Em 1970, o futurista (profissão interessante) Alvin Toffler escreveu um profético livro chamado "Future shock", onde descreve uma sociedade que, em virtude do excesso de informação e de mudança, está condenada a adoptar a transitoriedade e o descartável como regra geral, e perde assim uma sentimento de pertença e de posse que os seus antepassados tiveram por viverem num mundo que funcionava a uma velocidade bem mais modesta. Lembro-me de ter lido livro no meu 12º ano, algo que não estava totalmente preparado para fazer. Ainda assim, ficou-me na memória uma passagem sobre algo tão trivial quanto os pratos de papel, e maneira como, ao usá-los, parecemos acelerar o acto de comer, retirando-lhe o prazer. Toffler fazia crer com isso que o mundo estava a avançar para um estado de uso e abuso, em vez de se dar importância a momentos e objectos. Indirectamente, era a crítica a um lento e progressivo combate ao acto de memoriar.
Ora bem, peço perdão pelo parágrafo reminiscente da minha cadeira de Teoria da História. Vem esta referência a propósito de uma ideia, idiota como quase todas, que me cruzou a cabeça ao ver fotos antigas no meu quarto. Aquelas fotos foram tiradas há mais de vinte anos e mostram-me, em criança, com alguns membros da família. São imagens perfeitamente normais, mas comecei a pensar sobre a importância dada ao acto de tirar fotografia, quando as máquinas fotográficas não eram generalizadas e se utilizavam rolos com um limite de fotos. De cada vez que se carregava no botão, era bom que se tivesse a certeza do que se queria fazer. Cada retrato devia ser uma boa oportunidade para gastar uma foto.
Há uma imagem que me comove sempre que a vejo, e que mostra os meus avós maternos, que perdi na década que passou, a olharem para mim como se fosse o melhor presente de Natal que eles tiveram em muito tempo (lembro que ainda era criança, e quando somos crianças, parecemos automaticamente fofinhos). A foto está tirada precisamente no momento certo, em que o mundo parec parar e a mudança ainda não meteu quinta para um mundo de fotos digitais por dá cá aquela palha. Naquela foto, o mundo parou por momentos, e eu fiquei com um instantâneo que me lembra, anos depois, que a memória não é transitória e faz parte de nós. No momento em que a perdemos, também desaparece o nosso sentido de ser e a pessoa que somos.
E é só isto.
3 comentários:
E é fofinho. :)
é por estas e por outras que eu digo que gosto de curiosidades e não de gadgets. é simbólico, também. e tem que ver com o gosto de nos maravilhar e comover e de conhecer, de não desperdiçar e de não correr...tanto.
gostei da posta.
:)
E aqueles que, por obras valerosas,
se vão da lei da morte libertando.
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