A terceira faixa do novo "In a time lapse" de Ludovico, o Einaudi, leva o nome de "Life", mas assina-se como bem mais do que uma palavra. Arranca-me pela raiz desde os primeiros acordes e as suas notas carregam por mim acima como uma manada de elefantes que decidiu não deixar em pé qualquer embondeiro da savana. Tudo em quatro minutos e vinte e três, concentrados no portento que é querer chorar e não saber. Mesmo com o meu MP3 num cemitério onde já erigi demasiadas lápides em louvor da minha falta de jeito, a cavalgada musical não me saía da cabeça encostada no lugar do Expresso, cabeça essa que por acaso me pertence, a caminho de Braga. Porquê? Porque quando viajo, é normalmente isso que sinto. Não vivo de um síndrome de permanente insatisfação com o lugar em que me encontro; mas penso que a rotina pesada é inimiga do conhecimento, e mesmo dar saltos no escuro, e no longe, não corresponda à minha natureza, cumprimento-me de cada vez que saio do casulo e bato as asas um pouco mais longe. O ar é um dos meus melhores conselheiros quando diferente; e é sempre diferente, nas cambiantes da luz e da satisfação. Quando o acto necessário de respirar nos enche as medidas, algo de estranho, e bom se passa.
Descubro em Braga que as amizades nunca são o que parecem. Não são construções de tempo lineares, e aplicam-se-lhes as mesmas regras da teoria da Relatividade de Einstein: é possível voltar atrás e colocar o presente no passado para descobrir alguns trilhos em direcção ao futuro. É tão simples aquilo que a simpatia pode fazer crescer em alguém, e o quanto é preciso vermo-nos de fora através de desconhecidos para percebermos que raio de ferrugem encrava os mecanismos com que tentamos construir a simples e bela deriva de conhecer pessoas e esperar se feliz assim. Talvez seja uma ilusão pensá-lo, e sei que quando fujo a mim mesmo, ao meu instinto, e me iludo, a coisa nunca corre bem. Mas de vez em quando, é necessário arriscar um estalo sonante para perceber quando confiar em nós e evitar levar outro. Aprendi-o há uns meses, reforcei-o agora. No geral, o género humano é confuso, metido em si e amedrontado, para além de levar muitas vezes longe de mais o acto de não emitir emoções e sentimentos (sei bem, pertenço-lhe). Mas no particular, há casos onde a única dor que podemos arrancar é a de sentar e esperar que passe, em vez de calcar com os pés um chão onde não há areias movediças, apenas a solidez com que construímos alguma certeza, pouca que seja, para correr ao nosso lado. Ou subir escadas até ao Bom Jesus.
Tudo num lapso de tempo. É o que temos, é que se passeia, é que nos pousa sobre a cabeça e faz pesar os momentos; e também o que torna as viagens de Expresso a parte decididamente menos transcendente de uma viagem. Einaudi devia ter também uma composição sobre isso.