quinta-feira, agosto 28, 2014

Um sem-abrigo com casa


Verde a perder de vista em todas as direcções, nem uma montanha por perto e ali, no meio de nenhures, ele era uma casa sentada. Casas erguidas habitam-se, casas sentadas alugam-se, pelo menos até estarem prontas para serem habitadas outra vez. No silêncio das horas, a recordação do início não existia e há muito que se hipnotizara com o movimento da erva de cada vez que o vento a penteava. Alta como a casa sentada, a erva ocupava-se das distracções e casa existia apenas para si, ainda não para o mundo. Uma casa, quando se senta, continua a ter quartos e corredores, mas os primeiros estão fechados e os segundos escorregadios. Quando sentada, o melhor mesmo é evitar entrar na casa, e por isso mesmo esta se tranca, sem precisar de ninguém para fazê-lo. Fecha-se e fica ali, parada onde ninguém se lembra de procurar.

Chegara a altura de limpezas. Trocar alcatifa por chão de tacos, porque dos ácaros da alcatifa já a casa não precisa. Os tacos limpam-se melhor, deixam que todo o pó e o cotão se acumule e possa ser varrido de uma só vez, duas no máximo: uma para espantar a sujidade, outra para não deixar que a primeira se engane a si mesma. Momento é também de passar um pano nos azulejos, sujos e baços como se tivessem sofrido um banho prolongado de água, numa submersão completa, total e voluntária. As vontades pagam-se, e a dívida do azulejo era medida em manchas. Umas saem com mais facilidade, para outras não chegam apenas o pano e o líquido. É preciso algo mais que não tem agora em casa. Guarda na lista de compras e um dia destes vai conseguir. O agora não tem a mesma urgência do amanhã, mas é muito mais importante do que o ontem. Todos eles são um pequeno lampejo na sala da eternidade, que ninguém pode limpar, nem sequer fechar ou sequer conceber. A casa sentada apenas pode conceber um pequenino rodapé e tentar não estragar, porque a eternidade não dá mesmo para arranjar.

No sótão, o maior desarranjo. No sótão, nem o vento pode entrar ainda, que está tudo em pantanas e e a brisa recusa-se a ser responsável pela arrumação. Só a neve, e o sótão enche-se de neve até ao tecto. Preso no espaço e dando-se à frigidez das emoções que foram um dia caldeira vulcânica, o gelo é a única ocupação capaz de arrumar tal confusão. Mas como os glaciares abrem vales entre os caminhos que não existem, também demorará tempo até que se concentre ordem suficiente para que os passeios no sótão, de onde se têm as vistas mais vitais e importantes da casa sentada, possam voltar a ser livres e sossegados. Até lá, o gelo faz o seu trabalho, e fecha-se a porta ao resto.

A casa sentada continua fechada. Ele não sabe quando estará pronta, e dificilmente passaria alvará a si próprio se lho pedissem. Numa rajada. o vento abre-se em dois mares e ao fundo, o sol poente aponta-lhe o dedo, faz-lhe cócegas no nariz e de repente, apenas num momento que é fumo que se agarra com força aos dedos, as ruínas sentem que podem ser novo uma casa erguida. Nesse raio de sol está o segredo  da velocidade da escuridão, e de como a luz, veloz, demora a entrar em casas sentadas. Sem interruptores, sem quadro funcional e sem janelas, é impossível.

No entanto, as frinchas mínimas cortam o breu do Eu; e mesmo sentado, de pé 1 metro e tal de andares ganham pilares de sabedoria na beleza da queda.

sábado, agosto 23, 2014

Só mais isto


Gostava de deixar uma palavra ao público deste cantinho de deboche literário onde escrevo, e que tem alguma dificuldade em encarar alguns textos que tenho escrito ultimamente. Bem sei que preferem os momentos de pura estupidez e debalde onde destilo veneno e me mostro portentoso em cascar no que é alheio. Asseguro-vos que não perdi isso. Aliás, como perder com tanta coisa a acontecer no mundo e que merece açoite (guerras religiosas; leis da propriedade intelectual que favorecem tanto as artes como a eliminação da homossexualidade; o desafio do balde de belo pelos costados abaixo; Cristiano Ronaldo como bitola dos interesses da nação; o BES, sem piada que só o nome já é suficiente; Manuel Machado a transformar Coimbra numa cidade saída do mundo "TRON", mas com menos sentido)? Permitam, ainda assim, que vos explique porque virei de repente uma cópia barata de Paulo Coelho cruzado Nicholas Sparks, com a menopausa da Danielle Steel.

