quarta-feira, julho 11, 2012

S(O)NS



No dia em que os nossos médicos vão receber um tratamento hagiográfico por parte da imprensa, permitam-me que deixe uma pequena história que se passou comigo este ano.

No início de Outubro, magoei o meu pé. Duas semanas depois, consultei um médico privado, que trabalhava num hospital público, e me reencaminhou para si mesmo. Passou-me uma ecografia para fazer no hospital três meses depois. Eu, convencido de que tinha feito um ligeiro entorse, não me importei.
Em Janeiro, lá estava no hospital e sem ter de esperar eternidades, fui atendido. A médica entrou, acompanhada de uma estagiária, que tirava notas e bebia da sabedoria da sua colega mais velha. Deitei-me na marquesa, e depois de me dizer um olá muito rápido e me perguntar zero acerca do meu problema, continuou a falar do médico X, que estava a faezr não sei o quê e era mau.
A ecografia decorreu como uma mini-aula, sendo o meu pé o acetato. A médica mais velha explicou 1001 maneiras de se desenvencilhar nos ligamentos e ossos do pé e depois deixou a petiz experimentar a diversão. Findada esta, desligou a máquina e comentou com a jovem uns sapatos lindíssimos que vira no dia anterior numa loja no Fórum
E mandou-me embora.
Dentro daquilo que pensei serem os meus direitos, perguntei se havia algum problema no meu pé.
Despreocupadamente, a senhora informou-me que tinha feito uma ruptura de ligamentos. Com o mesmo ar com que falara daqueles sapatos magníficos. Concluiu que quando voltasse ao hospital, me solucionariam o problema. Fisioterapia e assim. Um bom dia e passe bem.
Estou em Julho, e a ecografia que esta senhor fez não estava no sistema informático do hospital, e como o meu médico não pôde consultá-la, marcou-me nova consulta, para a semana. Uma consulta pela qual terei de pagar mais sete euros e meio. Melhor, teria, porque vou prescindir dela. Depois de mais de meio ano, o pé já nem me dói, e parece-me que não há muito que possam fazer por eles agora.
Da próxima vez que um médico se quiser fazer de anjo branco dos portugueses, uma paulada é pouco.

Porque esta pequenina história que contei também é o Serviço Nacional de Saúde.

3 comentários:

Post-It disse...

Há bons e maus profissionais em todas as profissões. Ainda há alguns médicos privilegiados, mas os da tua idade ou da minha já não o são - podes acreditar, sei do que falo.
O que está em causa nesta greve:
As recentes medidas emanadas do ministério da saúde que propõem fecho de serviços, concentração de urgências, diminuição das acessibilidades ao SNS e destruição das carreiras médicas, passando o SNS a contratar médicos a recibos verdes, através de empresas de trabalho temporário. Estas medidas corporizam, de forma clara e directa, sem rodeias e sem meias medidas, o fim do SNS a muito curto prazo.
Mais, só para que saibas: ordenado de um médico especialista em início de carreira no SNS é, em média de 1850 euros brutos, o que dá um salário real de cerca de 1300 euros. E ao longo da carreira não aumenta muito mais, um Assistente Hospitalar Graduado, que é uma categoria de topo, aufere 2240 euros brutos, o que dá uma salário real a rondar os 1600 euros. A grande maioria dos médicos exerce no SNS, sendo essa a sua actividade principal. Existem algumas especialidades, de carácter cirúrgico, onde a atividade extra no sector privado rende salários claramente acima destes valores – mas estes médicos são a excepção e não a maioria. Em paralelo, os consultórios privados estão a fechar massivamente com a abertura das grandes unidades privadas e estes hospitais privados requerem médicos a tempo inteiro (o que implica que estes deixem o SNS), onde os ordenados são muito semelhantes aos do SNS.
Podes ter muita razão com a tua história, mas a justiça exige conhecermos todos as perspectivas das situações...

luminary disse...

Eu não só tenho razão na minha história, Paula, como nem é a pior que tenho para contar sobre médicos. Há maus profissionais em todas as profissões, é certo; mas parece-me que isto de lutar pelo SNS é um argumento usado só para a populaça.. A verdadeira razão do chinfrim toda é a descida dos extras nas horas extraordinárias, e essa é que é essa. Se os médicos gostassem assim tanto do SNS e se importassem tanto com ele, faziam o seu trabalho como deve ser... Coisas que não vejo assim tantas vezes quando sou atendido. Se não há assim uma epidemia de falta de vontade na classe médica, devo ter muito azar nos médicos que apanho. Não nego que haja coisas a serem corrigidas. Agora, não vou concordar com esta espécie de hagiografia da profissão com que temos levado esta semana.

Post-It disse...

Lamento que tenhas tido pouca sorte, e se sempre for para a frente o fim do "ano comum", do internato médico, (um ano de formação que precede a especialidade e que assegura uma formação mais diversificada em Medicina), então, é que passamos a ter - claramente - médicos de 1ª e médicos de 2ª...