sábado, junho 23, 2012
Ronaldo é a melhor coisa que aconteceu ao mundo desde a criação do mesmo
Vive-se por estes dias em Portugal uma guerra civil, que vai passando despercebida, mas que reflecte, mais do que qualquer grupo ou evento, a nação em que nos tornámos. Falo do confronto quase fratricida em redor da selecção nacional e do seu profeta, um burgesso extremamente talentoso com uma bola nos pés cujo nome é Cristiano Ronaldo. Esgrimem-se opinião contrárias, e quem as dá, não pode voltar atrás. O indivíduo que ouse criticar esse grupo de bravos, excelsos e perfeitos protótipos da perfeição será apedrejado na praça pública das palavras com a mesma força com que Bruno Alves varre as pernas dos adversários. Ou estás connosco, ou contra nós; e se estás contra nós, não podes gostar do teu país, nem orgulhares-te dele. Dizer que Ronaldo desperdiça golos fáceis é um crime; chamares a atenção para as desatenções habituais de João Pereira é mais infame do que o Holocausto; e no fim de contas, o Varela, mesmo sem jogar um rabicho nas partidas onde entrou, marcou um golo de sorte que te deve calar a boca e proibir-te de dizer o que seja dessa malta.
Ora, não é isto uma estupidez? Claro que é; mas é uma estupidez que pedimos e a que não podemos fugir! Afinal, quem é que aceitou este paradigma de ligar os humores e feitos de jogadores de futebol à alma de um país? Fomos nós, ajudados por campanhas publicitárias gigantes e a habitual dedicação da classe política em forjar uma ligação com o povo através do desporto, já que não consegue fazê-lo pela competência das suas decisões. Lentamente, caminhámos durante anos até chegar aqui, desde que o Benfica começou a ter sucesso internacional no tempo do senhor grisalho e moralista. Os feitos de atletas são celebrados ad nauseam pela máquina mediática, de uma forma que não se vê noutras áreas, salvo raras excepções.
Quis-me alguém convencer que não é muito diferente do que acontecia há muitos séculos, quando o país rejubilava com façanhas guerreiras, e batalhas épicas. Por muito que o argumento seja falacioso, não é real, e nunca se poderia chegar ao nível do que se vive agora. Custa-me imaginar Afonso Henriques, saído de zurzir violentamente alguns muçulmanos, ameaçando de porrada um alferes só porque este tinha dito que Gualdim Pais era um mete nojo. Provavelmente, o próprio Gualdim Pais tê-lo-ia feito. Mas se formos aler as crónicas da altura, Gualdim Pais era um Chuck Norris, e quem o insultasse... Bem, estava por verdadeira conta e risco. O que interessa é que já fomos portugueses diferentes na forma como convivemos com as críticas dos outros e a sua diferença. O referido Henriques, afinal, permitiu a coabitação entre cristão, muçulmanos e judeus nas suas cidades, dando direitos a todos (e mais deveres a alguns) e compreendendo assim que isto de sermos uma carneirada não beneficia ninguém. Reconhecendo que os judeus tinham o dinheiro e os muçulmanos um assombroso conhecimento tecnológico, criou as bases para um desenvolvimento, embora lento, de um país recém-criado. Algo que outros reis posteriores viriam a desprezar, para mal dos pecados lusos.
É assim tão necessário ligar a qualidade do nosso país à prestação de 23 atletas? Para um povo que presta atenção a poucas coisas extra futebol, talvez. Os golos de Ronaldo são o banho tónico de ego que alguns precisam, e malhar em pessoas que criticam esses emigrados na Polónia e na Ucrânia talvez seja a única oportunidade que alguns sentem de se sentirem superiores a alguém no seus dia a dia, e pôr em prática um dos desportos preferidos dos portugueses: o "fazer ver", também conhecido como o "eu bem te disse!". Se for este o motivo, estes novos hipsters da bola têm a minha simpatia. Mesmo que há um mês e picos, quando saíram convocatórias, tivessem criticado as mesmas lontras que louvam agora. Não considero nada, nem ninguém acima de qualquer crítica; e espanta-me como num país de classe política tão medíocre (e são eles, que nos representam ao máximo naquilo que interessa no exterior), a maior preocupação seja com uns tipos de que dão o couro pelo país, admita-se isso, mas só durante um mês; depois, voltam aos seus clubes para continuarem a ganhar balúrdios e continuar na crista da onda.
