quarta-feira, novembro 23, 2016
Um rastilho
Algo estranho se estabelece quando a tua figura sentada decide ficar a menos de meio metro de mim que, sentado também, estou mais aninhado do que outra coisa. Torna-se dificil comandar aos olhos que se orientem quando te estabeleces como terceiro pólo do planeta. As linhas do teu corpo são mais tortas do que direitos, no sentido em que me perco por atalhos se não agarro com força as minhas divagações. É às vezes um movimento do cabelo, noutras até um pequeno gesto com a mão, a estática do teu olhar ou simplesmente a cor que enche a sala quando te ris, pode mesmo dançar-se no acaso de um toque ou na palavra que dita com um sentido pode tão bem ter outro se me der à fantasia, entretenho-me mesmo com o modo tímido com quem o teu peito se preenche no teu vestido, com uma imaginação própria, autónoma, um trejeito casual de sedução, arrastando menos o meu olhar e mais a minha própria respiração num ritmo análogo e semelhante.
Pode ser tudo isto o que me transforma em mais do que um, nem sei se chega a dois, mas mais do que um de certeza: aquele que é e aquele que quase é, que quase revive se as tuas mãos alinhavassem a minha cara com um novelo de ballet de pontas, pontinhas sedosas de carícia, pequeninas margaridas que despontam vapor de Zéfiro dos meus poros, do pequeno lençol de células que me cobre e no qual te puxo na minha imaginação para que te enroles. Se a tua face descobrisse no meu ombro uma razão para se auto-justificar em esplendor, se o teu limite fictício em forma de mulher se aproximasse menos de meio metro e mais do que te permites, se reencontrasse na minha própria forma menos ficções e menos limites, se as tuas palavras enganchassem os meus ouvidos para atracar cá dentro, no pavilhão dos impulsos, se fossem convite de suspiros numa pequena torrente de saliva, se a minha língua fosse um barco, se a tua fosse uma onda e se as nossas bocas fossem tudo menos o Oceano Pacífico.
Mas estás sentada a menos de meio metro de mim; e embora esteja aninhado, na minha cabeça sou um gigante desperto. A maior pena que cumpro é a realidade do mundo.
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