Os dois maiores medo que possuo na vida não são tão estranhos como a minha personalidade poderia fazer antever: a morte/decadência e a solidão. Simples, não? Ver um parente vosso enfrentar e sucumbir ao primeiro não me sossegou um pouco. Tal como sentir o meu interior sucumbir a brutal apocalipse provocado por uma arma de destruição maciça com duas pernas não contribuiu muito para me esquecer do segundo. Os pormenores de ambos são meus, e já divulguei mais do que devia num espaço público que se tornou confessional pelos simples facto de sentir que ajuda outros com problemas semelhantes. Não sei se consigo ser exemplo para alguém, mas se no meio desta derrocada conseguir pelo menos, fornecer pedras para construir um mundo melhor, não se perde tudo. Honro a memória de ambas as pessoas que perdi, uma de forma mais definitiva do que outra. Isso é muito importante para mim. A dor ressuscita os medos, mas também pode ajudar, se a trabalharmos bem, a ser algo mais do que dor: a ser progresso. Sem progresso, a dor é apenas uma bola escura de alcatrão derretido que nos envolve, sem piedade e sem sentido.

Não posso, ainda assim, mentir e dar a ideia de que não ando a ver o mundo com óculos escuros. Ando. Há dias de enorme desesperança e desencanto, de não ver sentido, de achar que isto não leva a lado algum,  e que se leva, qual é o sentido? Ser apanhado de surpresa e ver tudo ruir, desde o que se fez ao que se quer fazer? Sempre tive esse medo da morte, porque me pareceu o anti-clímax mais idiota de todos. Caminhar para um buraco. De que adianta caminhar então? Não sei. Adorava ter um discurso optimista, mas nunca foi meu tom... E o medo e trauma que a morte me causa amplia os terríveis momentos de solidão onde uma pequenina linha separa uma ida para o trabalho da simples posição fetal na cama de olhar perdido na parede. Isto de se viver é o que é, e não há muito mais do que ir aproveitando os dias, mesmo que não apeteça nada e que a maior vontade seja a de desaparecer. É a ambiguidade de estar um: estar só como fuga ao mundo, e também como o caminho mais certo para a infelicidade. É isto que me ocupa agora, é isto que vivo.

Por isso, caros fãs do ácido, peço paciência. Estou mais desarranjado do que o costume, e vai demorar. Não sei bem que terceira via existe para fugir a dois becos sem saída, mas ela aparecerá. É possível. Talvez provável. Está no horizonte. Distante, ainda assim, mas na linha da vida na palma da mão que se tenta agarrar a algo.

quinta-feira, agosto 21, 2014

Bocadinhos


Eles não sabem, mas têm dois colegas de trabalho. Um escreve e faz figuras tristes; o outro senta-se ao ombro do primeiro e diz-lhe "Não percebes nada disto, e não sabes. Estas letras são todas uma merda, ninguém vai gostar, não tens outro remédio senão reescrever tudo". Mas o primeiro continua, e pesquisa. Escreve mais e mais, o trabalho acumula-se, uns pensam que ele é alucinado mas isso de que interessa se o trabalho aparece feito, e ali todos são alucinados de uma forma ou de outra, e assim anulam-se uns aos outros, ninguém estranha e vêem dois a trabalhar quando só um é que escreve, e o patrão não sabe que está a ter dois a trabalhar pelo preço de um, num código do trabalho à chinesa. Fora dali, o segundo vai à sua vida, e o primeiro fica, segue para casa e só por curiosidade, expõe ao mundo o que afinal lhe custa tanto a caber na cabeça que é de talento e não de tormento. Outros gostam. O primeiro é o último a sentir uma pequena vitória, mas sente-a

