sábado, setembro 26, 2009
"The hurt locker"
Um dos grandes filmes de 2009 está, neste momento, nas salas de cinema, sem grande publicidade e alarido, apesar de ser uma experiência de cinema visceral e profundamente realista capaz de fazer alguns filmes de acção recentes parecerem episódio da "Hannah Montana". Chama-se "The hurt locker", e é realizado por Kathryn Bigelow, uma mulher que tem vindo a construir uma carreira sólida e sorrateira (com filmes como "Point Break", "Near Dark", "Strange days" e "Blue steel"). Bigelow chega-nos com o seu melhor filme até à data e aproveita para estilhaçar um dos velhos mitos do cinema: o de que gajas só fazem filmes de gajas. Com "The hurt locker", Bigelow consegue não só erguer um verdadeiro momento de tensão e adrenalina galopante, como aproveita para tecer um estudo sobre o male-bonding em situações limite e estudar o que verdadeiramente move um homem. Como ela própria admite, tem uma preferência por cenários de limite, sejam esses cenários um grupo de viciados em desporto radicais que roubam bancos apenas para sustentar esse vício ("Point break") ou o tráfico de imagens cerebrais capazes de despertar emoções extremas no interior do cérebro da spessoas ("Strange days"). O relato do dia a dia de uma brigada de minas e armadilhas que opera em Bagdad a desarmar engenhos artesanais que são encontrados parece o indicado para o MO de Bigelow.
"The hurt locker" é um filme atípico: primeiro, é um filme sobre o Iraque que não entra em vias panfletárias: assume, abertamente, que respeita o trabalho dos militares, embora não seja necessariamente pró-guerra. Dinstingue ambas as coisas e fá-lo com sucesso porque é profundamente realista. O que o espectador sente na sala de cinema é o que de mais próximo pode sentir estando distante do local de batalha, e quão desconfortável é esse sentimento. O filme não tem parança: é tarefa atrás de tarefa e mesmo os momentos mais pessoais e de camaradagem estão repletos de fantasmas que não nos deixam estar sossegados. Claramente, um homem num campo de batalha funciona num estado mental diferente da normalidade, e há alguns, como o personagem principal, o sargento William James (numa interpretação absolutamente extraordinária, plena de contenção e de não palavra de Jeremy Renner), que só funcionam nela. O filme é exactamente sobre homens em condições extremas e sobre o seu funcionamento em tais cenários. Um dos poderes do filme, e o que o diferencia de muitos outros, é a sua opção de seguir o soldado comum, em vez de optar por discrusos liberais e tretas políticas que não chamadas para o verdadeiro objectivo. Sabe sempre onde estar e o que mostrar. Em vez de impôr conclusões, dá-nos espaçopara julgar e tirarmos as nossas próprias. Isto é respeitar o espectador.
Claro que a grande protagonista do filme é a bomba, em todas as suas formas e potências. Kathryn Bigelow trata-a com respeito e terror, e faz de todas as sequências de desarmamento de engenhos explosivos verdadeiros duelos entre o homem que desarma e aquele que construiu, que pode muito bem ser um de dezenas de espectadores que estão no cenário a observar toda a acção. É um jogo perverso, de inteligências. Bigelow filma sempre de câmara ao ombro e não precisa de truques de montagem: os planos demoram o tempo que precisam de demorar e a geografia cénica está sempre clara, ao contrário de 90% dos filmes pretensamente tensos. Istoé saber realizar, para quem anda a querer aprender do assunto. Para além disso, a mulher tem em cena um homem contra uma bomba! Quem precisa de truques quando já estabeleceu empatia entre os personagens e o espectador?
Façam um favor a vocês próprios e vão ber "The hurt locker", porque eu começo a ficar farto de escrever sobre filmes sobre os quais não tenho capacidade de escrever. Obras viscerais que se sentem mais do que se pensam. "The hurt locker" é uma dessas obras. Vão senti-la e depois voltem cápara falarmos sobre isso.
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