terça-feira, setembro 01, 2015

O justo dos sonos



Há algum tempo que estou louco. Melhor, em intermitências de loucura. Não liguem ao velho adágio de que o louco é o o último a sabê-lo. Louco que se preze tem a inteira e perfeita noção de que a sua cabecinha se prepara para zarpar algures para lá do que controla, e nesse momento de lucidez improvável, o louco é quem reconhece humildemente que não se pertence por completo, e que nada do que decide é confiável ou sequer benéfico por definição. O reconhecimento do desvario é um golpe por estar confirmado que perdemos o nosso derradeiro amigo: nós mesmos, em imperfeições nas feições da cara e da alma, mas cujo instinto de auto-protecção é a defesa que temos contra tudo o mais.

O instante preciso tombou ontem em dominó, quando dentro desse mundo de espelhos que é a minha mente me apercebi que recuperara um velho hábito, matreiro, de montar uma megalomania para todo o restante corpo ver. mostra quem manda, dominar instintos, baralhar a natureza, e numa demonstração de soberba esmagadora, pelo momento em que a atenção se esvai, e a carne aceita o repouso do sono como mudança de turno dos desafios. Imaginem bem nisto, chegar a um ponto onde se quer quebrar o que se  estabeleceu desde o momento em que a espécie humana, ou qualquer outra, se animou de electricidade estática em movimento e recebeu em troca de todo esse arcaboiço de dias as horas em que, remetendo-se à quietude, por vezes inquieta na pele e até mais fundo do que esta, simplesmente prescinde do tempo e descobre ao desvelo os segredos que se escondem para lá da Morte. Acordar é nascer cada dia, e o sono a viagem mais próxima, de cabotagem, que podemos fazer em redor do fim que se crava algures numa curva sem espera. Eu, feito um despenteado mental, proponho ter um controlo tal da minha atenção que desespero por saber quando se dá esse clic, em que o interruptor descai e tudo o mais só regressa noutro momento de consciência que é como vir à tona depois de uma prova de apneia.

Não é a minha estreia neste absurdo. Noutras aventuras iguais me meti, em todas elas perdido de tudo o mais, descrente, até sem objectivo e agora, quando me deito, reconheço isso na minha vida. Decisões certas que são ao mesmo tempo erradas, permanências na casa de partida, a decisão como raiz mirrada e que nunca aparece, deixando ao mundo um silveiral indeciso a morder o interior, a rodear o que se construiu e incapaz de parar. É loucura, tudo, até mesmo aquilo que não decido. A demência é tamanha que até o inexistente se presta a colocar uma vida em balanço constante na ponta dos dedos que tremem. Quando já nem dormir é consolo ou bálsamo, mas sim um outro incêndio em permanente rescaldo, nunca se apagando. Sinto a falta de coisas, sinto muito a falta de pessoas, mas começo principalmente a ter saudades de mim mesmo, e nem sei bem onde ando, o que faço ou se, enlouquecendo, estou mais perto de me recuperar, ou pelo contrário, afundar no bolso da camisa de forças. Tremo de todas as vezes que me deito agora, porque não sei se, despertando, não estarei bem para lá do que posso recuperar, se na minha solidão permanente, tendo-me como companhia, não ganhei como melhor amigo a pior das pessoas.

Chama-se estado de vigília, mas como pode ser se deixou entrar com esta facilidade tamanho inimigo?

1 comentário:

Post-It disse...

Depois do mergulho em apneia, está na hora de voltar para cima
;)