televisão, e apenas pedaços. Estava há uns dias a dar uma aula sobre cultura medieval e referi como exemplo de um edifício gótico o mosteiro da Batalha. Desconhecimento geral... Ora esta semana, munido de uma apresentação powerpoint, leccionei devidamente a arte medieval. Quando sugre o mosteiro da Batalha, e não revelando a sua identidade, disse que aquele era um dos meus monumentos preferidos. Um aluno brindou-me com a deliciosa pergunta: "Professor, isso fica em que país?" Quando lhe disse que pertencia à nossa lusa terra, a incredulidade na cara dele elucidou perfeitamente a verdadeira distância que existe entre este rochedo basáltico e a terra de onde provenho. Como no caso dos madeireneses labregos (porque existem madeirenses bem porreiros, é como em todo o lado), é tudo uma questão de perspectiva.

2 comentários:

flor-de-laranja disse...

"orgulhosamente sós" - filho da p*** que o [jardim] pariu.

Post-It disse...

insularidade...