terça-feira, maio 22, 2012

Last House call



É sempre triste quando assistimos ao último episódio de uma série da qual gostamos; mas a noção de "último episódio" pode variar. Por exemplo, o meu "último episódio da série "House M.D." será, talvez, o season finale da 4º temporada. No entanto, para a Fox e mundo no geral, o médico pendurou a sua bengala em definitivo ontem. A nossa diferença de perspectivas assenta num princípio de que já falei por aqui: desde há algum tempo que a série "House" tem sido desinspirada em termos de história, mas interessante em absoluto no confronto épico entre a equipa de argumentistas e Hugh Laurie. Enquanto os primeiros andam há 4 temporadas a tentar destruir um dos personagens de televisão mais complexos, Laurie, com talento e galhardia, tem-no mantido interessante e objecto de curiosidade.

Hoje já não é novidade, mas quando surgiu, "House" era uma série irreverente. Seis anos já deram para nos habituarmos ao rezingão da bengala, mas em 2004, haver um personagem arrogante e abrasivo a liderar uma série era diferente. Não é que fosse a primeira vez que tal acontecia: "Profit", uns anos antes, usara este esquema, mas fora um fracasso. Nas comédias, o esquema é habitual. "Seinfeld" utiliza 4 personagens principais cheiinhas de defeitos e picuinhices, mas a comédia lida melhor com estes personagens como fonte de riso. Agora, o drama televisivo, e ainda por cima hospitalar, a ser varrido por sarcasmo e 
ridicularização? Parecia blasfémia! Mas vingou, provando que o nosso gosto como espectadores mudou bastante. Sem ela, não haveria "Lie to me" ou "The mentalist", entre outras. A grande novidade da série era utilizar precisamente o esquema do procedural médico tradicional, mas concentrando o protagonismo num só personagem, que não podia ser mais diferente do clássico bonzinho de bata branca. Correndo o risco de usar demasiadas características particulares e estranhas (ele toma comprimidos a toda a hora! ele usa uma bengala! ele recusa-se a usar bata), o personagem superou tudo isso para se tornar num símbolo daquilo que gostámos de poder dizer e fazer, mas não conseguimos. De facto, até esquecemos que a principal razão pela qual tudo é permitido a House é, precisamente, por ser parte de um trabalho de ficção.

Gregory House é um médico arrogante, cínico, sarcástico, desagradável e ácido que espalha lemas como "Os pacientes mentem, toda a gente mente" ou "Não é o meu dever gostar dos pacientes, é meu dever curá-los". Trata os doentes que lhe vêm parar às mãos com um desdém incrível pelos seus sentimentos e encara-os como puzzles clínicos prontos a resolver. Ele passa quase toda a série sem exibir qualquer característica visivelmente redentora, a não ser a sua absoluta inteligência, que House vê como um dom que lhe desculpa todos os desvarios. Na verdade, House é muito parecido com Sherlock Holmes, e até a dinâmica existente na série entre House e Wilson, o seu melhor amigo, é muito semelhante à que Arthur Conan Doyle estabeleceu para Holmes e Watson, o seu assistente nos livros. House tem falhas como ser humano, mas o seu carácter é marcado por uma deficiência física, o músculo da barriga da perna esquerda morto devido a falha médica, e uma posterior dependência de comprimidos contra a dor. É um handicap físico que lhe causa as suas falhas como ser humano.

No seu melhor, a criação de David Shore teve um ritmo alucinante com série e alguns dos one-liners mais inspirados da última década. De facto, juntamente com o Rayland Givens de "Justified" e da galeria de personagens das séries de Joss Whedon, Gregory House foi porventura o mais espirituoso personagem num drama da década que passou. No seu pior, quando se decidiu a tornar a sua obra naquilo que precisamente parodiava, "House" transformou-se numa ode a um sentimentalismo bacoco que pouco tinha a ver com o personagem. A falta de inteligência de quem escrevia a lidar com a típica fuga da felicidade de House, sem no entanto deixar de construir um arco narrativo de evolução, levou a que Shore e companhia nunca se decidissem se iam dar alguma felicidade ao personagem, ou o deixavam afundar num poço de negrume; e quando se decidiram por torná-lo feliz, nalgumas poucas vezes, acabavam com essa trama em penadas muito mal amanhadas e que destruíam toda uma mística e credibilidade que tinham construído. Não ajuda que dos secundários, apenas Robert Sean Leonard brilhe (e Lisa Edelstein, nos seus melhores períodos como Cuddy). De resto, apenas Olivia Wilde esboçou alguma reacção; e sempre achei estranho que Omar Epps não conseguisse, em oito temporadas, transformar o seu Eric Foreman em algo que ficasse na memória dos espectadores.

Por isso, não lamento que a série acabe. Na verdade, o seu fim foi há já algum tempo, e apenas se estaria a adiar o inevitável. É pena que um dos projectos mainstream mais interessantes da televisão norte-americana se tivesse desviado do seu curso. O seu último episódio oficial, aliás, tem todos os defeitos que a série foi ganhando, e um final que é simplesmente uma fuga (literal e metafórica) para o destino de House, com partes tão fora da lógica do personagem que não pude deixar de pensar que foi um dos jardineiros da Fox quem escreveu aquilo  Fica, ainda assim, um personagem absolutamente memorável, que servirá certamente de termo de comparação nos tempos futuros. Mas lá está, isto pode não ser verdade. Porque, como todos sabem, "Everybody lies".

terça-feira, maio 15, 2012

Criancices



Ontem, estava eu sentado, descansadamente numa cadeira, quando me passaram uma menina de um ano para os braços. Fiquei sem saber o que reagir. Era como se me tivessem responsabilizado pela integridade de um vaso Ming, pressão que leva os meus apêndices superiores a tornarem-se gelatina durante uns minutos.

