segunda-feira, dezembro 04, 2006

Séries de que não se fala: "Rescue me"


A partir do 11 de Setembro, a figura do bombeiro ganhou contornos quase religiosos no tecido mítico norte-americano: a imagem desses homens abengados, duros, e no entanto capazes de chorar, a entrar destemidamente nas Torres Gémeas para salvar as vítimas, e a fugir da torrente de entulho decorrente da queda dos edifícios, cristalizaram-se na mente dos norte-americanos. Nasce um novo culto em redor dos "heróis": existe muito isso nos EUA; e se os soldados são os heróis da nação, protótipos de guerreitos que combatem lá fora e pelo país, os bombeiros e os polícias são aqueles que defendem o interior, as cidades, as aldeias. Há, talvez, uma ligação sentimental mais óbvia e imediata. Por isso, estava claro de adivinhar que de alguma maneira os bombeiros (pois os polícias já têm o seu próprio espaço) chegariam à televisão, tentando capitalizar a simpatia. "Rescue me" foi essa tentativa, que fracassou terrivelmente na obtenção de grandes audiências. Parte das razões que explicam esse fracasso tem a ver com a forma como retrata precisamente as figuras de anjo, mas fardadas.

"Rescue me" parte de Tommy Gavin, um bombeiro num quartel em Nova Iorque, atingido pelo 11 de Setembro com a morte de 4 dos seus elementos, incluindo o melhor amigo, e primo, de Tommy. No momento em que a série arranca, Tommy está a passar por uma fase pré-divórcio da sua mulher, Janet, com os 3 filhos a serem apanhados no meio. Para piorar tudo, Janet vive na casa em frente da sua. No quartel, a pequena equipa de Tommy, constituída por mais 6 elementos, fucniona como uma família coesa, mas todos têm pequenas particularidades: Franco é o womanizer, engatatão, que gosta de viver o momento; Garrity não deve particularmente à sua inteligência; Lou é um bombeiro que traduziu o seu sofrimento para poemas, embora não deixe ninguém saber; MIke "Probie" é o novato e está sempre sujeito à gozação dos restantes elementos; e Riley, o chefe, é um homem com padrões morais muito restritos, principalmente no que toca à homossexualidade. E embora o trabalho dos bombeiros esteja sempre em foco, são os problemas pessoais de cada um destes diversos homens que fazem avançar a série e que lhe dão a sua importância.

A série é imensamente real, quer na forma como é filmada (quase sempre de câmara em ombro), como também na própria relação entre os personagens, destacando-se o male-bouding entre os bombeiros: há espaço, num episódio, para um concurso de apuramento da maior pila do quartel, enquanto que noutro, Garrity e Franco, num encontro duplo de gémeas, tentam trocar um com outro sem que elas se apercebam. Tommy Gavin, esse, é um personagem absolutamente real e o herói anti-herói: sabota as tentativas da mulher em recomeçar a vida, é um alcoólico não assumido, está sempre mal-disposto e para piorar as coisas, começa a ver o fantasma do primo morto no 11 de Setembro, e pouco tempo depois, os das pessoas que não consegue salvar, o que contribui para que passe uma primeira temporada bastante stressada.

"Rescue me" não foge ao descaramento: Tommy Gavin está sempre a invocar o 11 de Setembro para fugir a multas e para desculpar o seu comportamento, afastando uma imagem limpa dos bombeiros e do próprio evento; e se os bombeiros, como indivíduos e instituição, são vistos com olhar crítico, o seu trabalho, afinal, é mostrado pela série como aquilo que os redime e que torna as suas acidentadas vidas pessoais em algo de significativo. Como Tommy Gavin, Dennis Leary, comediante habitual, mostra um personagem tão curtido e atropelado pela vida que chega a meter dó. Aliás, não me lembro de ver uma série que coloca aos seus personagens tantas desgraças. Não vou aqui revelá-las, correndo o risco de estragar, mas acreditem quando vos digo: são socos no estômago, uns atrás dos outros, e todos doem. Algo que, na televisão, consiga mostrar isto e soar a vida real, é em si um grande feito. "Rescue me" consegue-o. É uma série de grande categoria. Façam o favor de a ver.

1 comentário:

LupinLongo disse...

um gajo k nao sei bem o nome emprestou-m a primeira serie mas por falta de tempo ainda nem espreitei. deixa-m ter tempo k consumo rescue me todo de uma vez.