Ronaldo jogou mal (e mostrou ser alguém intratável), a Espanha é claramente superior a nós, Simão quase não existiu e Ricardo Costa é um tumor. Posto estas razões para termos perdido o jogo de ontem, vamos à deliciosa história que compõe este post.
Um dos meus regozijos relativamente ao curso que tirei é o facto de, por mais futuro que tenhamos, o passado nunca foge e está condenado a repetir-se. Já ouvi piadas sobre a falta de importância das coisas mortas, mas na verdade, elas estão apenas adormecidas. Só esperam a altura certa para reaparecerem. Quando Carlos X da Suécia, com a Rússia à sua mercê, decidiu invadi-la no Inverno, num erro estratégico grosseiro, não esperava que Napoleão e Hitler fizessem o mesmo, nos séculos seguintes, com resultados igualmente catastróficos para os respectivos planos de conquista. Em ambos os casos, ficámos a ganhar. A isto chama-se "ironia histórica", e é um fenómeno que acontece com frequência, passando muitas vezes despercebido à generalidade do público. Ontem, na Cidade do Cabo, voltou a surgir em todo o seu auge, envolvendo um estratego que se julga Péricles, um condutor de homens brilhante e carismático como poucos: Carlos Queiroz.
Quando, ao minuto 58, com o jogo empatado a zero, o Professor retirou de campo Hugo Almeida para colocar Danny, dando assim espaço total a Piqué para subir no terreno e baralhar o nosso meio-campo, Queiroz espalhou-se ao comprido. Falamos de Queiroz, não admira. Mas imediatamente recordei um outro momento de puro queirosismo, em que uma pequena alteração de jogadores criou uma outra auto-estrada e virou um jogo do avesso, transformando-o numa hecatombe napoleónica. Penetro na bruma da memória e recupero a noite de 14 de Maio de 1994. No antigo Estádio de Alvalade, o clube da camisolas de lonas de praia e o Sport Lisboa e Benbfica confrontavam-se. Em jogo, estava o título. Moralizados, os viscondes tinham um estrádio cheio a puxar por si e defrontavam um Benfica que embora estando em segundo lugar, era claramente um outsider. O clube verdasco era claramente favorito. No entanto, uma primeira parte, com metade daquela que viria a ser a melhor exibição individual que já vi a um jogador, João Pinto carrega o Benfica às costas até uma vitória de 3-2. Queiroz era na altura o treinador do Sporting e já tinha feelings. Por isso, pressentiu que o segundo tempo seria de reviravolta e desencantou uma das ideias mais brilhantes da história.
Carlinhos tira um lateral esquerdo, Paulo Torres, para colocar Pacheco um extremo. Tal como no jogo de ontem contra a Espanha, o efeito prático foi colocar uma via aberta em campo, que o bíblico Isaías do Benfica aproveitou para marcar dois golinhos à lagartagem. Num dos seus passes de magia e saber táctico, Queiroz conseguiu que o melhor plantel do campeonato, jogando em casa e claramente favorito, sofresse a sua pior derrota contra o Benfica nas últimas décadas. Se isto não é de génio, não sei o que será. Queiroz pode pretender saber muito de navegação e dos Descobrimentos Portugueses, mas decerto queimou os restantes compêndios de história. Homens mesquinhos e arrogantes estão condenados não só a repetir os erros dos seus próprios pares, mas também os seus próprios erros. Da próxima vez, Carlos, mantém o bigode, que esse ao menos até te granjeava simpatia.
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