Já entrámos na semana que conduz aos prémios do careca dourado e embora o lema geral neste jogo (que não é outra coisa que não isso) seja "Ninguém sabe de nada", já se desconfia que "The king's speech" esteja a caminho da glória, naquele que, por muitos motivos estatísticos, poderá ser um ano incrivelmente atípico. Como é típico, este blog será o vosso guia nesta tempestade de previsões e filmes, na qual facilmente um espectador desatento se perde.
Para começar nesta semana, publicarei as reviews dos filmes nomeados para melhor filme. Relembro que dois deles ("Inception" e "The social network") já foram aqui analisados. Os interessados poderão procurar no blog or essas apreciações.
"Black swan"
Um filme sobre ballet não é coisa me atraia a atenção, por norma; mas um psico-drama interpretado por Natalie Portman e realizado por Darren Aronofsky é uma história completamente diferente. Aronofsky é habitualmente um cineasta visceral. Tirando "The fountain" (um objecto mais de esilo e graça), a sua filmografia é preenchida por filmes arrancados de umas quaisquer entranhas (negras, habitualmente). "Black swan" recupera esse lado retorcido de Aronofsky. Numa conversa, alguém comparava o cineasta norte-americano ao canadiano David Cronenberg, e apenas numa coisa tenho de concordar: ambos têm uma obsessão pelos limites do corpo e as suas mutações. Mas enfim, com este paleio, perdi 10 leitores potenciais.
A história gira em torno de Nina Sayers (Natalie Portman(, uma bailarina, controlada pela mãe, que tem como sonho tornar-se na prima-ballerina da Companhia de Bailado de Nova Iorque. O caminho para obter esse estatuto é conseguir o papel principal de uma nova produção de "O lago dos cisnes" que está a ser encenada por Thomas Leroy, um duro, pouco ortodoxo e intenso coréografo da companhia. Tudo isto coincide com a chegada de uma nova bailarina, Lily, que é tudo o que Nina não consegue ser: livre, desinibida e selvagem, o que a torna numa candidata ao papel duplo de Cisne Branco/Cisne Negro que encabeça o referido bailado.
A partir daqui, começam os jogos mentais, e fronteira entre o que é real e fictício esbate-se. Na verdade, qualquer um com tarimba de Lynch e afins estará mais ou menos preparado para o que se segue, mas centrar a avaliação deste filme na sua capacidade de surpreender é redutor perante o seu poder. No misto entre thriller de horror e ballett, o filme consegue nunca cair e juntar o melhor dos dois mundos. Por um lado, temos o pânico existente no rosto de Natalie Portman, seja pelo medo de não alcançar perfeição ou pela ideia de que possa estar a perder o juízo; pelo outro, o poder emotivo e a delicadeza da obra de Tcahikovsky dançada pela mesma Natalie Portman com absoluta intensidade e dedicação, e emoção suficiente para me seduzir a mim, que ligo tanto a bailado como aos actos de procriação dos varanos de Komodo. Por muito que me digam que o filme é o horror, não posso ddeixar de me sentir estranho, pois comigo efectuou um jogo de sedução até ao final. A história é forte, por vezes incomodativa na forma directa como nos coloca no turbilhão emocional de Nina, mas ao mesmo tempo, é impossível não querer ir atrás e assitir a um desastre prestes a acontecer. E quando acontece, e permite a Nina renascer em si mesma para a magnífica cena final, o impacto é imediato e profundo. Saímos da sala com uma sensação de levza que parece impossível vinda de uma obra tão pesada e forte. mas acontece. E essa coisa que não se consegue explicar, é, para mim, o melhor de "Black swan".
A segunda melhor é a melhor interpretação da carreira de Natalie Portman, sem a qual o filme não funcionaria. A actriz que habitualmente apelido de deusa tem de faezr das coisas de incrível dificuldade: ser uma bailarina credível e mergulhar num mundo de neurose e paranóia que não é facil de transmitir; e é absolutamente bem sucedida em ambos os objectivos. A câmara de Aranofsky assalta-a constantemente, de perto, nos momentos mais íntimos (uma cena de masturbação, em particular, ocorre-me) e Portman expõe-se uma maneira como nunca vi. É um trabalho físico notável, um mergulho no lado ngero (o trocadilho não é intencional) desprendido e absoluto. Se ela não ganhar o Oscar, alguma coisa estará errada. Vincent Cassel (um lobo, para recorrer a outra ópera russa) e Mila Kunis (a natureza desamarrada que Nina apenas consegue vislumbrar dentro de si no início do filme) são também destaques nas interpretações do filme. Darren Aronofsky conduz o filme como se espera: por um labirinto, habitualmente de espelhos, omnipresentes e a apontar a desfragmentação da personalidade de Nina. Usando a direcção de fotografia (excelente) de Matthew Libatique, Aronofsky nunca perde de vista o foco da história e não se deixa iludir por tramas paralelas, como a relação de Nina com a mãe, usando-as para realçar a tranformação do cisne branco em cisne negro, reflectindo o próprio bailado em que se inspira. Se há crítica que lhe podemos apontar, é a de se colar, por vezes em demasia, ao modelo que utilizou em "The wrestler", dando por vezes a ideia de estar a ir por caminhos já trilhados.
Mas fora isso, penso que Aronofsky consegue a proezade juntar as suas marcas pessoas e uma narrativa até convencional de uma maneira apelativa. "Black swan" é um filme forte, mas justificadamente. É convencionalmente não convencional, como quase todos o thrillers sobre personalidade, mas consegue juntar ballet e cinema num objecto que desperta paixões, positivas ou negativas; e Natalie Portman merece tudo o que lhe queiram dar.
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