terça-feira, dezembro 20, 2011

"Drive"


Há uma cena que encapsula a dicotomia que está presente em "Drive" (prometo que esta é a única frase em que vou soar a João Lopes em toda esta crítica) e que é obviamente, para quem não viu o filme SPOILER: num elevador, The Driver (Ryan Gosling)e Irene (Carey Mulligan), par de almas que se tem vindo a encontrar no filme numa história de amor inocente e bem intencionada, beijam-se num elevador, em slo-mo elegante e baixa luz, numa séria candidata a cena mais sensual do ano. Imedidatamente de seguida, The Driver agarra num mafioso de arma escondida, lançando-o ao chão, para esmagar a sua cabeça ao pontapé num pleno de violência súbita e brutal que emudece o espectador. É como se um demónio acordasse de repente numa paz de alma.

"Drive" é isto: um extraordinário objecto de coolness visual e sonoro, com uma elegância notável, e que se balança entre mundos de ternura e espasmos de tempestade. The Driver, personagem principal magnificamente interpretado por um Ryan Gosling que parece nem fazer muito, mas que interpreta com o corpo aquilo que não exprime com a cara, é-nos apresentado como alguém com pleno domínio da sua habilidade especial, conduzir. Mas cedo desconfiamos que este homem, que nos é dito ter surgido do nada é mais do que aparenta. É um paralelo com outra figura da filmografia de Nicholas Windig Refn, o autor deste filme: o desconhecido que atravessa o anterior "Valhalla rising" como um cavaleiro do Apocalipse. O personagem de Gosling vive a vida sem se chatear, até conhecer a vizinha Irene, e o seu filho. Tornando-se mais um irmão mais velho do miúdo do que uma figura paternal, redescobre talvez qualquer centelha humana que estava adormecida e a sua vida parece compôr-se em normalidade. Isto até ao marido de Irene sair da prisão e trazer para a cena um grupo de mafiosos que pretende dar uma golpada envolvendo um milhão de dólares.
Há algo de Eastwoodiano no personagem de Gosling e em toda a intriga de um homem arrastado para um mundo de violência do qual quer sair. Excepto que aqui, temos de adivinhar exactamente de que mundo saiu esse alien de Gosling (que a certa altura auto-referencia essa sua ausência de definição pessoal quando enverga uma máscara). É difícil, inicialmente, entrar no mundo deste personagem sem nome; no entanto, com pequenos pormenores de estilo que o definem (desde o palito ao casaco escorpiónico), é impossível não nos envolvermos na sua complexidade.

O filme deve muito e o estilo retro dos anos 80, com uma banda sonora à la Moroder, com sintetizadores e vozes distorcidas a dar um tom muito cool a toda a trama, orquestrada por Winding Refn no seu estilo de planos de enquadramento disciplinado e mood ao máximo. Pelo meio da coolness, surge o personagem de Albert Brooks, um daqueles vilões que nos faz pensar "Mas ele até nem é mau... PORRA, O GAJO É DANADO!", inocente na sua vilania, um homem que encarna abrir a cabeça a um homem como mais um dia no escritório. No entanto, revela, ocasionalmente, traços de humanidade, que nos fazem acreditar que realmente é mesmo tudo uma questão de negócios. Mesmo que The Driver não tenha qualquer intuição para tal.

Recomenda-se "Drive" a quem gosta de ser seduzido. Porque com Gosling e Mulligan, é fácil sê-lo. No entanto, não aceitar o olhar de engate que Refn nos lança durante todo o filme pode ser o maior cockblock do ano. Aceitem-no e deixem-se levar. À confiança.

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