terça-feira, dezembro 23, 2008

Blue monday


Eu tenho uma aversão quase fóbica a eventos sociais, sejam eles quais forem. Defino como eventos sociais situações onde estejam reunidas no mesmo espaço mais do que, vá lá, dez pessoas. Posso alargar até 15, mas não pode passar disso ou começo a ficar comichoso. Dentro da panóplia existente de eventos, há um que, mais do que a tortura que é um casamento ou o tormento daquela festa impessoal a que temos de comparecer só porque o primo da nossa cunhada conseguiu acabar o curso académico de gestão de recursos humanos num bordel, que odeio profundamente: o funeral.
Ninguém gosta de funerais, o que é compreensível. Bem, talvez os padres gostem. Mas eu levo o desdém por cerimónias fúnebres a píncaros que só podem ser compatíveis com alguém capaz de pedir meças a Woody Allen no campo das neuroses. Um funeral reúne praticamente tudo aquilo que me preocupa e me mete medo, e nada somboliza melhor isso do que um cemitério. Penso que, no âmbito de um funeral, terei entrado apenas uma vez num. Minto: houve outra, quando era puto. Mas bem vistas as coisas, uma foi numa idade onde me era permitido ter medo, outra onde podia ser racional. De resto, tenho levado a minha vida de forma bem sucedida, evitando funerais de forma hábil e anti-social. Lembro-me que quando o meu avô paterno morreu, consegui não me embrulhar em todo o luto e choradeira, alegando uma vontade de ir à escola que poucos alunos exibiram desde então.
Ora, hoje de manhã, acordo com um zumbido do telemóvel. E o que era? O pai de uma amiga minha tinha morrido durante o fim de semana e fui apanhado de surpresa. O funeral era precisamente daí a uma hora. Há poucas coisas piores para começar o dia do que isto. Foi então que, numa questão de minutos de decisão, tive de enfrentar todos os medos que o funeral desperta em mim: o medo da morte, porventura a coisa que mais temo; a minha proverbial falta de jeito para contextos sociais, sempre útil em alturas em que as pessoas estão com sentimentos à flor da pele; o medo de um dia explodir numa diatribe anti-católica num igreja (principalmentre quando se justifica a morte de alguém com a frase "Os caminhos do senhor são misteriosos"...); o medo do futuro, principalmente quando é algué que morre bem antes do tempo, como foi o caso. Tudo se sucederia se fosse ao funeral.
Que fiz eu? Pontapeei o instinto nos tintins, vesti uma roupinha de cores neutras e lá fui eu para a igreja de S. José. Estive uma hora a pensar na morte e no meu futuro, mordi o lábio quando o padre começou a falar na imbatibilidade do julgamento do Senhor e quando chegou a altura de abordar a minha amiga, que chorava copiosamente, disse duas ou três coisas que me fizeram querer auto-flagelar com uma chibata de espigões de aço.
Depois, abracei-a; ela retribuiu, porque precisava; e nesse momento, aquilo que parecia ser uma visita guiada, a nós mortais, à nossa condição de mortal, passou a ser uma injecção de vida, para ambos.
E nesse momento, nem pensei nos medos. Acho que eles nos sobem à cabeça quando não conseguimos viver algo puramente; e de facto há apenas duas coisas verdadeiramente puras na vida: a alegria da vida e a tristeza da morte. Tudo isso cabe num abraço.
Depois, voltei para o carro, voltei a pensar mal de mim e a ter medo de viver. Não queriam que isto fosse daquelas histórias de filme em que a nossa vida muda num momento, pois não?

3 comentários:

Ela disse...

Pois, olha podes começar por abrir uma agência funerária...
Que tal este slogan:
"Narciso - enterra o que for preciso",
ou:
"Cá te espero!"
Ok, Ok, o texto estava muito bom, nunca imaginei que estivesses só a um pequeno passo de te tornares uma criatura sensível...
Os meus parabéns ou deverei dizer os meus pêsames

Post-It disse...

Subescrevo o comentário da Ela.
Incluiria na lista dos medos, o medo de perder uma boa companhia/companheiro(a)...que também é uma espécie de morte ou de fim de mundo.
Nós continuamos, claro, mas com muito menos consolo...

Anónimo disse...

;P

bjo

l.