Verde a perder de vista em todas as direcções, nem uma montanha por perto e ali, no meio de nenhures, ele era uma casa sentada. Casas erguidas habitam-se, casas sentadas alugam-se, pelo menos até estarem prontas para serem habitadas outra vez. No silêncio das horas, a recordação do início não existia e há muito que se hipnotizara com o movimento da erva de cada vez que o vento a penteava. Alta como a casa sentada, a erva ocupava-se das distracções e casa existia apenas para si, ainda não para o mundo. Uma casa, quando se senta, continua a ter quartos e corredores, mas os primeiros estão fechados e os segundos escorregadios. Quando sentada, o melhor mesmo é evitar entrar na casa, e por isso mesmo esta se tranca, sem precisar de ninguém para fazê-lo. Fecha-se e fica ali, parada onde ninguém se lembra de procurar.
Chegara a altura de limpezas. Trocar alcatifa por chão de tacos, porque dos ácaros da alcatifa já a casa não precisa. Os tacos limpam-se melhor, deixam que todo o pó e o cotão se acumule e possa ser varrido de uma só vez, duas no máximo: uma para espantar a sujidade, outra para não deixar que a primeira se engane a si mesma. Momento é também de passar um pano nos azulejos, sujos e baços como se tivessem sofrido um banho prolongado de água, numa submersão completa, total e voluntária. As vontades pagam-se, e a dívida do azulejo era medida em manchas. Umas saem com mais facilidade, para outras não chegam apenas o pano e o líquido. É preciso algo mais que não tem agora em casa. Guarda na lista de compras e um dia destes vai conseguir. O agora não tem a mesma urgência do amanhã, mas é muito mais importante do que o ontem. Todos eles são um pequeno lampejo na sala da eternidade, que ninguém pode limpar, nem sequer fechar ou sequer conceber. A casa sentada apenas pode conceber um pequenino rodapé e tentar não estragar, porque a eternidade não dá mesmo para arranjar.
No sótão, o maior desarranjo. No sótão, nem o vento pode entrar ainda, que está tudo em pantanas e e a brisa recusa-se a ser responsável pela arrumação. Só a neve, e o sótão enche-se de neve até ao tecto. Preso no espaço e dando-se à frigidez das emoções que foram um dia caldeira vulcânica, o gelo é a única ocupação capaz de arrumar tal confusão. Mas como os glaciares abrem vales entre os caminhos que não existem, também demorará tempo até que se concentre ordem suficiente para que os passeios no sótão, de onde se têm as vistas mais vitais e importantes da casa sentada, possam voltar a ser livres e sossegados. Até lá, o gelo faz o seu trabalho, e fecha-se a porta ao resto.
A casa sentada continua fechada. Ele não sabe quando estará pronta, e dificilmente passaria alvará a si próprio se lho pedissem. Numa rajada. o vento abre-se em dois mares e ao fundo, o sol poente aponta-lhe o dedo, faz-lhe cócegas no nariz e de repente, apenas num momento que é fumo que se agarra com força aos dedos, as ruínas sentem que podem ser novo uma casa erguida. Nesse raio de sol está o segredo da velocidade da escuridão, e de como a luz, veloz, demora a entrar em casas sentadas. Sem interruptores, sem quadro funcional e sem janelas, é impossível.
No entanto, as frinchas mínimas cortam o breu do Eu; e mesmo sentado, de pé 1 metro e tal de andares ganham pilares de sabedoria na beleza da queda.
1 comentário:
"No sótão, o maior desarranjo. No sótão, nem o vento pode entrar ainda, que está tudo em pantanas e e a brisa recusa-se a ser responsável pela arrumação..."
Tive que sorrir.
Isso vai lá a pouco e pouco
barulho
;)
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