terça-feira, dezembro 27, 2011

O choque do futuro


Em 1970, o futurista (profissão interessante) Alvin Toffler escreveu um profético livro chamado "Future shock", onde descreve uma sociedade que, em virtude do excesso de informação e de mudança, está condenada a adoptar a transitoriedade e o descartável como regra geral, e perde assim uma sentimento de pertença e de posse que os seus antepassados tiveram por viverem num mundo que funcionava a uma velocidade bem mais modesta. Lembro-me de ter lido livro no meu 12º ano, algo que não estava totalmente preparado para fazer. Ainda assim, ficou-me na memória uma passagem sobre algo tão trivial quanto os pratos de papel, e maneira como, ao usá-los, parecemos acelerar o acto de comer, retirando-lhe o prazer. Toffler fazia crer com isso que o mundo estava a avançar para um estado de uso e abuso, em vez de se dar importância a momentos e objectos. Indirectamente, era a crítica a um lento e progressivo combate ao acto de memoriar.

Ora bem, peço perdão pelo parágrafo reminiscente da minha cadeira de Teoria da História. Vem esta referência a propósito de uma ideia, idiota como quase todas, que me cruzou a cabeça ao ver fotos antigas no meu quarto. Aquelas fotos foram tiradas há mais de vinte anos e mostram-me, em criança, com alguns membros da família. São imagens perfeitamente normais, mas comecei a pensar sobre a importância dada ao acto de tirar fotografia, quando as máquinas fotográficas não eram generalizadas e se utilizavam rolos com um limite de fotos. De cada vez que se carregava no botão, era bom que se tivesse a certeza do que se queria fazer. Cada retrato devia ser uma boa oportunidade para gastar uma foto.
Há uma imagem que me comove sempre que a vejo, e que mostra os meus avós maternos, que perdi na década que passou, a olharem para mim como se fosse o melhor presente de Natal que eles tiveram em muito tempo (lembro que ainda era criança, e quando somos crianças, parecemos automaticamente fofinhos). A foto está tirada precisamente no momento certo, em que o mundo parec parar e a mudança ainda não meteu quinta para um mundo de fotos digitais por dá cá aquela palha. Naquela foto, o mundo parou por momentos, e eu fiquei com um instantâneo que me lembra, anos depois, que a memória não é transitória e faz parte de nós. No momento em que a perdemos, também desaparece o nosso sentido de ser e a pessoa que somos.

E é só isto.

terça-feira, dezembro 20, 2011

"Drive"


Há uma cena que encapsula a dicotomia que está presente em "Drive" (prometo que esta é a única frase em que vou soar a João Lopes em toda esta crítica) e que é obviamente, para quem não viu o filme SPOILER: num elevador, The Driver (Ryan Gosling)e Irene (Carey Mulligan), par de almas que se tem vindo a encontrar no filme numa história de amor inocente e bem intencionada, beijam-se num elevador, em slo-mo elegante e baixa luz, numa séria candidata a cena mais sensual do ano. Imedidatamente de seguida, The Driver agarra num mafioso de arma escondida, lançando-o ao chão, para esmagar a sua cabeça ao pontapé num pleno de violência súbita e brutal que emudece o espectador. É como se um demónio acordasse de repente numa paz de alma.

