terça-feira, setembro 23, 2008

TV watch


Semana e tal de ausência e o homem regressa com quê? Com séries, pois claro. No entanto, perante os resultados dos Emmys de ontem, a pertinência é muita.

"MAD MEN"

Aquela que os Emmy consideraram como a melhor série de 2008 é isso mesmo: a melhor série deste ano. Desenrolando-se na passagem da década de 50 para a de 60, ou seja, no percurso que iria acabar com a liberalização dos costumes, a luta pelos direitos civis e a emancipação da mulher, "Mad men" faz da sua temporalização um aspecto importante da trama. Isto significa, claro, que para se gostar deste série, é também preciso gostar de pensar naquilo que se está a ver. O centro da acção é uma agência de publicidade em Nova Iorque, um antro masculino por excelência, onde o fumo dos cigarros, o tilintar do gelo e os fatos impecáveis se misturam com o flirt declarado e a piada sexista, nos tempos em que a expressão assédio sexual ainda estava algures enterrada num buraco. Não há ilusões: os homens são senhores do seu mundo, e os executivos de publicidade, os chamados Mad men, são o perfeito protótipo disse.
Nesta agência em específico, a Sterling and Cooper, o exemplo acabado deste modelo de homem é Don Draper: o macho alpha do escritório, tem uma mulher uns dez anos mais nova, linda de morrer, dois filhos que parecem saídos de um poster americano, é o publicitário mais respeitado da empresa e tem vitalidade suficiente para ter um séquito de amantes. Na Sterling Cooper, temos também Peggy Olson, secretária de Don e claramente uma mulher com mais miolos do que muitos homens; Pete Campbell, fuinha que vê em Draper um herói; Roger Sterling, um dos donos da empresa e o buddy por excelência de Draper; Joan Holloway, abelha mestra da colmeia das secretárias; e mais laguns publicitários e artistas que compõem a equipa do nosso macho alpha. Claro que como qualquer boa série, há sempre um outro problema; e nesta, a questão é que o impecável, cool e fleumático Don Draper pode não ser exactamente Don Draper...
O criador da série, Matthe Weiner, fazia parte da equipa criativa que fazia mover "The sopranos" e isso nota-se: "Mad men" é, provavelmente, a série onde se passam mais coisas nas entrelinhas, onde uma frase com sete palavras pode muito bem condensar meia página de coisas que não são ditas em voz alta. É um desafio constante desfrutar plenamente da série, pois exige atenção e cuidado com pormenores. Por exemplo, há uma personagem que é gay, e isto percebe-se muito bem antes de ser mostrado, praticamente desde o primeiro episódio. A combinação entre uma escrita detalhada e um conjunto de actores esplêndido faz com que "Mad men" seja um portento de subtileza. É também a série indicada para feministas não-fanáticas, que acima de tudo percebam que estão a ver o embrião das lutas que travaram a partir daí: a série é também sobre a relação entre homens e mulheres, sobre os papéis que ambos os sexos desempenhavam na sociedade da altura e sobre a altura em que as mulheres acordam para a vida. Algumas, pelo menos.
Mas acima de tudo, tudo gira em redor de Don Draper, numa fantástica interpretação de Jon Hamm, um actor que não conhecia de lado algum e que no seu estilo, que pode ser definido como um George Clooney taciturno, projecta a mistura de carisma e ao mesmo tempo de vazio que Draper tem. É difícil definir Draper, mesmo com série e meia já vista, e isso é um triunfo de Ham, que consegue "não representar" que o comum actor desesperaria à procura de um subtexto para mostrar que está actuar alguma coisa. Encontrar o vazio de Draper e a sua vontade de sentir alguma coisa é o triunfo pessoal de Hamm, muito justamente nomeado para os Emmy deste ano, tendo perdido para Bryan Cranston, outro espantoso actor de "Breaking bad", série de que falarei proximamente. No elenco de "Mad Men", destaque para Elisabeth Moss e Christina Hendricks, como Peggy e Joan, duas mulheres de craveira superior, mas diferentes em ambições pessoas, John Slattery, o rei do engate de meia idade Roger Sterling, uma raposa grisalha que sabe bem os terrenos que pisa e como ler pessoas e January Jones como a esposa de Draper, a prova de como as bimbas louras são na verdade um disfarce forçado de tempos em que a mulher bomba era tudo o que se queria.
"Mad men" recomenda-se vivamente para quem gosta de complexidade naquilo que vê. Exige paciência, exige respeito, exige dedicação. Mas é uma enorme recompensa para quem gosta de coisas boas. Para quem gosta de ser surpreendido com pequenos pormenores e acima de tudo, para quem gosta de ler pessoas. Essa é a chave desta série.

1 comentário:

Post-It disse...

Também gosto! Complexa e glamourosa.
Não sabia que tinha ganho um prémio!