quinta-feira, dezembro 11, 2014

11-12



Um bocadinho. Um ponto na estrada pelo qual se passa. Uma mancha que se limpa. Uma nódoa que surge e se faz desaparecer. Uma bolha de ar que se rebenta porque estorva a vista. Um montinho de terra que se varre para fora do jardim. Uma relva que cresceu mais do que as outras e atrapalha a simetria. Um livro a mais que não cabe na estante e se mete no caixote. A bolacha mole que não se escolhe e atira para o lixo. Os calções quando chega o Inverno. O cavaquinho numa orquestra de sopros. A ínfima parte do que já foi, e não é. A célula disfuncional que precisa de ser destruída. A traineira de madeira podre que será abatida. O pedaço de oceano onde o crude reclamou um reino. A casa onde as vigas estão tão podres que nem vale a pena pagar o restauro. A folha mal impressa que se arranca, e pela qual reclamamos um livro novo. A memória que some depois de uma noite de bebedeira. O presente que se ofereceu e foi para o lixo. O filme que se apaga do disco rígido. O bocadinho de árvore que o zoom faz sair da fotografia perfeita. A linha de palavras que se risca, ou se apaga com corrector com vergonha que alguém saiba que chegou a existir. A sms que não tem retorno. A cama que é pequena demais para nós, e vai para o sótão servir de pasto para térmitas. Os talheres de plástico que cumpriram a sua função e vão para o lixo.Os sapatos esburacados que não se guardam, porque os novos brilham mais e a ruína não guarda recordações se não nos sentarmos sobre ela. As folhas do caderno que se rasgaram e já não contam. O álbum de fotos que se queimou, porque não se quer na corda do coração. O sofá que um dia nos acolheu, e agora apodrece no depósito de monos. O carro que um dia foi a nossa fonte de aventuras, e agora está desfeito num ferro-velho. O beijo que se deu, e agora é nada. Tudo o que se é, e que nada parece valer. Ser o tudo de uma série de nadas pespegados que se esfumaram.

Pedirem para olhar em frente, e só ver o que não existe. Há noites assim.

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