segunda-feira, agosto 11, 2014

A escada em caracol



Nunca me esqueci do dia em que a minha professora de Português do Secundário brindou um trabalho escrito com um 19, e anotou "Se o Bruno trabalhar, poderemos ter aqui um grande escritor intelectual". O pretensiosismo nasce cedo, e este tipo de observações, vindos de gente que admiramos, são solo fértil. Mas não vieram apenas coisas más ao mundo através da doutora Helena Castro: foi ela que me incentivou a gostar de escrever, descobrindo algures num rapaz confuso e meio perdido uma aptidão a alinhar palavras em carreira. Sem ela, provavelmente nunca me teria aventurado nessas vidas. Já antes gostava de construir histórias, mas nada de agradável: apenas amontoados de coisas que nem eram ideias. Foi essa professora que fez nascer tudo o que me brotou numa fonte da Língua que algumas vezes seca, nunca murcha: os "Óscares", o NLDR, este e outros blogs, guiões que estão arrumados e nunca sairão dos cantos escondidos, tudo o que ajudei a inspirar em gente conhecida e em jovens... Aquilo que por vezes chamam dom, e eu sempre classifico como a dor de me ver falhar em estrondo quanto tento ir além das minhas possibilidades.

Desde então que não me concebo, ou defino, sem o uso da palavra. Já passou de ser apenas útil: estendeu-se como um segundo cérebro com quem troco ideias e defino rumos; onde aprofundo o que penso e me aventuro em jogos de palavras conversando com a única entidade que me pode entender; quando estou em pleno conforto e descanso, sem medo do que eu próprio penso; como meio de me revelar sem me expor de facto, ou de abrir noutros o meu sentimento sem que deixe de ser, ainda assim, deles o que sentem. A escrita não é, na minha vida, apenas expressão: é um canal que me une ao mundo e uma bolsa de valores onde a minha cotação está em alta, e me impede de achar que sou, por completo um falhanço. Claro que nunca consigo ser exactamente o que a minha escrita merece, e por isso rastejo de quando em vez neste tapete em branco, atirando palavras a ver se colam, mas que apenas borram tudo. Sei que não parece a quem lê, dos elogios que leio,  mas várias vezes este acto é fisicamente doloroso. Uma dor parva de primeiro mundo, que não se compara ao Ébola, mas é a minha dor. Sinto-a e ela acaba por alimentar o que falta neste mundo de letras. Tudo o que me dói transforma-se em frases. Tudo o que me alegra conduz a textos; e se as palavras, ainda assim, são tantas vezes um arremedo do que se pode sentir (as minhas lágrimas retratam melhor a perda do meu pai do que 70 odes marítimas, e os beijos com que mergulhava a Daniela em mim são mais amorosos ao vivo do em Times New Roman), não posso negar que me completam e que transmitem mais do meu mundo do que eu próprio consigo.

Esta semana, comecei a ser pago pelo me trabalho em palavras. Pego em mundos e em informações, e pedem-me que transmita a desconhecidos o que neles existe de fascinante. Não é comum termos emprego a fazermos algo em que somos realmente bons, e onde estamos confortáveis, Sento-me e os meus dedos ligam a minha cabeça ao mundo, faço turismo numa página vazia e os pontos são, ao mesmo tempo, finais e de interesse. Na tarefa de descobrir o mundo, uso o que a ele me liga. Os meus colegas não sabem, nenhum deles, mas se lerem este texto poderão ter uma ideia.

Há quem faça retratos a carvão. Cada post, no meu caso, é um traço atómico, e revela as minhas explosões, cisões e multiplicações dos átomos que me formam.


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