Já passou um mês, e continuo a disfarçar. Estás debaixo da terra, mas sou eu quem continua a sentir-se dentro de um buraco. Todos os dias, quando venho do que é dele por direito de pai, faço uma linha torta, e esboço-me com os pés num chão que é areia movediça, e envolve aquele número que sei de cor, com as flores que nem consigo cheirar e a vela que apaga e acende, e nunca se queima. Não consigo entender, mas também não há que entender. Há que seguir, e tu sempre foste mais de ir em frente do que parar para perceber. Tento que venhas comigo, levar-te de cada vez que dou um passo para fora de casa, e nos momentos em que não sou uma parte sequer do meu melhor, desculpo-te porque a culpa nem é tua, que para além de não estares cá estiveste quando eu devia ter sido mais do que há em mim de maravilhoso, que calhar não vias porque não te importavas, e se não fosse maravilhoso era teu na mesma e não fugias disso. Porque me tinhas feito, e porque nunca te passou pela cabeça que por muito descabelado, estranho ou irreverente que eu fosse, não seria aquele a quem chamavas "filho". É nessas alturas que sou só mesmo eu, sem ninguém ao ombro, e como não rezo para o vazio, nem oro ao que não faz sentido, levo um joelho ao abismo que te tem, deposito com a mão o beijo que nunca deixei de ter dar, e tenho-me noutro lado, onde não estás, mas por outro lado até estás, porque não vais embora enquanto eu disser o teu nome, ou me lembrar da tua cara. Enquanto eu for eu, e a minha memória for o jardim marinho onde podes nadar no conforto do teu mar. Sem mais ninguém, só contigo e sem vozes a moer.

Tu só podes ter o bocadinho mais curto. Alongar-me sobre ti em mim é dar-te espaço, que não é de fuga mas de apanhada. Agarraste-me. Tens-me em dias pares que são ímpares na quantidade de dor que me dão no beijo que não damos e naquela risota com que me fazias regredir aos tempos em que não conhecia outra coisa que não caramelo. Não falar sobre ti é fingir que não existes. A mudez é esquecer-te. Por isso escrevo textos tão longos sobre o que não articulo, e o que não posso sequer calcular noves fora quando estou feito num oito. Ainda me afogas em imagem fixa. O mergulho é a compulsão da dor, e esquece-se que o bom mesmo é não senti-la. Hoje banho-me nela. Amanhã, a toalha do futuro vai-me secar de ti, até à próxima vez em que fores a minha preia-mar. Semana após semana, cada vez menos. Mas cheia de todas as vezes que me cobre.

terça-feira, agosto 19, 2014

Ruído


Saiu da festa porque havia gente. Não era a mais, nem era a menos: era gente. Gente que respira e sorri, gente que é feliz; e gente que é feliz lembrava-o dela. Não se movia contra a felicidade dos outros, mas podia impedir, pelo menos, que esta se movesse contra si a toda a velocidade, estampido sónico na sua passagem, choque frontal com a realidade que ele queria virtual, bem longe num ecrã, longe do espaço da rua. A rua já fora sua, já fora a dela, já fora sua, não, dela e sua, nossa... Ainda era, mas na confusão, já fora também, e era agora uma outra coisa que não conseguia determinar. Sabia que tinha pedras e folhas e lixo, e tudo o mais que as ruas têm... Agora, por causa do barulho até ele era na rua, embora sem estar.

Estava algures longe dali. Por isso o barulho o incomodava tanto. Queria crer que no silêncio, ao menos, dava por si num qualquer outro local onde ela não aparecesse. Deixa-se alguém, mas é só na vida e na morte: nunca na ressurreição. Ressuscita por aí, nos nossos tempos mortos, e vem bem a tempo de nos matar em horas adiantadas, atrasando-nos o caminho e o tempo. Antes, quando a via, pensava numa pena; agora, era uma espada, que já nem fazia parte da sua luta. Imaginá-la com outro era ter vertigens debaixo de terra, ou ver-se em transe numa festa onde o barulho assalta os sentidos e furta os momentos, deixando-nos nus perante a vergonha da solidão. Ali, despido, com as colunas a estardalhar o que resta do espaço de sanidade onde ainda habitava, vi-te, na múltiplas valências do meu choro, onde encontrei outras lágrimas que desconhecia. Sem qualquer motivo, o barulho eras tu, em gritos por vezes, em gemidos noutras, e a confusão de tudo o que vivi em ti, e vivo ainda fora do que éramos. No barulho, eras surda ao que lamentava, e nem as minhas lágrimas, como decibéis salgados de punhal em riste, conseguiram retratar a fotografia que me tiraste naquela noite em que o teu peito foi a minha tela de lágrimas, quando me deste corda ao cabelo como quem acelera um relógio, e deixaste que te tocasse e beijasse porque nos beijos os abismos são de mergulho e não de queda; e eu, que sou ele, viveu aí momentos que nem o barulho podia roubar.

