sábado, abril 26, 2008
Um dia de idiotas
Chega o 25 de Abril e a blogosfera portuguesa, nomeadamente a esquerdista, congratula-se, rejubila e parece regressar ao Largo do Carmo, mesmo não tendo lá estado em 1974. Permitam-me que se lhes junte, tirando a parte do Largo do Carmo (o comboio para Lisboa está caríssimo) e celebre esta data à minha maneira.
Quando me sento a ver televisão e vejo as reportagens alusivas às comemorações deste dia de liberdade, chego à conclusão isto é afinal um dia de idiotas. Antes de se atirarem pidescamente à minha pessoa, tenham a bondade de me ouvir e de não queimar beatas nos meus braços.
De um lado, temos os que levam a sério esta data. Neste grupo, estão os comunistas, os capitães de Abril (e já agora, alguém sabe, em concreto, quem são os capitães de Abril, ou qualquer um que fosse capitão no dia 25 de Abril pode auto-intitular-se como tal? Dentro do exércio português, quem manda mais: um general ou um capitão de Abril?), figuras públicas que estão porque sim e gente altamente chateada com o governo. Há palavras de ordem, canta-se "Grândola, vila morena" e ouve-se "Fascismo nunca mais", enquanto se seguram umas faixas a protestar contra o actual governo. Um miúdo, que não tem mais de oito anos, grita contra fascistas, e não percebe o que está a dizer. Depreende-se o o governo actual é que é fascista. A certa altura, não sei o que é aquilo: se uma celebração do 25 de Abril, ou uma manifestação política de gente que ainda não sabe que aconteceu a 25 de Abril. Jerónimo de Sousa, intelectual e eloquente como sempre, revolta-se contra o facto de o 25 de Abril ser apenas alvo de um parágrafo nos livros da escola. Para além de estar a mentir (ele pode ser um saudosista de Abril, mas, convenhamos, é político, e a tradição é mais forte que a liberdade), esquece-se que a Restauração da Independência, evento histórico tão ou mais importante que este, sofre um tratamento semelhante. Como cidadão, quero revolta igual por isso. A não ser, claro, que o PCP tenha o monopólio exlusivo do 25 de Abril e não possa tratar da defesa da restante história. Mas esta ideia é parva. Qualquer dia, ouvíamos Jerónimo de Sousa a insurgir-se contra a utilização de "Grândola vila morena" por gente de direita. Que estúpido momento esse seria!
Claro que se este governo fosse fascista, esta manifestação nem teria ocorrido antes de mais. Ou sido sequer transmitida pela televisão. Por 3 estações diferentes. Mas podemos continuar a usar este adjectivo até ele perder a importância. Ou pelo menos, até os 10% que ainda sabem o que ele siginifica realmente se esquecerem disso.
Do outro lado, a malta que aproveita o feriado para ir à praia. Com o calor que estava, até eu ia. E depois de estar na praia, inquiridos sobre o que aconteceu no dia 25 de Abril, mostram uma ignorância cataclísmica. Inclusivé uma mulher com os seus 50 anos, que, a não ser que estivesse num coma ou em sono criogénico, viveu os momentos da revolução, e não sabia o que se comemorava. Pessoas da minha idade, e um bocadinho mais novas, atiravam barro à parede a ver se pegava. fim da 1ª Guerra Mundial, Independência relativamente a Salazar (o 4º país da Península Ibérica, talvez?)... Um fartote. E eu sem saber se ria, ou se fique revoltado...
Entre as duas facções, esta é uma data que, temo, vai passar a ser uma como tantas outras. Na fuga em direcção ao futuro, em que os últimos governos têm insistido, passado parece não ter lugar. Um país sem passado é um país sem memória; e um país sem memória é um pedaço de terra com gente a morar lá. Que nem sequer se lembra porque pode estar a ler isto, vindo de alguém que não tem uma pistola apontada à cabeça simplesmente porque quer transmitir uma ideia. Esta ideia. Estes insultos; e pode estar certa que vai deitar-se na sua cama para acordar amanhã de manhã e ir à sua vidinha. Tristemente, não sabemos o valor certo da liberdade. Nem os que sabem que a temos, nem os que não fazem ideia que há uma palavra que designa o estado de direito em que vivem.
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2 comentários:
o problema é que o significado do 25 de abril esvanece-se com o tempo (como é natural) pois o contexto histórico muda. e daí se compreenda o regressivo conhecimento... com a queda dos regimes totalitários na "ocidentalidade", uma "revolução de esquerda" que pôs fora um "governo de direita" pode parecer um tanto-ó-quanto alien.
não que isso seja bom. a liberdade não deve ser um facto assumido. mas entende-se porque é que é. e ainda é pior quando se abusa da dita palavra ("vai para mais de 50 anos que não ouvia pronunciar essa palavra, mas agora é mais comum que o peixe salgado" et al). com a banalização de tudo, corremos o risco de chegarmos a uma situação em que gritemos lobo e aí já ninguém acode.
sobre a ignorância generalizada. falemos a sério. alguém se espanta?
Gostei da reflexão e, particularmente, do ùltimo parágrafo.
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