"Drive" é isto: um extraordinário objecto de coolness visual e sonoro, com uma elegância notável, e que se balança entre mundos de ternura e espasmos de tempestade. The Driver, personagem principal magnificamente interpretado por um Ryan Gosling que parece nem fazer muito, mas que interpreta com o corpo aquilo que não exprime com a cara, é-nos apresentado como alguém com pleno domínio da sua habilidade especial, conduzir. Mas cedo desconfiamos que este homem, que nos é dito ter surgido do nada é mais do que aparenta. É um paralelo com outra figura da filmografia de Nicholas Windig Refn, o autor deste filme: o desconhecido que atravessa o anterior "Valhalla rising" como um cavaleiro do Apocalipse. O personagem de Gosling vive a vida sem se chatear, até conhecer a vizinha Irene, e o seu filho. Tornando-se mais um irmão mais velho do miúdo do que uma figura paternal, redescobre talvez qualquer centelha humana que estava adormecida e a sua vida parece compôr-se em normalidade. Isto até ao marido de Irene sair da prisão e trazer para a cena um grupo de mafiosos que pretende dar uma golpada envolvendo um milhão de dólares.
Há algo de Eastwoodiano no personagem de Gosling e em toda a intriga de um homem arrastado para um mundo de violência do qual quer sair. Excepto que aqui, temos de adivinhar exactamente de que mundo saiu esse alien de Gosling (que a certa altura auto-referencia essa sua ausência de definição pessoal quando enverga uma máscara). É difícil, inicialmente, entrar no mundo deste personagem sem nome; no entanto, com pequenos pormenores de estilo que o definem (desde o palito ao casaco escorpiónico), é impossível não nos envolvermos na sua complexidade.

O filme deve muito e o estilo retro dos anos 80, com uma banda sonora à la Moroder, com sintetizadores e vozes distorcidas a dar um tom muito cool a toda a trama, orquestrada por Winding Refn no seu estilo de planos de enquadramento disciplinado e mood ao máximo. Pelo meio da coolness, surge o personagem de Albert Brooks, um daqueles vilões que nos faz pensar "Mas ele até nem é mau... PORRA, O GAJO É DANADO!", inocente na sua vilania, um homem que encarna abrir a cabeça a um homem como mais um dia no escritório. No entanto, revela, ocasionalmente, traços de humanidade, que nos fazem acreditar que realmente é mesmo tudo uma questão de negócios. Mesmo que The Driver não tenha qualquer intuição para tal.

Recomenda-se "Drive" a quem gosta de ser seduzido. Porque com Gosling e Mulligan, é fácil sê-lo. No entanto, não aceitar o olhar de engate que Refn nos lança durante todo o filme pode ser o maior cockblock do ano. Aceitem-no e deixem-se levar. À confiança.

O repelente


Soube que Passos Coelho me quer enviar para, digamos, Angola para ensinar aquilo em que fui formado, História maioritariamente portuguesa. Eles vão achar tanta piada ao século XX português! Passos Coelho, obrigado, meu Querido Líder!

segunda-feira, dezembro 05, 2011

Um pequenino ensaio sobre bater no fundo


É sempre marcante, embora nada aconselhável, abrir um texto, seja ele de que natureza for, com uma afirmação polémica. Subscrevendo esta teoria, que remonta ao período pós-era feudal, disparo de rajada: Portugal não bateu no fundo.

Choque e horror, diz quem lê! Acaso sofrerá esta formanda de miopia? Certamente que não. Se vamos afirmar em pranto algo tão grave quanto a falência de um país, é bom que deixemos os tiques da nossa nacionalidade durante alguns minutos e nos esqueçamos da nossa obsessão por belas frases e pequenos pormenores. Para proclamarmos que Portugal bateu no fundo, a macro-estrutura tem de indicá-lo; e essa macro-estrutura compõe-se de duas perguntas: haverá algum topo para que Portugal caia no fundo? E quanto a Portugal, entrou nalgum movimento descendente para que lá chegasse?