Mas antes que pudesse, saiu da festa. Porque havia gente, e não havia ela. Muitas elas havia, algumas que queriam ser ela no olhar, mas não as via. Estavam ali. Ele não as queria. Enquanto caminhava pela rua, não sentiu a mínima vontade de voltar, ou sequer de estar com outra ela.  Apenas de se sentar, reorientar a bússola e não se perder mais uma vez. Era impossível, mas sempre sem que fosse impassível ao desejo que rasteja e envolve. Ela é um abraço que fica e prende. Ele recebe, sem nunca cobrar, mas também sem pedir, ainda que no entanto não a negue. Sentado, longe do barulho, abraçado por quem não está, é pela primeira vez que se equilibra e não escuta nada, a não ser ele mesmo a traçar os seus próprios pensamento.

Finalmente sou eu, e ele. Talvez, por fim, queira deixar de ser Ela. Hoje sim.

Amanhã é sempre um não em potência. 

segunda-feira, agosto 11, 2014

A escada em caracol



Nunca me esqueci do dia em que a minha professora de Português do Secundário brindou um trabalho escrito com um 19, e anotou "Se o Bruno trabalhar, poderemos ter aqui um grande escritor intelectual". O pretensiosismo nasce cedo, e este tipo de observações, vindos de gente que admiramos, são solo fértil. Mas não vieram apenas coisas más ao mundo através da doutora Helena Castro: foi ela que me incentivou a gostar de escrever, descobrindo algures num rapaz confuso e meio perdido uma aptidão a alinhar palavras em carreira. Sem ela, provavelmente nunca me teria aventurado nessas vidas. Já antes gostava de construir histórias, mas nada de agradável: apenas amontoados de coisas que nem eram ideias. Foi essa professora que fez nascer tudo o que me brotou numa fonte da Língua que algumas vezes seca, nunca murcha: os "Óscares", o NLDR, este e outros blogs, guiões que estão arrumados e nunca sairão dos cantos escondidos, tudo o que ajudei a inspirar em gente conhecida e em jovens... Aquilo que por vezes chamam dom, e eu sempre classifico como a dor de me ver falhar em estrondo quanto tento ir além das minhas possibilidades.

Desde então que não me concebo, ou defino, sem o uso da palavra. Já passou de ser apenas útil: estendeu-se como um segundo cérebro com quem troco ideias e defino rumos; onde aprofundo o que penso e me aventuro em jogos de palavras conversando com a única entidade que me pode entender; quando estou em pleno conforto e descanso, sem medo do que eu próprio penso; como meio de me revelar sem me expor de facto, ou de abrir noutros o meu sentimento sem que deixe de ser, ainda assim, deles o que sentem. A escrita não é, na minha vida, apenas expressão: é um canal que me une ao mundo e uma bolsa de valores onde a minha cotação está em alta, e me impede de achar que sou, por completo um falhanço. Claro que nunca consigo ser exactamente o que a minha escrita merece, e por isso rastejo de quando em vez neste tapete em branco, atirando palavras a ver se colam, mas que apenas borram tudo. Sei que não parece a quem lê, dos elogios que leio,  mas várias vezes este acto é fisicamente doloroso. Uma dor parva de primeiro mundo, que não se compara ao Ébola, mas é a minha dor. Sinto-a e ela acaba por alimentar o que falta neste mundo de letras. Tudo o que me dói transforma-se em frases. Tudo o que me alegra conduz a textos; e se as palavras, ainda assim, são tantas vezes um arremedo do que se pode sentir (as minhas lágrimas retratam melhor a perda do meu pai do que 70 odes marítimas, e os beijos com que mergulhava a Daniela em mim são mais amorosos ao vivo do em Times New Roman), não posso negar que me completam e que transmitem mais do meu mundo do que eu próprio consigo.

