sábado, fevereiro 25, 2012

Reviews rápidas: "War horse"


Apesar do mito escrito e montado durante as últimas duas décadas, é uma mentira que o cinema de Steven Spielberg seja absolutamente sentimentalão. Não há dúvida que tem uma grande componente emocional, girando normalmente em volta dos mesmos temas (o sentimento de abandono, a fractura da família, a procura de um sonho), mas desde "E.T" que o realizador não faz uma obra que seja desavergonhadamente sincera nas suas intenções de colocar o mais duro dos homens a chorar. A espera acabou: chegou "War horse".

Tentativamente, conta-se a história de um cavalo e das suas aventuras entre humanos, do nascimento à morte. É estabelecida, desde a rimeira cena do filme, a sua ligação a Albert, o filho de uma família de agricultores do norte de Inglaterra, no início da segunda década do século XX. Tempos difíceis obrigam Albert e o cavalo (que é chamado de Joey) a formar uma ligação forte, na luta para ajudar a família composta por um pai alcoólico, coxo e demasiado orgulhoso, e uma mãe que independentemente disto, odeia o marido sem nunca deixar de amá-lo. Mas então, começa a 1ª Guerra Mundial e a família tem de vender o cavalo ao exército para ser usado no conflito. Albert fica inconsolável e promete resgatar Joey do meio do conflito.

Como se vê, a história é uma espécie de cana de açúcar, de onde se pode retirar sacarina à discrição; e é isso que Spielberg faz. Em cada momento que há hipótese de lágrima fácil, a virtuosidade do seu cinema une-se a uma excelente banda sonora de John Williams para nos fazer soluçar como crianças. Em certas alturas, resulta; noutras parece excessivo. A culpa é de um argumento desestruturado, que nos vende uma história entre Albert e Joey, para de súbito mudar tudo e transformar o filme numa sucessão de vinhetas ond o cavalo passa por várias mãos, e criando lições de moral sobre as várias desumanidades da guerra. Nada que Spielberg não tenha feito, com muito mais pinta, na abertura de "Saving private Ryan". O personagem de Albert parece também saído da década de 40 de Hollywood, sem uma única pulsão sexual que o movimente durante toda a trama. Só lhe interessa o cavalo. Mesmo para um realizador que nos deu alguns dos mais emblemáticos símbolos da ingenuidade cinematográfica, é uma pouco forçado. Nota-se que isto intencional, e que há piscares de olhos vários a cineastas dos tempos clássicos de Hollywood (David Lean, John Ford, Frank Capra), mas para um espectador leigo, compreende-se que soe a falso e forçado.

No entanto, o filme faz-nos esquecer isso durante as duas horas e vinte que dura. Como? Com algumas das cenas mais bem filmadas do ano. Steven Spielberg é dos maiores virtuosos da câmara que o cinema já viu, e este filme é, basicamente, money shot atrás de money shot: a entrada de um dos personagens refletida no olho do cavalo; uma transposição de cena encolvendo uma camisola de lã e um campo inglês; uma manada de cavalos num quieto sobressalto após um tiro decisivo. Estar nas mãos de um cineasta com esta imaginação visual é um luxo, para mais quando ele compõe também algumas das cenas do ano. A corrida desenfreada de Joey por entre as trincheiras, numa cena de batalha nocturna, é das melhores coisinhas que vi nos últimos anos.
Conscientemente, as cenas de guerra são filmada de maneira diferente de "Saving private Ryan"; mas como não? Estamos a falar de ua obra que reescreveu o modo de filmar e montar uma cena de guerra contemporânea. Ao invés de câmara de mão, Spielberg opta por planos largos e afastados, sobrevoando o campo de batalha, com uma montagem sóbria e discreta. Não é isso que tira a potência à carnificina, o que é a verdadeira moral do filme: a inutilidade da guerra e a forma como destrói as ligações humanas e o que temos de mais belo no mundo. Tudo visto pelos ohos de um cavalo que, estranhamente, é o nosso ponto de ligação a toda a história. Se antropomorfizar em demasia, o realizador cria uma empatia entre cavalo e espectador que dura todo o filme e nos faz temer por ele como uma personagem humana.

Amigos dos animais vão adorar isto, porque lhes faz esquecr de que cavalos e outros animais são seres irracionais; mas o tom do filme mistura realismo e fábula, nem sempre com equilíbrio, e é por aqui que o filme falha. Todo o virtuosismo técnica é deixado coxo por uma verdadeira dose cavalar sentimentalismo, que embora resulte a espaços, nunca é natural o suficiente para não pensarmos, depois de o filme que acabar, que andaram a brincar às marionetas connosco. Brincaram com muito nível, é certo. Mas ainda assim, brincaram.

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