quinta-feira, setembro 27, 2012

"Breaking bad"



Até onde pode chegar um homem movido pelo desespero e pela frustração? A julgar por todo o arco narrativo de "Breaking bad", bem longe. Talvez até um ponto onde esse homem se descobre a si mesmo, na mais estranha das viagens de auto-iluminação que um professor de Química de uma pequena cidade norte-americana pode imaginar na sua vida banal, com uma família normalíssima e um quotidiano que é pouco mais do que trabalhar, ver televisão e beneficiar dos prazeres pequenos, que combatem as desilusões maiores que não se vêem. Como todas as iluminações de clarividência, há um momento charneira que tudo precipita, no caso deste homem a descoberta de um cancro potencialmente terminal. Ora, de modo a garantir a subsistência da família após a sua morte, um esquema surge: cozinhar anfetaminas, usando os seus conhecimentos de Química, e aliar-se a um ex-aluno que as trafica.

É este o mote para "Breaking bad", uma série sobre um caminho para o sonho americano traçado sem bússola, acima de tudo moral. É um percurso de um ponto A para outro ponto qualquer que não se sabe muito bem; e levando até ao limite a moralidade, permite descobrir de que matéria realmente são as pessoas feitas. Num jogo de escondidas consigo mesmo, Walter White, o professor de Química que se vê confrontado com uma escolha extrema, entra numa epopeia, à boa maneira dos herói antigos, em busca, acima de tudo, daquilo que acha que a vida lhe deve. A série, admirada acima de tudo como um thriller moral muito bem esgalhado e a coolness em pessoa, é acima de tudo sobre personagens que pensam que a vida lhes deveu algo durante anos. Seja a mulher de Walter, que por debaixo do seu disfarce de contente com pouco, anseia por outra realidade de conforto; o parceiro de Walter, Jesse Pinkman, deseja coisas que até agora não sabia que queria; e todos os restantes ou são meios ou obstáculos, nada mais.

Todo este percurso é traçado, narrativamente, desde a primeira temporada, com acontecimentos que ramificam uns dez ou vinte episódios mais à frente, sem esforço, mostrando o trabalho excelente efectuado pelos argumentistas da série, em particular Vince Gilligan. Gilligan ganhou proeminência com o seu prolífico trabalho em "The X-Files", tendo assinado alguns dos melhores episódios desta série, onde se podem reconhecer alguns temas e estilos de "Breaking Bad" ("Pusher"emula alguma da tensão cerrada presente no conflitos pessoais de "Breaking bad"; "Memento mori" traça a dor palpável que o cancro pode causar no mundo de alguém; "Monday" é um episódio rashomoniano, onde alguém ljuta uma e outra vez para impedir que a realidade tal como a conhece desabe) e embora as séries pareçam distantes, ambas partilham um gosto pelo imaginário de "americana". Por muito boa que seja a substância, tal como numa reacção química, ela só explode porque existe um catalisador. Se Aaron Paul, no papel de Pinkman, é excelente, e mesmo que mais à fente Giancarlo Esposito crie um memorável vilão em Gus Frings, esta série é do poderoso Bryan Cranston, um mosntro de representação que come a série toda, a digere e atira na nossa cara como uma bala poderosa: a maneira como compõe um Walter White monstruoso, mas terno; egocêntrico, mas dedicado à família; simples na sua ambição, mas complexo nos seus impulsos, é das melhores coisas que a televisão nos oferece. É um espectáculo à parte, e pouco mais há a dizer.

"Breaking bad" tem várias morais a retirar. A que deixo é: não deixem o desespero toldar a vossa vida. Principalmente quando o passado se quer alimentar do vosso futuro.

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