sábado, dezembro 28, 2013
Retrovisor
13 apóstolos se sentaram à mesa quando Jesus morreu, e começou o zero de 2000 e tal anos, que culminariam neste. Assim como 13 esteve presente antes do calvário e paixão, também 2013 foi sinónimo de um percurso pessoal cujo Golgota se vai avistando, e se adia com cada dia em que ouço ressonar de um quarto no canto da casa. Mas disto já me leram todo o ano, e ao tentar hoje dar a mão a alguém que ao longe vive o meu futuro que está sempre próximo mas felizmente se afasta, agarrando nesse alguém, em pensamentos, antes que as pernas lhe traiam, não tenho nem coragem nem vontade de navegar no pântano novamente. Giro a quilha do barco para mares superiores e serenos, onde 2013 teve espaço também para caminhar sobre as águas ao invés de me afundar.
Todos os anos se aprende, e em 2013 aprendi a destruir parte da minha vida para reconstruí-la, pouco a pouco, numa obra que continua para o ano e ao bom estilo de Gaudi adia o seu fim. Melhor para mim, que vou sendo perdigueiro da minha própria curiosidade e transformando a escola de Sagres em algo de mais parecido com Ceira, faço o meu próprio Descobrimento. O que descubro é milagroso e explica porque é que consegui passar por 2013 como alguém, que calçando botins de aço, ainda assim aprende a fazer piruetas no gelo. Descubro que a mecânica do coração é mais complexa do que o pulsar de um ventrículo, e que continua a bater mesmo quando enfartes ténues e arritmias em forma de gente o forçam a desfibrilhar de quando em vez ao compasso do sorriso que é vida, e no posterior é morte um pouco todos os dias até que, como o Cristo anterior citado, se ressuscita para abraçar essa magia em que se escondem as cartas e se pede ao outro para escolher, e se reza, seja a Cristo seja a nós, que a carta escolhida seja aquela em que pensámos. É uma lição que só se aprende quando já não se é; mas parte de se ser outra vez está aqui, naquelas palavras escritas no quadro negro da existência, onde deus tem 10 000 nomes e um deles é o dela. Que ela? Não sei; mas terá o seu nome, e não terei que acreditar que é omnipotente. Porque isso não existe; ou então, se existe, o seu poder é tornar-se perfeito e redondo para mandá-lo para o caralho. 2013 também foi confirmar isto.
O bom de 2013 foi confirmar amigos, descobrir outros e regressar a paisagens humanas que desprezei e a quemagora, humildemente, peço que aceitem que tenho falhas como um vidro rachado, e apenas requisito que me dêem algum calor para que me regenere e reerguer para que nos possamos reconhecer. São amizades in media re(s). Vão desde ilhas até terras ainda mais distantes que não vêem o mar, e pelo meio há mais uns quantos habitantes deste cubo mágico que sou eu. Fizeram e fazem parte, e se alguns chegam ao final do ano e têm prendas de Natal, eu tenho prendas da vida toda. Comecei 2013 a olhar para o deserto, e chego aos termos findos vendo oásis por aqui e por além, e sentindo-me saciado, e até parvo por ter pensado, um dia, que eu era a fava de um bolo-rei que as pessoas escolhem comer. Estes comensais devoraram-me para o bem e para o mal: vão desde distantes ilhéus que me fazem sentir próximo sem que eu entenda bem o porquê da estima que me têm, até alguém que tem o tudo e o nada do meu querer, e nesse paradoxo se deriva. Existe também a acidez doce dos citrinos, e a ajuda de quem mal me conhece, mas já impera na minha gratidão. Há de tudo. Inclusive quem me deseja "Feliz Natal" pessoalmente, algo que nunca aconteceu naquela dimensão. Há isso.
Também houveste tu, oito anos depois. O capuchinho amarelo. Um silêncio confortável, uma alma perdida à procura de onde se encaixar, e viste o que vejo, com os teus olhos, com a tua lente e com a tua sensibilidade. Percebo como funcionas, sei que não tiveste culpa, mas gostava de te ter feito sorrir mais. Mesmo que tal fosse tão impossível como escapar ao que sou. És uma migalha de mim, mas agora, a digestão tornou-se mais fácil. Não é que tenhas menos condimentos: o meu estômago é que se tornou mais eficaz.
2013 foram os três de Oakland a acordar-me antes que chegasse Setembro, mas concretamente em Julho. Foi o dia em que dançámos, ao som de um amor brutal, que para mim foi coreografado pelo Acaso que me sorri de quando em vez, e que me enche de arroz doce quente tão poucas vezes na minha vida que quando o provo, deixo flutuar o sabor durante meses. Antes, já quatro moços da Britannia haviam celebrado a poder universal que a música exerce sobre quem a ouve, e sobre mim, que tive a coragem de enfrentar sozinho medos ridículos apenas porque vê-los era uma missão. Cumprida, agora que está. Mas antes de todos eles, o pianista italiano foi o primeiro a transtornar-me as certezas de mim, e provocou um terramoto de réplicas que duraram nove meses. Saber que o meu pai tinha entrado num TGV para a morte foi 1755/Lisboa vivido cá dentro. Ouvir Einaudi no Porto virou as placas tectónicas do avesso e sacudiu-me para o lado oposto, arrancando-me/desarranjando-me/desbaratando tudo onde me escondo. Não sabia que era possível alcançar a plenitude em cima de umas teclas, e pensei que um homem que concede vida a outros pertencia à divindade. Dois erros que não cometerei. Partilhar isso com quem se gosta foi atinar com a vibração do eu para os outros. Acima de tudo, quando descarrilei, Einaudi voltou a dar-me linha, não para me enforcar, mas sim para subir ao céu que é o lugar onde somos nós, e sentimos que as coisas podem, por fim, fazer sentido.
2013 foram muitas outras aventuras mais pequenas: a estreia no Algarve, dormir no cimo do Cântaro Magro e ver nascer o sol, percorrer sozinho o imenso vazio que espaça o Pico do Arieiro e o Pico Ruivo, foi descobrir a fotografia como uma outra extensão do que sinto e vejo e gosto, foi aquela aventura de subir a Garganta de Loriga com gelo e neve, foi voltar à pré-História no Fanal, foi ser abraçado pela simpatia de um casal anglo-luso, foi ver veados no Trevim, foi semear colheitas para 2014.
Foi um ano de tudo. De como erupções vulcânicas têm, de seguida, terreno fértil para fartas colheitas. 2014 tem promessas de uma odisseia com ciclopes e Calipsos. Vai ser outra vez um fartote. e se o acaso fatídico não me tocar também a mim, palavras rolarão e apregoarão os meus sermões. Não sou apóstolo, não sou Messias, mas também acredito; e a minha crença está enterrada no fundo de um poço de dúvidas, que é onde cresce com mais força.
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