terça-feira, setembro 22, 2009

"Inglourious Basterds"


Há realizadores que de filme para filme tiram coelhos da cartola e surpreendem o espectador.Há depois outros cujo Modus Operandi é o mesmo de filme para filme, só muda é o cenário. Case in point? Quentin Tarantino. Os hábitos de Tarantino são há muito conhecidos: ele pega num ou mais géneros cinematográficos de sua predilecção e explora-os com o olhar que apenas um cinéfilo que é ao mesmo tempo um artista pode fazer. Tarantino já explorou, regularmente com sucesso, o "heist movie", com direito de homenagem ao marco visual de fato e gravata preto e branco de John Woo ("Reservoir dogs"; o filme de série B retirado de novelas de 99 cêntimos num cesto ("Pulp fiction"; a blaxploitation e o cinema independente da década de 70 ("Jackie Brown"); o cinema de artes marciais oriental ("Kill Bill"); e mesmo o thriller de série B ("Death proof", que continua a ser o seu pior filme). O novo Tarantino traz-nos um revisitar do cinema de guerra, que deve mais a "12 indomáveis patifes" do que a "Os canhões de Navarone", com um desvio por Sergio Leone. A mistura não parece fazer sentido, mas como Tarantino tem unhas para tocar 300 guitarras, a coisa acaba por se erguer.

Há três histórias cruzadas: a vingança de uma judia, Shosananna (Melanie Laurent), que viu os pais serem assassinados à sua frente quando era criança por um habilidoso coronel nazi, Hans Landa (Christoph Waltz); um grupo de judeus que faz de matar nazis a sua missão e passatempo preferido, liderados pelo temível Aldo Raine (Brad Pitt); e a ante-estreia da última e mais potente obra de propaganda do regime nazi, precisamente num auditório onde estas histórias confluem e que é propriedade de... Shosanna. Pelo meio, há um conspiração para matar Hitler e altos dignatários do regime nazi, com o objectivo de acabar a guerra. Quando Tarantino abre o filme com um primeiro capítulo intitulado "Era uma vez na França nazi", o aviso é claro: ninguém vai ver um filme histórico, e quem pensa isso, vai obviamente enganado por seu próprio erro. "Inglourous basterds" é um conto de fadas bem engendrado, que faz as delícias de quem gosta de rever uma ou outra coisa acerca da História Mundial, nomeadamente se for judeu. Num certo sentido, e tendo em conta as acções do Basterds, pode-se dizer que o filme é quase pornografia judaica. A violência, uma das imagens de marca de Tarantino, é, como em todos os seus filmes, justificada e nada gratuita. O filme tem momentos violentos, mas sem nunca parecerem deslocados. Estamos a falar de um grupo que tem como ídolos um tipo que espanca judeus com um bastão de basebol e outro que tem a compulsão de matar oficiais SS apenas porque sim. O mais interessante é que podemos dar por nós a exigir violência, porque os nazis têm de ser odiados pela ideia que temos dele prévia ao filme. Nisso, o filme não tem grande ambiguidades: há bons e há maus. Tarantino não quer escrever dramas complexos, nem Shakespeare: quer entreter e a melhor maneira é esclarecer logo quem tem a boa missão e a má.

Claro que este filme sofre de dois males de que habitualmente o Tarantinização sofre: primeiro, não personagens realmente complexos, tirando talvez Landa, que acaba por ser mais um vilão bizarro do que um personagem cheio de camadas. Shosanna (que é muito bem interpretada por Melanie Laurent) era uma boa oportunidade, que a certa altura pode lá ir, mas Tarantino prefere deslumbrar-se com o seu estilo e a sua maravilhosa habilidade para escrever diálogos do que seguir pelo caminho que seria mais interessante. Mas afinal não é issoq ue nos leva a ver os seus filmes. O segundo aspecto negativo é que "Inglourous Basterds" parece mais uma colecção de exclenetes cenas do que um objecto coerente e homogéneo, o que é natural pelas pontas soltas deixadas por todas as histórias. Quem vê o filmes, fica com a sensação de que o realizador quis realmente escrever uma história a sério sobre estes Basterds, mas a certa altura se deixou levar pelas outras duas narrativas. Ainda assim, uma cena de vinte minutos que se desenrola numa taberna francesa é, condensada, uma aula de guionismo para cinema.

O grande destaque do filme é o extraordinário Christoph Waltz, que interpreta Hans Landa, o "caçador de judeus", como alguém fascinante e contraditório, numa mistura de Hercule Poirot e criança de 10 anos. Penso não andar muito longe quando digo que a interpretação de Waltz é o correspondente para os vilões daquilo que Johnny Depp fez para os piratas com Jack Sparrow: uma interpretação surpreendente, que nos mantém na incerteza e algo de completamente do que tínhamos visto até agora. Quando ele entra em cena, o filme parece meter uma mudanaça acima! Uma certeza posso já dar: estará nos Óscares, marquem nas vossas apostas.

Filme recomendado para quem gosta de entretenimento inteligente e cinéfilo. Fala-vos um tipo que se riu logo na primeira cena dofilme por causa de uma referência de banda sonora. Pertenço ao mesmo clube de Tarantino: o dos geeks. A diferença é que ele tem um Oscar e a Uma Thurman.

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