Em relação ao primeiro ponto, uma olhada não muito demorada em nosso redor leva-nos a concluir que este fundo é relativo. Já Dante Alighieri postulara, quando escreveu a sua “Divina comédia”, que o Inferno tem vários círculos. Analogicamente, o fundo organiza-se em vários níveis de degradação. O primeiro é o suposto topo. Chamar-lhe de topo, no entanto, é tão acertado como designar Muhammad Khadafi de homem razoável. Pensemos: quem compõe o topo? Uma série de países surgem logo à cabeça. A China? Sim, trata a riqueza por tu, mas também o conceito de direitos humanos por “Quem és tu?”; a Índia? Se considerarmos uma sociedade estratificada por castas impermeáveis e onde a pobreza abunda um topo, então temos de rever tudo o que damos como certo e errado; A Rússia? Apenas se a corrupção generalizada não for para o leitor uma fonte inesgotável de vergonha; o Brasil? Passando o problema óbvio que é um país ter o samba como passatempo nacional, a pobreza no interior brasileiro é mais do que suficiente para não encaramos seriamente esta ideia; e quanto à Europa, quase não sobra ninguém para contar uma história de sucesso, entre as trapalhadas de egocentrismo franco-italiano e a destruição do Welfare State britânico, sobram-nos a Alemanha para carregar o pálio europeu, com os seus acólitos escandinavos, mas sejamos sérios: quatro países não são o suficiente para formar um topo. Se Portugal bateu realmente num fundo, apenas se limitou a chegar a uma festa que se desenrola há muito tempo.

Quanto à ideia de movimento descendente, esta parece-me ferida de morte. Será que Portugal caiu? Será que estes vícios e defeitos são novos que a crise surgiu do nada, sem aviso e sem exemplo? A resposta clara é um não. É crença historiográfica que a crise em Portugal tem mais de 150 anos e se tem vindo a arrastar uniforme, apenas sendo acordada por um ou outro espasmo cadavérico. Desde a perda de independência para Espanha que o nosso país se tem profissionalizado na vivência crítica, e caramba, como nos tornámos bons! Até parece que gostamos! Este “fundo” sempre existiu no nosso percurso histórico, manifestando-se de diversas maneiras., sendo que o lodaçal mais denso não é o dos dias em que vivemos. Há séculos que olhamos para cima, não só em busca de salvação, mas também para contemplar o século e meio da nossa História em que estivemos realmente no cimo de algo que não fosse uma pilha de dívidas. Isto de “bater no fundo” é, claro está, um ponto de vista e acima de tudo, de relativismo.

Não nego que Portugal tem problemas, e nem é preciso entrar em questões de dinheiro: o compadrio e corrupção como modo de vida; o chico-espertismo; uma falta de identidade e direcção: sabemos o que não queremos, mas ninguém sabe explicar muito bem por onde quer ir; a ausência de figuras políticas credíveis; uma gritante falta de cuidado para com o nosso património, natural e arquitectónico; a consciência de que os portugueses bem sucedidos são aqueles que souberam escapar ao “portuguese way of life”, e não aqueles que permanecendo lusitanos, passaram ao lado do sucesso; o esquecimento de que as prioridades e a organização fazem parte do crescimento, não só do país, mas também das pessoas; a realidade que é a estupidez se ter tornado o nosso segundo idioma, sendo que o primeiro é a preguiça e apenas em terceiro lugar encontramos a Língua Portuguesa. Os problemas estão tão enraizados e presentes que devia deprimir ser português. Dá vontade de fechar a loja e ir para outro lado.

No entanto, não o fazemos, e essa é a maior prova de que Portugal não bateu no fundo. Organizamos concursos para eleger sete maravilhas nacionais de todo o tipo e orgulhamo-nos delas, e até protestamos na rua quando alguma coisa está errada. São protestos tímidos? Sim, são; mas existem. Se não nos importássemos com este pedaço de terra que aprendemos a respeitar e a considerar nosso, não nos irritávamos, nem dizíamos fatalidades como “Portugal bateu no fundo”. Alguns portugueses bateram no fundo; outros baterão futuramente; mas o país, como nação, como valor, continua a viver em nós e em qualquer coisa que não se define, e só chegará ao desespero quando nos esquecermos de lutar por ele.

domingo, dezembro 04, 2011

Erase/rewind

http://desporto.publico.pt/noticia.aspx?id=1523647

Ridícula, a destruição de um dos edifícios alemães fulcrais de todo o século XX. Eis o que temos: uma Europa com tão má consciência em relação ao passado e tão grande falta dela no que toca ao presente e ao futuro.