sexta-feira, março 20, 2015

Um dia são dias



Para nós, os que perdemos um pai, o 19 de Março é um pouco como arrancar um dente: tem de se viver, sabemos que vai doer e já está. A questão é que nunca está, e que continua a doer mesmo depois de o sol se ter posto e reerguido no dia seguinte. É algo que continua, enquanto nos lembrarmos. Tem de ser assim, e se for de outra maneira, algo está errado. Só dói porque se sente a falta, e a ausência só marca quando a presença contou de alguma maneira. Vive-se assim: enquanto houver memória, não há corações adormecidos. É uma gradação, mas chega um ponto onde não baixa mais: estabiliza. Nunca me consigo habituar a ir ao cemitério, as poucas vezes que agora visito, e não sentir nada; e nem me custa o passado. Arrelia-me muito mais o futuro, e tudo o que o meu pai não pode viver, principalmente o que lhe podia proporcionar. Gostava que tivesse orgulho naquilo que faço, em ter um trabalho e em construir alguma coisa de base, de algures no mundo haver alguém que tem dias melhores só porque eu dediquei a isso o meu tempo. Gostava que pudesse um dia pegar num bébé a que chamasse de neto. Gostava de lhe dar a oportunidade de não adiar e viver o que um dia deu por garantido e que um atalho da vida lhe roubou. Tudo isso me dói, e se calhar é também egoísta porque o prazer que teria em vê-lo partilhar de tudo isso é mais meu que dele. Alguns meses depois, descubro que uma parte minha morreu com ele, e não teve enterro. Paira sobre mim.

Não vou falar mais desta dor. Não a vivo sempre, há dias em que consigo que me passe ao lado, principalmente dias em forma eLíptica e dias de amigos que estão quando até nem quero que pessoas invadam o meu espaço. Mas há quase sempre um momento em que não ignoro. Dias do Pai? São praticamente todos, devo-lhos e quero pagá-los. A minha prenda é cada momento em que respiro e sigo. Espero que seja o suficiente, pai.