Critiquei e critico o que achar válido nesta selecção, e isso não faz de mim mau português. Um verdadeiro patriota questiona, não louca cegamente. Interroga-se e pensa, não se insere num rebanho. Tenho pena que isso sejam defeitos e não qualidades, neste nosso Portugal. E para mais, isto não é uma questão de vida ou de morte, ou um crime de lesa pátria: é futebol. Apenas e só.
E penso que só Jorge Valdano e Luís Freitas Lobo conseguem ver no futebol mais do que ele realmente é.
domingo, junho 17, 2012
Montejunto, 1982
É uma lotaria; principalmente quando a última coisa que esperaria me dá a possibilidade de um emprego.
É um fenómeno.
O olfacto da visão
Há qualquer coisa que me seduz em páginas velhas. Estou a falar de um tipo de papel, que hoje não se usa, a fazer lembrar mais a passagem do tempo do que a branquidão dos espaços nebulosos. Tem um cheiro particular, ao contrário da matéria-prima actual, onde as letras parecem mais inscritas do que impressas. A própria leitura possui um gosto místico, como se absorver fosse uma palavra mais apropriada do que ler quando pegamos em tais tomos.
E o melhor é que não perdem o cheiro; nem sequer o prazer do toque. É pequeno, mas se fosse grande, se calhar não era tão meu.
E o melhor é que não perdem o cheiro; nem sequer o prazer do toque. É pequeno, mas se fosse grande, se calhar não era tão meu.
quinta-feira, junho 07, 2012
Grass roots movement
Já por várias vezes esparralhei nesta parede opiniões acerca da obsessão salazarista que nos percorre, como nação e população. A cada medida política que nos desagrada, brandimos memórias desses tempos e apodamos figuras e situações como perfeitamente naturais num período de Estado Novo permanente onde o 25 de Abril foi apenas um soluço. Penso que, de facto, uma passagem de 50 anos não será suficiente para acalmar este medo, ou arma demagógica, conforme o seu foco de contágio. Penso que o Estado Novo ainda se mantém ainda hoje, não o nego, mas de maneiras muito mais subtis, seja no aparelho económico, ou numa atitude esclerosada de maioria moral que nos afecta mais do que pensamos.
No entanto, ao desenrolar-se um dos mais graves incidentes do Portugal democrático, parece impossível não regressar a esses tempos, como inspiração. A história básica e oficial do "caso Relvas" é já conhecida de todos, e vários opinadores com uma superior capacidade de análise que eu não tenho foram divulgando o seu ponto de vista sobre o assunto, muitas vezes até ao ponto de exaustão. Tenho acompanhado a carreira de Miguel Relvas ao de leve, desde os tempos do Barrosismo, e sempre tive a ideia, penso que correcta, de ser um sabujo sem espinha, que sobrevive no mundo político. Graças à sua amizade de muitos anos com o actual Primeiro-Ministro, ocupa agora um dos cargos principais do aparelho de Estado, e de semana em semana, diz asneiras e contradiz-se. É isto, afinal, o ganha-pão de muitos políticos. Faz parte do seu métier. É por isso que cada vez mais os políticos são não o farol dos nossos problemas, mas sim o palhaço que nos entretém e distrai.
