No rio, as luzes são pregas de lençóis, espectros amareliços que da nossa rua se projectam algures num mundo onde nunca pertencerão: a água é demasiado densa para que as partículas luminosas aí montem morada, e eu e tu, casas um do outro, nem sequer conseguimos apanhar a luz. Mas no rio, forma-se a imagem do nosso beijo, quando o lençol aparentemente se alisa, com as curvas dos nossos lábios. Um longo fôlego. Depois, os meus olhos pescam nos teus com um anzol em forma de saudade. Todos os dias são nunca para os meus olhos, o teu rosto uma novidade e esse olhar um relógio sem ordem onde todos os tempos de misturam. Sei apenas que lá no fundo, fluido como a água do rio, estou eu, em trânsito para o teu coração. Consigo mesmo ver-me, depois de um beijo, a renascer algures onde guardas as luzes maiores do que as pregas do rio. Enquanto o rio passa, tu paras no meu abraço e deixas-me um pouco à deriva, apenas para me agarrares, a tua mão na minha, na noite fria. Mas o teu ar não tem vapor, não tem fumo, quando respiras é como se me acariciasses, com festinhas que tornam a minha pele uma montanha que no degelo do teu sorriso, se permite conquistar por quem arriscar.
Voltamo-nos para o rio e mergulhamos em nós. Num abraço, a noite é uma esfera, e fora dela estamos nós. Fora da noite, dentro de um outro rio, mais lento, mais escuro, mais tudo. Mais até do que nós. Um rio planeta, perdido nas estrelas que também morrem nas águas. Eu e tu, um planeta. Mãos que são placas tectónicas e novamente lábios em erupção. O resto da noite é um movimento de rotação e a manhã ocupará o seu trono. Dois rios correm: um para o mar, o outro para si mesmo. Eu e tu, um planeta.
1 comentário:
Cosmic Love.
:)
Enviar um comentário