sexta-feira, junho 19, 2015

Lírica



Se calhar fora tudo o produto de um livro de rimas do qual se tentam retirar poemas perfeitos à pressão. Sentado no banco de madeira, a noite a puxá-lo para espaços ainda mais desconfortáveis e a ideia de que, se virasse a esquina, encontraria apenas outra curvatura, ele acumulava estrofes sem destino e também um soneto que nunca sequer obedeceria a uma outra métrica que não a do caos e de uma ausência de tudo, simbolizada por uma pequena partícula com a forma dupla de alguém que não tem nome, mas na sua presença, concentra todas as razões pelas quais os pés se colocam à frente um do outro sem tossir ou arrastar.

Se calhar, nada rimava, e o que existia era simplesmente um jogo de engano, doce e divertido, onde todos contávamos a história de que éramos felizes, só porque o seu contrário significava o fim do mundo, ou pelo menos um mundo sem fins comuns. Escutava a noite, mas nem o dia lhe poderia sequer decifrar um código que todos viram, mas ninguém decifrara uma vez que fosse. Todas as desencriptações caíam pela base por se sentarem simplesmente num banco, e nem poesia ou filosofia traziam ordem a uma inquietação em moto perpétuo que pintava o seu sono de espertina e os acordares em tons de pontilhistas, pois cada dia era uma reticência.

Se calhar, respirar é uma figura de estilo: hipérbole de expectativas, pleonasmo de dores, a personificação do objecto que somos quando aceitamos as regras do jogo e na ausência de sentido, um oxímoro onde carpe diem e tempus fugit se abraçam, para se extinguirem em contradições.

Se calhar é tudo isto. Se calhar vale, ou não. Se calhar aguarda-se pelo que vem depois, ou antecipa-se aquilo de que se tem a certeza. Quando em dúvida, beija. Mesmo que não escrevas um poema, pelo menos cantaste um verso.

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