Tentei não entrar em pânico, e peguei nela da mesma maneira que tinha visto uns chimpanzés a segurarem nas suas crias há uns anos, no Zoo de Lisboa. Na minha ideia, as crianças até ao ano e meio são muito parecidas com animais, reagindo mais do que raciocinando e sentindo. A criança não desgostou e espantosamente, não se desmanchou num enorme pranto. Talvez porque eu lhe pegava feito chimpanzé, e ter de facto uma parecença corporal com estes bichos. De qualquer forma, eis que um elemento do sexo feminino estava no meu colo e não desatou a fugir. Está um santo para cair no altar.

A petiz olhou-me várias vezes, admirada. Presumo que tenha reconhecido uma daquelas figuras fábulas que lhe lêem em histórias de adormecer. Eu tentava disfarçar algum desconforto. Não estou habituado a ter nas mãos a parcela mais importante da vida de outras pessoas. No entanto, à medida que os segundos passavam, fui achando a coisa engraçada, e a pensar no quão espectacular pode ser um bébé, principalmente quando os outros são responsáveis por tratar das partes mais chatas de tal encargo. Fazer caretas e brincadeiras faz-nos sempre sentir melhor, quando o bébé ri; no entanto, nunca pude deixar de sentir pena dos indivíduos que assoberbam uma criança com tolices, quando se nota que a última coisa que esta precisa é de meia dúzia de adultos a dizer "olá" com voz ajuda e trautear cantigas e lengalengas num linguarejar que teria feito os ursinhos carinhosos virarem para o lado negro, tal a vergonha.

Ora, foi nesta altura de pensamentos cínicos que a mãe adicionou à cena o adereço perfeito: um biberon cheio de leite. Escapou num mistura de ordem e pedido "Tenho de ir lá, dá-lhe de comer", e desapareceu de cena; e eu fique, literalmente, com a menina nos braços. Olhares nas mesas do baptizado viraram-se na minha direcção, como se fosse pedido a Cristiano Ronaldo que recitasse o primeiro canto dos Lusíadas, e a tragédia iminente salivasse os sentidos na esperança do horror. Fiquei como que um boneco, a quem é dado um adereço a meio de uma cena de improvisação. Lá inclinei o biberon e a miúda, num piloto automático admirável, envolveu-o com as suas mãozinhas de cerâmicas e abocanhou a pipeta. Os seus dedinhos ficaram brancos, da força com que se agarravam ao plástico, e por isso, coloquei a minha mão para dar uma ajuda. Estava o cenário montado: Bruno a dar o biberon a uma bébé.

Choveram as bocas do costume, apelou-se ao meu sentido paternal. Respondi com três ou quatro bojardas roçando a ilegalidade segundos as regras de conduta. Mas nos meus braços, uma criaturazinha que tem algum do meu ADN diluído nas veia, era a expressão e a boca mais dorida de como não estou tão distante assim das habilidades paternais quanto penso. Pelo menos, quando tenho de fazer de pai durante vinte minutos. Ajeitei a garota, numa posição mais sentada, e equilibrei-a no meu joelho, esperando que o leite desaparecesse e nada mais sobrasse do que uma memória de fome num plástico

A Carlota acabou e a mãe, vendo isto, nem sequer a retirou dos meus braços. No entanto, achei que a experiência tinha acabado por ali. Passei-a a alguém e levantei-me para me ir embora. O pensamento de eu não ser a única criança na minha existência assustou-me. Por outro lado, talvez tenha sido por isso não houve choro ao meu colo. O reconhecimento imediato de espíritos irmãos é normalmente um anestésico ignorado pela ciência.

terça-feira, maio 08, 2012

Une baguette



A ideia de ver os Franceses em redor da Bastilha parece-me reminiscente do "Yes. we can" gritado pelos norte-americanos há quatro anos, com aquela pujança de quem estava a ser libertado de uma espécie de escravatura. O tempo passou e Obama não é o Messias, embora conte piadas muito melhor; Hollande parece uma espécie de António Vitorino, mas em ponto grande. Em perspectiva, é o messias que um país tacanho merece.
No fim de contas, França não é tão diferente do inimigo americano. À sua maneira, ambos são belos e idênticos artistas.

sábado, maio 05, 2012

The beast killed the Beastie



Não é muito trendy e sensível dizer isto, mas dói-me bem mais a perda de Adam Yauch, o MCA dos Beastie Boys, do que Miguel Portas, que colocou o Facebook em polvorosa na semana passada. Portas era um político, por muito bem intencionado que fosse; os Beastie Boys são uma das bandas para quem olho quando procuro renovação, arrojo e, acima de tudo, qualidade. Ao contrário de qualquer político, os Beastie Boys nunca me desiludiram. Adam Yauch era também bom gajo, ao que parece, e dedicado a causas humanitáras. Portanto, junto as duas dimensões e não pareço tão superficial.
Foda-se, odeio o cancro. Para o caralho com ele.