Beijo-te, nesse momento, não como quem ama, mas não tem outra maneira de rezar. O teu altar em forma de boca recebe.me, ora por mim, ide em paz por aí baixo e que este senhor te acompanhe nas voltas dos lençóis. Nas voltas de mim, porque eu também sei quem sou quando te descobres. Porque me descobres também.
terça-feira, fevereiro 17, 2015
Conhece-te a mim mesmo
sábado, fevereiro 14, 2015
Deixar-se levar
Voltamo-nos para o rio e mergulhamos em nós. Num abraço, a noite é uma esfera, e fora dela estamos nós. Fora da noite, dentro de um outro rio, mais lento, mais escuro, mais tudo. Mais até do que nós. Um rio planeta, perdido nas estrelas que também morrem nas águas. Eu e tu, um planeta. Mãos que são placas tectónicas e novamente lábios em erupção. O resto da noite é um movimento de rotação e a manhã ocupará o seu trono. Dois rios correm: um para o mar, o outro para si mesmo. Eu e tu, um planeta.
quinta-feira, fevereiro 12, 2015
(Espuma)
Cai a neblina, que sabe a mudança, e na areia espessa, que se prende ao mundo, está um búzio. É o búzio das seis e meia da manhã, quando a noite ficou para trás e os olhos só se fecharam para esquecer. Quando o mar me calça os pés com espuma, o búzio é a minha única garantia que tudo isto é real, e que a neblina me veste no faz de conta do despertar. Pego-lhe então e a sua abertura lembra-me lábios que beijo nebulosamente todas as vezes que me solto em mim. Encosto-os ao meu ouvido e ouço a canção das esferas, o cosmos, as nebulosas e mesmo entre uma ou outras supernova, velhos destinos, sussurros e murmúrios. Há quem ouça o mar nessas aberturas: eu mergulho em ti, e naquela manhã, a primeira desde há muito em que o mundo me sabe a outra coisa que não a tua pele, regresso a outros tempos de mar revolto, e de barcos encontrados na tempestade, onde parecem encontrar a razão de navegar. Dou por mim a abraçar um búzio, como se me pudesse devolver tudo o que quero dar e não sou autorizado, e num momento entre minutos, o meu corpo está deitado na areia, mas nem se molha quando o mar se aproxima, o mar foge e nem lhe toca, e enquanto estou a assim, juro que o búzio também me beija, que as manchas madrepérola são os teus olhos castanhos e a praia tem as nossas paredes brancas. Não sabia que a saudade sabia a iodo, mas o teu corpo sempre aqueceu o mercúrio do meu sangue, e num beijo que não existe, o vestido de neblina puxa o sal como cobertor e sinto-me temperado pela tua memória.
É memória de quem não volta. Há mar e mar, e o teu ir implica não voltar, excepto lembrar-te quando ainda sorrias, ainda amavas e ainda respiravas. Tudo o mais são marés, que vêm e voltam, e estando eu na lua, a atracção é imediata. Às sete da manhã, ainda vives num búzio, que guardo no bolso. Ao fundo, a linha de horizonte confirma-se que não voltas, mas que eu tenho o eterno retorno aos teus lábios, no calor de um búzio. O limite chama-me, mas olhando à volta, o meu lugar é aqui, contigo, numa aparição marinha.
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