Apanhamos dois táxis para o Sulmain Too. É uma espécie de nave espacial que se estatelou num monte à saída de Osh e alguém do grupo acredita piamente que tal é mesmo um objecto fora deste mundo. Na base do monte, vejo a mesquita muçulmana e recordo o que li sobre este ser um local sagrado do Islão. A história é que o venerando e venerado Maomé descansou por aqui uns dias e achou, na sua finita paciência, tempo para regar umas rosas. Rosas do Islão, afinal os trvadores provençais chegaram bem mais longe do que pensava. É impossível não me sentir estranho ao largo deste monstro de betão, soviético até aos alicerces mas cuja envolvência rochosa cria em mim uma dissociação estranha. Mas o local não é uma instalação artística de Giger, é mesmo um museu. Quando entramos, entendo o snetimento de um ocidental por aqui: uma placa anunciando bilhetes a 25 com muda de imediato para 150 apenas e só com a nossa aparição; e lembrem-se que Portugal não deixou aqui herança. Não julguem. No interior, interessantes apontamentos sobre o zoroastrismo e a vida selvagem pré-histórica misturam-se com a celebração de uns importantes petróglifos numa verdadeira salada russa de História e Paleontologia. O ponto principal de atracção é uma enorme janela que dá para a cidade, com formato de antena parabólica. Projecta no interior do Sulmain Too a aura alienígena que esperamos de um bólide espacial e a decoração, usando desenhos estilizados dos famosos petróglifos, não diminui a sensação, pelo contrário. No exterior, a varanda permite uma vista onde Osh se apresenta como urbe de verdade, extensa, larga, barulhenta e confusa, e ao longe, fictícia, traçada apenas nos mapas, a fronteira com o Uzbequistão imagina-se e estamos a tão poucos quilómetros que se consegue sentir a Rota da Seda em movimento.
No regresso ao centro da cidade, instala-se um desafio masculino: em redor do Sulaiman erguem-se vários pequenos montes e nas nossas cabecinhas, desenham-se já brutais fotos a ser tiradas. Uma breve conversa leva 4 bravos a meter pés à ladeia de terra, em busca de aventura. Cada um escolhe o seu caminho, mas as macacadas estão garantidas e serpenteando por rocha e cascalhinho, os nossos pés encontram na ponta de um rochedo um motivo para que o corpo pague a viagem. Num acaso não planeado, a nossa chegada combina com a de um trio de americanas com quem nos cruzámos no museu. São três irmãs, a Marguerite, a Caroline e a Bonibelle e provam que alguns estereótipos de comédia romântica sobrevivem e estão bem de saúde: a primeira é nem é gira nem é feia, antes pelo contrário; a segunda dá a ideia de poder despoletar uma segunda guerra de Tróia; e a terceira, a mais nova, é gordinha, girinha e outros -inhas e -inhos variados. Se lá atrás ficara pouco impressionado pelo facto de 3 garotas de Seattle desconhecerem a existência dos Rage against the Machine, Marguerite salva a honra do convento quando revela que não está na Ásia Central de férias: pertence ao Peace Corps e é médica, trabalhando como voluntária em aldeias. As suas duas irmãs mostram-se envolvidas politicamente, Caroline até faz parte dos vários voluntários que trabalham para Hillary Clinton e quando o nome Trump é falado, entre risadas, apercebemo-nos de várias Américas. O trio é do estado de Washington, tipicamente democrata, e falam do mundo como se fosse algo familiar, destroçando alguns estereótipos sobre a insularidade norte-americana.
Quando nos despedimos, a coincidência surge e sabemos que estaremos no mesmo local no dia seguinte. Talvez nos encontremos, e eu penso que sim, um mundo tão grande e tão vasto e dois continentes encontram-se no cimo de um rochedo em Osh, apenas e só por maluquices e desafios. Numa outra altura, a Rota da Seda era uma auto-estrada do mundo, e ainda hoje, esses mesmos percursos históricos continuam a unir um planeta que das diferenças não consegue fazer unidade; excepto as tres irmãs Leeds e quatro portuguesinhos: o cansaço é universal, a coincidência é cola e quando decidimos todos descer, os trambolhões são um abraço neste ponto de encontro.
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