terça-feira, novembro 18, 2014

Contra/A favor



"Conta-me a história", pedes-me, e não há história para contar. Há pequenas narrativas que se juntam, que nem chegam a formar um todo. Desconheço o que queres que te conte, e notas a minha indecisão. Por isso, reformulas: "Fala-me dela", e aí a minha hesitação é outra. Mencionar-lhe o nome é tê-la presente, e se quisesse isso não me teria afastado. Não falar é esquecê-la, e se desejasse tal infortúnio não me isolava dentro de mim desde que lhe disse que não conseguia viver comigo, e por isso escolhia estar sozinho na sala da minha pulsação. "Há alguma coisa que possas dizer então? Pareces fora de ti", e pela primeira vez algo acertado surge numa conversa que não quero ter, mas que forças uma e outra vez. Fazes demasiadas perguntas, mas esse é o imposto fixo de ser cientista. Aqui não há ciência, a não ser que se conte a improbabilidade como uma teoria que define o mundo.

No meu silêncio evito-me, e por isso não lhe falo de momentos que me acertaram o compasso da vida, todos com ela. A abertura em prestissimo de compatibilidades, passando a um primeiro movimento alegricissimo, a orquestra em estrondo empurrando-nos um para o outros só com sopros, e que se substanciou no segundo movimento, quando no topo de todo descemos ao que de mais íntimo existe em nós e encontrei molto vivace nos teus lábios, num beijo adagio. Não sei quem tinha a batuta do concerto, mas por mais que tentasse fugir cavalgando valquírias, não consegui fugir, Nem tu, acho. A maior luta que existe num orquestra é entre o músico e a música: o primeiro pode até negar-se a servir a segunda, mas esta é uma força muito maior, mais obrigatória e urgente, que se impõe e não deixa espaço para dúvidas. Por isso, que posso eu contra quem me guarda nos braços e insiste em dizer que está tudo bem, que o planeta é nosso e só nosso, que a galáxia e os cosmos não interessam, e que enquanto estivermos deitados na relva, o granizo nunca a queimará? Tocas a música do que não consigo cravar em palavras num compasso ternário: um beijo, um abraço e a curvatura do teu sorriso, numa arquivolta dos sentidos. Deixei de ser clássico: baralhas-me e transformas-me em imprevisível jazz.

Não quero contar tudo isto, mas penso. Evito o que se segue, e quero guardar o que de bom ofereces, mas como um eclipse, surge tudo o mais que não aguento, e sai-me "Como é que algo que nos torna mais do que somos, que mal caibo nesta altura toda, pode deixar em mim uma falha sísmica tão desoladora?", e tu, cientista, tu, para quem a matemática é a suprema viga mestra das voltas do planeta, tens resposta pronta: ""Porque deixas. Porque isso de sentir é para quem gosta de descer lentamente à sepultura. Amar alguém é entregar um botão a outro, e esse botão, uma vez pressionado, dá-lhe o direito de te explodir quantas vezes as necessárias para que nada sobre, e caias sob o peso da tua própria felicidade. É uma lei universal da energia: quanto mais dás, menos tens; uma vez sem nada, ficas isso mesmo: ficas nada." Mas eu não me sinto nada. Pelo contrário, desde que te te deixei ao largo que me sinto demasiado, seja em confusão ou sentido ou talvez demasiado cheio de estar vazio; e nem toda a ciência e lógica podem fazer sentido ao que me rói: como é que fazer algo que é bom para mim é também passo largo para me maltratar como se fosse o meu inimigo eterno. De certa maneira, sou.

Uma palmadinha nas costas, e sorris. "Pois, mas é assim o mundo", e este é o código de quem não percebe nada, e acha que no meio dessa selva aleatória do ecossistema humano as coisas podem fazer sentido só porque sim, e porque tudo tem uma maneira de se entender, mesmo que não haja explicação. Achar que se pode amar alguém com quem não se poderá ficar, e mesmo assim permanecer inteiro o suficiente para viver o mundo. Sou pedaços, partidos e espalhados, e como arames que se atraem por um pólo magnético, continuam a encaminhar-se para ela, que não é minha, nem pode, e continuará a sua vida, enquanto eu me sento com alguém que claramente a percebe, mas não a conhece. Quando me despeço do cientista, ele fica entregue a cálculos, mas eu permaneço o resultado de uma soma mal feita.

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