O dia da Mulher é sempre uma altura de lembrar os direitos das mulheres, e o tratamento que receberam durante séculos. Fala-se de direitos de mulheres, salários e greves; de opressão e exploração. Maldosamente, certos elementos do sexo feminino aproveitam para bradar o quão superficiais os homens são. É, portanto, uma altura para grandiloquência e cabotinismo. Não é diferente de qualquer outra efeméride ou data importante, então.
Há no entanto uma vítima esquecida no meio de toda esta confusão: o homem que não sabe ser homem. Aquele que não encaixa no estereótipo que se faz dos homens, e que existe de facto. O "gajo". O macho. O indivíduo que perante um armário estragado ou um quadro eléctrico defeituoso, pega nas ferramentas e resolve o problema, enquanto lê "A Bola"; que sabe perfeitamente a diferença entre um Golf 1.3 e um Golf 1.8; alguém que sabe preencher um formulário do IRS; que malha um copo só porque os amigos estão em casa. Eu assumo publicamente que não sou este homem.
Não digo isto com o desdém de alguns. O meu pai pertence a esta categoria, e com todo o orgulho. É um senhor simples e que não tem grandes preocupações para lá do quotidiano, o que já sobra, como sabemos. Toda a vida do patriarca Cristóvão Simões girou em torno de uma ideia: suportar a família e resolver os seus problemas. Fossem eles construir uma churrasqueira, ou garantir que eu teria uma educação de luxo que me conduziria ao desemprego. Era o trabalho dele; e quando se reformou com 55 anos de uma carreira ao serviço da GNR, a sua missão estava cumprida. O filho mais velho tornou-se a primeira pessoa a formar-se na família, o mais novo tem todo o ar de ir longe na vida, conseguiu tornar-se dono da sua própria casa, tem as finanças controladas e está casado há 32 anos.. Invejo o meu pai, porque não sei se alguma vez conseguirei ser assim tão realizado nas pequenas grandes coisas que fazem a nossa vida. O que não significa que despreze aquilo em que somos diferentes, e que nunca tiraria de mim mesmo.
Sou apanhado nesta armadilha da masculinidade principalmente quando conheço outros homens, que não têm qualquer hipótese de saber as coisas pelas quais me interesso realmente. Cada homem presume que o outro fala uma linguagem comum. Por isso, se falam para nós acerca daquele escape fabuloso que meteram no jipe e lhes permite trepar seis penedos sem suar, há a expectativa de que o interlocutor perceba exactamente a maravilha dessa tecnologia. O que faço normalmente é disfarçar a ignorância espelhada no vazio do meu olhar com um "Isso é espantoso", ou "Um amigo meu falou-me disso...", dito com tamanha convicção que passou mesmo por membro daquele clube. Eu, claro, não digo muito mais. Fui-me interessando por futebol, porque seria talvez o assunto que compreenderia mais facilmente, para servir de ponte. Não é fácil falar daquilo que refiro como "aquelas coisas". Tornam-nos interessantes durante um período curto de tempo. Depois, passamos a ser como "macacos amestrados", e se tivermos sorte, ficamo-nos por aí. Se tivermos azar, evoluímos para arrogantes, o que só tem piada se tivermos realmente um ego onde caiba a arrogância. O que não é o meu caso.
Fui acusado durante tantos anos de ser um pretensioso intelectual enorme que passei a fazer um esforço hercúleo (que não foi de boa vontade, sou sincero) em perceber este género de coisas, e em dar-me com pessoas diferentes. A ironia da história é que aqueles com quem me dava anteriormente, nos círculos onde a minha pretensiosidade intelectual não só era aceitável como celebrada, me passaram a olhar de lado. Dizer que gosto de futebol é uma punhalada, e qualquer observação mais comum lança dúvidas sobre o meu estado mental. Fui confrontado por alguém que me disse, há pouco tempo, que já tinha sido mais inteligente. É provável, se calhar. Mas não trocaria a experiência a que me entreguei, acho. Não sei se fiquei a perceber mais quem não tem aspirações mais na vida que não sejam ser feliz e passar um bom bocado (e são bem nobres, tais aspirações). Pelo menos, aceitei que é um opção tão legítima quanto a minha de me destruir lentamente até não conseguir tirar felicidade de mais nada.
No entanto, penso que fugirmos daquilo que somos não será a melhor opção, mesmo que aquilo que somos não seja exactamente o que nos deixa confortável para sermos aquilo que queremos ser. No entanto, isso pode ser impossível, e no fim de contas, viver acho que é um pouco conformarmo-nos com a vida tal como a podemos esculpir. Com a matéria-prima que temos, e com as oportunidades disponíveis. Reconhecermos as limitações, e se podemos evoluir a partir daí; aceitarmos o que nos trava, e gerir as nossas expectativas com essa bagagem. Ou então, lutamos contra tudo. O que é o conselho que se dá mais vezes, mas claramente por alguém bem mais ajustado nas suas opções de vida.
Ser homem é mais do que aquele modelo que tracei, claro, embora não deixe de me sentir desconfortável a falar com a maior parte dele. O que as pessoas não percebem é que não vejo isso como o mundo a ser ridículo: encaro isso como a minha própria inabilidade em lidar com o quotidiano. Porque é a resposta mais simples, e não tem nada de errado. Com honestidade, o quotidiano pode ser muito complicado de vez em quando. Mas lá está, é por isso que tenho o meu pai.
1 comentário:
aah, és um "homem" à antiga! (rapaz, vá. para mim são todos rapazes enquanto eu for uma rapariga :D).
reconheces a tua identidade em Édipo! estás fora do tempo, é Narciso a figura do momento.
deixa lá o paizinho em paz que chapéus, tal como os homens, há muitos e diferentes: uns vão à bola, outros à ópera. mas os mais interessantes podem-se levar para todo o lado :p (raríssimos, esses! :D)
Enviar um comentário