Onde leste isso? Não me respondes, pois a tua pergunta foi bem mais longe do que o ar, e já saltaste para as estrelas. Sem poderes vê-las, acreditas que lá estão, mas é tudo uma questão de fé, pois as estrelas, como se diz tantas vezes, podem não estar lá de facto, e nesse caso, se um nevoeiro aparecesse do chão, como se as ervas fumassem cigarrilhas de anti-matéria, e nos separasse e eu não te pudesse ver, será que estarias e eu também embora não nos pudéssemos ver. Talvez estivéssemos. Estar não é ver, e mesmo que não te ver seja estar uma coisa, que é triste, és e não estás. És em mim, desencarnada, e existes bastante nos meus dias. Existes quando me levanto de manhã e descubro que saíste para o trabalho. O teu calor ainda treme a cama, e é como se estivesses mesmo que tenhas desaparecido e num outro canto da cidade sejas estrela.
Não, não sou estrela, sou mais asteróide. Apareço de fogacho, queimo, mas trago comigo uma cauda enorme de rochas e detritos, e se acelero demais e apanho algum planeta desavindo na minha órbita vou fazer mossa. Recordas-te daquele documentário sobre a cratera do Iucatão? É isso que posso deixar.
O ar frio condensa-se em torno da tua boca enquanto te lanças nessa arenga sobre crateras e sobre seres uma arma de destruição maciça. Eu sorrio e no meio da tua insegurança, encontras uma espécie de porto de abrigo onde podes guardar o teu porta-aviões e tirares o dedo do botão vermelho. Esticas os braços e eu sou velcro. A chuva mantém o seu metrónomo e questionas a escolha de sair de casa, naquelas condições, sem qualquer chapéu. Não estamos assim tão longe da porta. Podemos voltar. E voltamos. Enquanto o teu corpo se reencontra em mim, decido decorar o teu pavilhão auditivo com palavras: se fosses um asteróide prestes a colidir com a Terra, o ar denso iria abrandar-te e talvez até desfazer os teus detritos. Eu sou o ar, eu sou o amor que tritura essa causa de devastação que preferes envergar como se fosse a tua farda, e não te lembras que a maior densidade é a dos corpos que atravessam o ar e que são atravessados pelo amor. Não consegues parar de rir. Eu também.
Gostaste? Sim, foi piroso, e tu és pirado. Combinam bem.
Beijamo-nos e regressamos para o interior de casa.
Já agora, ela comprovou que o ar era realmente denso. Uns anos mais tarde, numa viagem ao Planetário. Fico feliz por informar que o mesmo ficou de pé e que a cauda de detritos foi enterrada umas semanas antes quando ela deixou de ser ela e passou a ser nós a sério. Desde então que somos uma constelação, e quem olha para nós vê sempre uma figura. Ou duas, a fazer figurinhas à chuva.
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