Hoje é dia de festa na blogosfera benfiquista e dos benfiquistas. Aquele clube que todos acreditamos ser o melhor do mundo, independentemente de evidências racionais, comemora o seu aniversário 108. Percebo que confunda algumas pessoas que eu, que me pronuncio como agnóstico e sou desconfiado por natureza, seja do Benfica. Afinal, nenhum outro clube exige ao seu adepto uma devoção ilimitada e cega. Ser do Benfica implica também ser-se adepto porque se é do Benfica: não há ódios a outros clubes a alimentar a paixão. Os outros são os outros, estão no seu canto e cada benfiquista sabe que nunca serão melhores do que nós. Tudo porque, claro, não são o Benfica.
Este era o post ideal para cantar as belezas dos encarnados; ou mesmo tecer a linhas de letras uma ode a essa aparição divina que é Aimar com uma bola nos pés; talvez até cravar uma estaca no Barcelona e provar, por A mais B, porque é que o Benfica da década de 60 é a melhor equipa que jamais pisou um relvado, ou relembrar sagas épicas, como aquele 4-4 em Leverkusen, o melhor jogo que vi na vida.
Podia ser post para isso tudo; mas como sempre na contra-corrente, quero apenas aqui confessar que o incondicionalismo não faz parte do meu benfiquismo. Sim, não foi do Glorioso em todos os 29 anos desta vida. Curiosamente, não é algo que não me orgulhe, porque o Benfica é grande, mas a minha consciência é maior. O culpado não sou eu, e nem sequer o Benfica.
O nome do primeiro meliante ressoa em mim memórias ternas do primeiro gosto por futebol, ao ver jogar o meu primeiro herói dos relvados: Rui Águas. Era um bom ponta de lança, que chegou a fazer dupla à vez com outros dois senhores (Mats Magnusson e César Brito), e cujo pai é ainda hoje um dos grandes ícones no clube. No entanto, em 1988, Rui decidiu que seria uma boa ideia envergar a camisola do FC Porto. Ignorando que isto era um pouco como vestir a Scarlett Johansson com estrume, o jogador pululou alegremente durante duas épocas não como papoila saltitante, mas como estrunfe musculado. Esta pobre criança, inocente nas suas crenças, seguiu-o; e durante dois anos dos quais não me orgulho particularmente, rejubilei com os feitos do conjunto nortenho, numa memória que tento hoje recalcar, sem sucesso, e que me assombra como um fantasma, principalmente quando ouço Pinto da Costa a falar e penso no que me poderia ter tornado.
Voltei a casa, quando Rui, lúcido, redescobriu o bom gosto e voltou à Luz. No entanto, uns anos mais tarde, já eu era um indivíduo com consciência formada (dentro daquilo que podemos imaginar de consciente a caber num tipo que nem tinha feito 18 anos), quando o nome de João Vale e Azevedo enetrou no Benfica e se veio a tornar no sinónimo de fraude, falcatrua e crime. Era como ver um emulado de outras figuras que povoavam o futebol português nessa altura (e aqui, o tempo passado é intencionalmente humorístico). Não conseguindo pactuar com desonestidade, decidi que enquanto Vale e Azevedo estivesse à frente do Benfica, não conseguiria ser adepto. Portanto, durante outro breve período, descobri uma simpatia pelo Rio Ave, que nessa época, nas ondas de Carlos Brito, conseguira terminar a primeira volta apenas com dois pontos, e ainda assim garantir a manutenção na última jornada. Ainda hoje nutro uma enorme simpatia pelos de Vila do Conde.
Mas quando o calvo Corleone de Londres saiu do assento encarnado, dando caminho a um bêbado inveterado, mas ainda assim mais honesto, regressei ao ventre que me aquece e acolhe desde então. Um ventre que me fez descobrir gostosas maneiras de dizer "caralho", e que me entrega a irracionalidade de bandeja, principalmente quando Emerson é titular e a lógica do mundo não existe.
No fundo, para mal dos nossos pecados, o Emerson faz parte dessa equação Benfica, que é tornar o impossível parte do quotidiano. É por isso que nunca podia ser de outro clube.
Parabéns, Benfica.