sábado, novembro 06, 2010

"The social network"


Dustin Hoffman contou uma vez que, num jantar com Laurence Olivier durante as gravações de "The marathon man", perguntou ao lendário actor britânico a razão pela qual alguém escolhe a profissão de actor. Olivier parou um pouco. Ergueu-se da cadeira e colocou-se a milímetros da cara de Hoffman, dizendo repetidamente "Look at me, look at me, look at me." Se fosse vivo, Olivier teria sido um ávido utilizador do Facebook, pois esta é a sua natureza como rede social: o constante afirmar da nossa presença num mundo; a chamada de atenção permamente para os nossos gestos e pensamentos, como se tivéssemos encontrado um palco global; e por fim, como Sean Parker diz no filme "The social network", o ponto seguinte na evolução da mobilidade humana. Se das quintas mudámos para as cidades, das cidades mudámos para a Internet.

E no entanto, "The social network", é preciso esclarecer já isto, não é um filme do Facebook, nem acerca do que é o Facebook. Não é um biopic do seu criador, Mark Zuckerberg. Retrata, através de dois processos judiciais, as pantanosas origens deste projecto e o que levou Zuckerberg a ser o mais jovem bilionário da história. Vamos desde os dormitórios de Harvard até edifícios de betão em Nova Iorque, e Silicon Valley na California. O que "The social network" é torna-se difícil de definir enquanto vemos o filme. Um conto moral? Um drama de tribunal? Um filme de zeitgeist? Uma comédia negra? Eu próprio tenho medo de categorizá-lo. E talvez seja melhor ficar por aqui.
Assim sendo, o que o filme é, na realidade, é um relato dos factos, entregando ao espectador a tarefa de tirar sentido deles. Escolher o seu herói e escolher o seu vilão. Entre Mark Zuckerberg, Eduardo Saverin (o seu melhor amigo e co-fundador da rede social) e Sean Parker (bad boy informático fundador do Napster e mentor momentâneo de Zuckerberg a certa altura da história), temos motivações e princípios discutíveis. Se dermos primazia ao valor de uma ideia e sua defesa, Zuckerberg é o nosso homem; se formos mais sentimentais e admirarmos a amizade entre duas pessoas, apoiamos Saverin; se acharmos que o poder económico e a influência são tudo, puxaremos certamente por Sean Parker.
"The social network" é sobre muita coisa: sobre o nosso DNA básico como humanos, independentemente da entrada do mundo virtual na nossa vida; sobre a necessidade que temos de comunicar; sobre o poder da exclusividade e a luta eterna que travaremos em sermos aceites dos locais onde nos põem fora (no caso, o filme usa o habitat de Harvard e das universidades de Ivy League norte-americanas. Entre as muitas ironias do filme, não se perde a de que uma ferramenta que une tanta gente de forma democrática surgiu num dos meios mais exclusivos do mundo. E sendo tão universal e acessível, talvez como vingança contra o mesmo); sobre uma nova espécie de nerd que raramente aparece, aquele que movido pela vingança, está decidido a tomar conta do mundo. Mas é acima de tudo sobre ideias e sobre o timing de encaixe no nosso mundo. O Facebook vale não como prodígio da tecnologia, mas porque, como Zuckerberg tão bem se apercebeu, coloca toda a experiência universitária num site. No fundo, as nossas acções não são assim tão complexas. Na maior parte das vezes, as nossas motivações são primárias e simples, e podem ser todas encontradas naquilo que é o Facebook. O argumento deste filme é tão rico que esta é apenas uma das ideias que se podem ter. Falar sobre este filme não implicava um post, mas vários. Poderá acontecer.

É estranho que a grande vedeta de um filme de David Fincher seja o argumento, mas é verdade. O brilhantismo de "The social network" começa com o superlativo guião que Sorkin constrói habilmente. A estrutura de história principal e duas secundárias dos processos movidos contra Zuckerberg permitem expôr a informação de forma muito eficaz, rápida e, o mais importante, em entretenimento constante. Nós não somos atraídos pelo filme: basciamente, ele puxa-nos e não há volta a dar. As falas são apenas para actores fluentes em Sorkinês, que possuam a habilidade de disparar palavras como se a boca fosse uma metralhadora. Muito se fala netse filme, e já há muito que não via uma fita com uma dose tão grande de frases imediatamente citáveis.
Ajuda que o cast do filme saiba exactamente como dizer. Destacam-se com facilidade os secundários: Andrew Garfield, como Eduardo Saverin, é exactamente o tipo bem intencionado e de ideias pequenas (um crime para Zuckerberg) que nos deve mostrar. É quase impossível não sentir pena dele e da forma como se deixa levar e enrolar pela maré dos acontecimentos. Justin Timberlake põe o seu carisma ao serviço do nerd rock star, Sean Parker, o criador do Napster. A certa altura, é quase perceptível ouvir a língua de Timberlake bífida, como que se fosse um diabo; no entanto, isto nunca me fez diabolizar o personagem de Parker, e isso deve-se ao actor/cantor, que se está a tornar num caso interessante de músico transformado em actor. No entanto, o destaque principal vai para Jesse Eisenberg. Que interpretação! Eisenberg tem a habilidade de falar muito rápido, mas sempre a parecer mais inteligente que os restantes. Poucos actores conseguem fazê-lo, e sem isto, seria impossível interpretar a arrogância intelectual de Zuckerberg. Eisenberg é tão bom no papel que corre o risco de parecer demasiado natural para ser considerado uma interpretação, e só por isso ele corre o risco de não estar nomeado para o Oscar de actor principal.
Fincher não se apaga, como muitos têm dito, mas este é claramente uma fita para doutorados fincherianos. Não é perceptível de imediato a sua autoria, mas certos planos não enganam. Começou-se a criar o mito de que esta é uma novidade para Fincher, filmes palavrosos, mas "Zodiac" é mais palavroso e complexo a nível narrativo do que "The social network". Fincher traz ao filme duas coisas. Em primeiro, uma das melhores sequências do ano, numa regata de canoagem; noutra, a inteligência evidente de quem percebe o grande quadro. Tendo a inteligência suficiente para perceber a direcção certa da história, o realizador revela ser um excelente director de actores e alguém que consegue prender o espectador ao ecrã numa torrente narrativa, dando o melhor uso possível ao argumento de Aaron Sorkin.

"The social network" é para dois tipos de pessoas: fãs devotos de David Fincher e gente inteligente que ainda gosta de ir ao cinema à espera de ser bem alimentada, com um filme que fala de algumas das coisas que nos fazem mover hoje, e desde que nos começámos a aperceber de que somos gente. é sobre várias ironias: a dificuldade de socialização do homem que inventou a maior rede social da história; da democracia da comunicação surgida num dos ambientes mais exclusivos do mundo; de como uma visão, por maios revolucionária que seja, é sempre impossível de ser compreendida na totalidade; e de como num mundo movido por interesses, movido por falsas proximidades, há um elemento que nos faz andar a correr feitos doidos atrás das coisas: as pessoas.

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