Esta semana, comecei a ser pago pelo me trabalho em palavras. Pego em mundos e em informações, e pedem-me que transmita a desconhecidos o que neles existe de fascinante. Não é comum termos emprego a fazermos algo em que somos realmente bons, e onde estamos confortáveis, Sento-me e os meus dedos ligam a minha cabeça ao mundo, faço turismo numa página vazia e os pontos são, ao mesmo tempo, finais e de interesse. Na tarefa de descobrir o mundo, uso o que a ele me liga. Os meus colegas não sabem, nenhum deles, mas se lerem este texto poderão ter uma ideia.

Há quem faça retratos a carvão. Cada post, no meu caso, é um traço atómico, e revela as minhas explosões, cisões e multiplicações dos átomos que me formam.


segunda-feira, agosto 04, 2014

Não ser


Quase todos os textos que leio acerca de separações são pirosos que doem. Em primeiro, porque são mal escritos, e isso é compreensível: é difícil escrever bem quando o coração nos entope tudo porque cresceu demasiado. Nem é uma crítica, mas sim a empatia de quem já se viu tão assoberbado pelo que sente que apetece tantas vezes sumir, morrer um pouco, talvez uns dias, e voltar apenas quanto todos foram embora e podemos ficar ali com aquela dor cristalizada ainda ardente, num prazer perverso de nos encontrarmos na miséria, e mesmo assim sermos ricos em vida que flui e mesmo moendo, produz ouro.

Em segundo, porque revelam tantas vezes uma sentimentalidade piegas e superficial, atirando palavras para enterrar a tristeza passageira que se cura uns dias depois, quando se conhece X ou Y e o carrossel volta a girar, até virar novamente carros de choque. É como se quisessem rebentar de sentimento, e encontrassem apenas teias de aranha no sótão do ventrículo superior esquerdo. À falta de sangue fervente e vulcânico, inventa-se uma erupção, que soa a falsa por ser demasiado lúcida, que é aquilo que a dor não oferece nem é. Doer é tantas vezes não perceber sequer que temos algo que realmente não temos, mas vem aí. Apanha-nos por tabela e às três tabelas encesta-nos. Sem espinhas.

Em terceiro, porque não são verdadeiramente textos de separação. São de intervalo. Existe algures nas entrelinhas a esperança de regresso, e nenhum ponto é final: apenas parágrafo. Algures na dança das palavras, existe um compasso de espera, que disfarça o desespero, e caminha um trilho onde os sinais se confundem, mas se segue sempre em frente. Nem que seja até à falésia. Lá em baixo, um mar ruge e grunhe, mas é transparente, e por isso, à falta de chão, salta-se, e o mergulho desconhece-se. Nunca mais se ouve falar de quem tenta, excepto algum tempo depois, quando algo dá à costa e não se reconhece. Aparenta ser o que pensou que era. Mas já não é. Já foi com as marés e não volta.

Não irei por aqui, portanto. O que existe, guardo para quem de mim não se separa, e para o meu único amparo, que sou eu. Há tanta, tanta dor em mim, com tudo o que me cai e tudo o que me tiram, e que se calhar me tiro, que começo a perder o poder de transparecer para vós o quão vazio me sinto. Não quero escrever mal, não quero soar piegas e não tenho esperança. Está fora de mim conseguir dar-vos o que merecem, e o que vos conforta ou sobressalta. Não vos consigo dar isso, e por isso me desculpo. Desta vez, faltam-me palavras e faltam-me frases. Só existem sinais de pontuações, e todos eles mal aplicados. Sinto que fui mal redigido, e preciso de uma correcção.

Por isso, peço perdão. Farei uma revisão e quando acabar, prometo, pelo menos estrutura e texto. Prometo-me, para mal dos vossos pecados e das minhas virtudes.