quinta-feira, dezembro 03, 2009

A década dos zeros - Televisão, 1


A década que finda agora em 2009 marca um renascimento da televisão como meio de entretenimento. Assistimos a uma idade de ouro da ficção televisiva, principalmente na ficção dramática. A quantidade de boas séries desta década parece uma improbabilidade estatística. O mais impressionante é que podemos encontrar qualidade não só em programas criados e desenhados para serem obras de arte em si, mas também naqueles que,procurando audiências, não descuram o seu valor como objectos artísticos.
Não sendo minha especialidade teorizar largamente sobre media e afins, é melhor passar ao que este post quer tratar: as séries em si. Nesta primeira parte, deixam-se quatro séries que, na minha opinião, definiram a década que passou. Não serão necessariamente as melhores, por isso calma lá com os cavalinhos. São apenas pistas que marcaram os 2000´s, lançando modas e tendências.

"24" - A série criada por Joel Cochran e Joel Surnow foi a primeira vítima do 11 de Setembro. Uma das histórias que se desenrolava no episódio piloto retratava a queda de um avião no deserto de Mojave,e à conta da brincadeira, a sua estreia foi adiada um mês. Foi um prenúncio para o que "24" simbolizou: o drama televisivo em maior sintonia com o espírito político do seu tempo. Aparte a sua estrutura dramática revolucionária (cada temporada são 24 horas de um mesmo dia, cada episódio uma hora em tempo real), teve em Jack Bauer o reflexo da administração Bush: um homem patriota até à medula, que acredita que na altura de parar o "mal", os meios justificam os fins e que quem comete um crime, atira os seus direitos pela janela. No entanto, foi a primeira a preconizar um presidente negro, um presidente mulher e na mudança dos tempos, a vilanizar um presidente totalmente bushiano em espírito. Sem ela, o cinema de acção seria diferente do que é hoje, e a adrenalina televisiva das séries de acção não existiria com a mesma pujança.

"CSI" - Da lavra de Anthony E. Zuiker e Carol Mendhelsson, "CSI" abriu uma caixa de Pandora, que parece inesgotável na sua fartura de criar ficções em redor da ciência forense aplicada a investigação criminal. O pai de todos os "procedurals" da década que agora finda é muito simples e tem uma fórmula intemporal: crime cometido, investigação realiza-se, criminoso apanhado. A sua diferença reside no foco que existe no trabalho que habitualmente era subentendido em séries policiais, ou seja, o de laboratório. "CSI" junta a fórmula antiga e a moderna de forma eficaz, utilizando um estilo de realização apelativo e a beleza sinistra de Las Vegas para se criar e criar um sucesso que gerou duas spinoff (em Miami e Nova Iorque, cada uma com um estilo independente, nomeadamente a versão capitaneada pelo inenarrável Horatio Caine), mas nenhuma superior à original, e Gil Grissom continua a ser a razão pela qual tantos espectadores se sentem atraídos pelo original. "CSI" apela ao nosso instinto básico de vermos os malvados sempre punidos e sem ela, não haveria toda um década de crimes por resolver por dezenas de polícias ficcionais.

"House" - Hoje já não é novidade, mas quando surgiu, "House" era uma série irreverente. Seis anos já deram para nos habituarmos ao rezingão da bengala, mas em 2004, haver um personagem arrogante e abrasivo a liderar uma série era diferente. Não é que fosse a primeira vez que tal acontecia: "Profit", uns anos antes, usara este esquema, mas fora um fracasso. Nas comédias, o esquema é habitual. "Seinfeld" utiliza 4 personagens principais cheiinhas de defeitos e picuinhices, mas a comédia lida melhor com estes personagens como fonte de riso. Agora, o drama televisivo, e ainda por cima hospitalar, a ser varrido por sarcasmo e ridicularização? Parecia blasfémia! Mas vingou, provando que o nosso gosto como espectadores mudou bastante. "House" tem também alguns dos one-liners mais inspirados pós-Woody Allen e em Gregory House/Hugh Laurie um das melhroes combinações personagem/actor da década, numa fusão estranha entre comédia e construção dramática que resulta estrondosamente. Sem "House", não haveria "Lie to me", "Mental" ou mesmo "Dexter".

"Lost" - Uma série que mistura uma ilha bizarra, viagens no tempo, ursos polares, ficção científica, foca 14 personagens e ainda por cima segue um esquema de serial, nunca por nunca poderia dar um produto de sucesso em televisão. Isto seria verdade, se não tivesse surgido "Lost" para subverter a lógica de que uma série de grandes audiências tem de ser obrigatoriamente simples, episódica e com episódios com história contida. A criação de Damon Lindeloff e J.J Abrams surgiu do nada, com a adrenalina dos melhores thrillers, a complexidade de um enigma bem esgalhado e um tratamento dramático de personagens que nunca é esquecido por todas as reviravoltas da história. Este equilíbrio entre o apelo da nerdland e aquilo que faz o gosto do espectador comum fez com que "Lost" tivesse uma média de 15 milhões de espectadores na primeira season e apesar de o número ter vindo sempre a decair, foi gerindo o culto com o arrojo de quem sabe estar a contar uma história e não cede perante ninguém. É preciso tomates para isto. Sem "Lost", não existiriam "Heroes", "Flashforward", ou a nova versão de "V".

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