Por isso, o que me preocupa em todo este caso, e a sua verdadeira gravidade, não está no facto de poder ter existido uma promiscuidade e conluio entre indivíduos para favorecimento mútuo. É grave, sim; mas não é novidade; e ao contrário de países como Espanha ou Islândia, ou mesmo Itália, o lusitano povo vem apenas para a rua juntar-se e berrar um pouco. A situação não mudará assim. Onde a canalhice de tudo isto assume proporções épicas é na utilização de um sistema de serviços secretos como perdigueiro pessoal. Novamente, não é caso único numa democracia. No cliché mais democrático do mundo, os EUA, J. Edgar Hoover fez isto durante quase 40 anos; a isto mesmo se dedicaram algumas outras democracias ocidentais no período de Guerra Fria. à medida que a desclassificação de documentos secretos é uma realidade, descobrem-se podres que certamente fariam envergonhar gente moralmente elevada; mas a Guerra Fria é uma espécie de área cinzenta no Ocidente, e varre-se para debaixo do tapete. No entanto, ao explodir em pleno século XXI, num mundo aparentememte pacificado, este escândalo rebenta, e as suas implicações vão muito para além de quem jantou com quem, e quem foi investigado.
Em primeiro, até que ponto são permeáveis os nossos serviços de segurança? Se um simples telefonema de um antigo espião é o que basta para serem accionados mecanismos que deviam servir, puramente, a segurança nacional, como podemos confiar nesta salvaguarda tão importante quando a maior parte dos combates de hoje são contra forças clandestinas organizadas? Em segundo, que tipo de influência junto da nossa segurança podem ter indivíduos que não lhe pertenceram? Levam informações quando se instalam nos seus novos e lucrativos empregos? Usam-na para obter vantagens nos seus negócios? Sendo assim, teremos nós, portugueses, privacidade real? Em terceiro, espanta-me a facilidade com quem um membro do Governo, assim de repente, obtém informações sensíveis com o objectivo de condicionar um dos pilares de uma democracia, por muito doente que esteja nos dias de hoje; e também me espanta a cara de pau desse mesmo indivíduo, que contorce uma narrativa para se adaptar a novos acontecimentos descobertos, e lhe é permitido que continue a exercer um cargo que lhe dá poder de decisão sobre algumas das questões que mais dividem o país, como seja a extinção de freguesias. Os limites de confiança que nós temos nos aparelhos governativos forma esticados ao ponto da não existência, e ainda assim, essa linha que já não existe retesa-se, invisível
John Locke é um filósofo político que aprecio bastante. Sei que não está na moda ler filosofia política. É muito mais giro retirar as nossas posições políticas de comediantes e comentadores de sound-bites; no entanto, por muito que eu adore Jon Stewart, Stephen Colbert e, no caso nacional, Ricardo de Araújo Pereira, sei que os fundamentos daquilo que é a teoria do poder de estado vem de obras que radicam em ideias do século XVIII, como as elaboradas por Locke. Nos seus dois Treatises of Government, Locke expõe basicamente tudo aquilo que é contemporâneo, numa altura em que ainda chamaríamos de moderno. A constituição portuguesa é um índice daquilo que o filósofo inglês escreve, e que homens como Silva Carvalho e Miguel Relvas deviam temer. O princípio mais básico é, claro, o do contrato social, que muito sumariamente explica que a única razão pela qual um Governo tem poder se deve ao contrato estabelecido com as massas de que este só estará bem entregue nas mãos de homens capazes, que governam em função da felicidade e bem-estar dos demais. Defendendo que todos temos direito a Vida, Saúde, Liberdade e Posses, Locke seria um crítico deste estado de coisas se por acaso não tem nascido há 200 e tal anos; e no seu Segundo Tratado, deixa ainda claro, com uma lógica implacável, que quando o poder em questão não cumpre o contrato social, a população tem o direito de pegar em armas e deitá-lo abaixo. Também isso existe na constituição portuguesa.
sexta-feira, junho 01, 2012
Grass roots movement: prólogo
Um dos maiores escândalos do Portugal democrático tem-se desenrolado em frente aos nossos olhos, e a única coisa que os Media nacionais têm feito é montar um circo, a ver quem se arroga em maior palhaço. Amanhã, dsenvolvimentos.
Subscrever:
Mensagens (Atom)