As
gotas de chuva são ponteiros do meu tempo. Cada uma delas um segundo
mais que penso em ti, do lado de fora da janela. Na distância atrás
da linha das casas, há muito espaço, mas sei que, na tua cadeira,
és coberta por um véu de morrinha quando as nuvens te negam um
sorriso. Imagino cada gotacomo um pouco de ti, e que esta
pequenina morte que me enterra às vezes pode ser evitada por um
analgésico visual, ou simplesmente fantasminhas brincalhões da
minha cabeça, formados pela gotas de chuva que te trazem. Tic tac,
splish, splosh, e a tua face reflectida na penumbra dos dias,
contornando tudo o mais que torna as sextas em longas segundas. A
chuva hoje é o meu caminho até ti: por entre a água que cai, a
minha mão passa seca e encontra a tua, sem hora marcada, mas com
tempo infinito. Não é feliz, não é triste, mas é o que mereces e
o que quero dar. Oferecer-te, em cinco dedos, muitos mais do que
números e dígitos digitais. Quero oferecer o meu coração para que
haja espaço suficiente para esse negrume se espalhar e poder assim
diluir-se e desaparecer mais rápido. Quero ser um segundo tu, quero
ser mais espaço para que te sintas bem, te sintas em casa, para que
atravesses esta chuvada impermeável e entres no sábado como quem
chega e se senta a uma lareira, aconchegada, quente, protegida. Num
sofá que é o teu mundo, numa manta que são os teus livros, a
música e tudo o mais que te habita.
E
depois, a minha mão pode voltar a mim e nada importa mais, desde que
te saiba bem. A tua felicidade é um farol para o mundo em redor, e
não quero que se apague. Tudo o mais é água que escorre, na
verdade, e que a terra faz sua. Tu acima de tudo, e o céu é apenas
uma comichão de miragem.
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