terça-feira, março 03, 2015
MicroMacros
Sem ela, o tempo é uma colecção de estilhaços. Carlos, de pé no centro do seu próprio mundo, perguntava-se se um dia era dia sem que a voz dela fizesse nascer o sol, mas o mundo gira em redor dos astros mesmo que agora o tempo fosse menos particípio e mais passado. Carregava em si o peso das partículas, dos pós que se amontoam aos poucos nos tecidos e nas articulações e fazem os segundos em que que nos desintegramos, apodrecemos e, consequência final, carregamos o nosso próprio fim. Cada passo é mais um bocadinho de nada, e por isso estava parado. Se não se mexesse, talvez sossegasse, na ladina paz do respirar que parece prolongar a vida quando traz a pequena morte ao corpo, e um funeral florido ao espírito. Carlos carregava o seu próprio andor sob duas pernas, e no momento, a imobilidade pareceu mais amiga do que os gestos. Quando nos dói, a acção assume figura inimiga, e há sempre a ideia de que um passo equivale a peças partidas. A dor transforma a pele em porcelana, cada movimento uma fisga pronta a rachar o que aparenta estar inteiro, mas sabemos, numa pequena nuance do ar, que quebrámos sem apelo. Era isso, Carlos partiu-se, e o peso era tudo o que nele estava contido e agora perseguia o vazio com a mesma voracidade com que digeriu Carlos.
Como tudo o que se parte, Carlos foi ao chão. No pó acumulado, talvez um casulo, e mesmo na verdura que o tapa, uma caverna. Em tudo o mais, vassoura que acumula na caverna tudo o que escapou. Voltar a ser inteiro ou refazer-se com o que se tinha: tudo o que Carlos pode procurar é simplesmente saber se está a tempo de se desfazer do que não pode.
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