sábado, fevereiro 07, 2009

Prosas bem bárbaras


O sistema de educação português está pelas ruas da amargura, segundo dizem, e eu concordo. No entanto, há uma razão, solitária e resistente, pela qual não consigo desistir desse cadáver: Eça de Queirós. O que é que o genial bigodaço, mestre no uso da nossa língua, tem a ver para o caso? É simples e explico no próximo parágrafo.
Cá estamos. As obras de lietratura que temos de ler no secundário (ou pelo menos, comprar aqueles caderninhos giallo-neros da Europa-América) costumam suscitar em nós, enquanto estudantes, comoções desdenhosas que arrepiam. Não lhes queremos pôr a vista em cima, porque, ao que parece, transmitem doenças. Nalguns casos, é verdade, pois para quem sofre de idiotice crónica, o saber pode causar choque hipotérmico. Felizmente para mim, tive uma estrondosa professora no secundário, que acompanhou a minha turma durante os três anos. Era o tipo de pessoa que conseguia tornar a vida privada de José Castelo-Branco algo de interessante. Não se limitava a debitar teorias e conceitos: identificava-nos com os livros e autores portugueses, transportava os seus temas e problemas para os nossos dias, e de repente, tudo nos parecia familiar e fascinante. Penso que, ainda assim, consegui ter sempre boas notas em testes sem ler uma única obra completa. No entanto, quando tiev um 19 à custa de "Os Maias", senti algum remorso e obriguei-me a ler a obra. Resultado: é o meu livro preferido e partir daí, ajoelho no altar que endeusa Queirós como autor maior não só da língua portuguesa, mas também da prosa mundial.
Ora, nestes dias de chuva e frio, o que apetece é ficar em casa. Juntando a isso uma solidão crónica, cumpro à risca esse preceito, e por isso, dei por mim a olhar para as minhas estantes, em busca de entretém para situações de cobertor por cima. Lá estava, alinhada como uma fila de soldados, a minha colecção incompleta da obra queirosiana. Fui acometido de uma vontade súbita de auto-flagelamento, pois reparei que havia livros que, comprados em febre de promoções de hiper-mercado, haviam ficado ali a um canto, como a Vénus Citreia no Ramalhete de Afonso da Maia. Ignomínia! Toque a rebate na minha cabeça e ficou firmada a promessa de ler o que me falta. "A cidade e as serras" marchou numa semana. Hoje, acabei "A ilustre casa de Ramires", enquanto lanchava; e para começar a ler, chamando a vontade de dormir, já me espera "O primo Basílio". Era um crime de lesa-majestade, claramente, mas tendo em conta a remessa de livros para pôr em dia (e não, ainda não retomei "O fantasma de Harlot", como prometera aqui), justificadíssima. No entanto, o Eçazinho já merecia a minha atenção, mesmo depois de ter a minha reverência; e há que admitir: a sua escrita é de estalo, meninos!

6 comentários:

Unknown disse...

Sabes que o que acontece cada vez mais é algumas pessoas terem dificuldade em assumirem que vão lendo uns "livritos", é um bocado como aquela situação (isto num dominio que ambos conhecemos) de assumir que somos escuteiros no meio de um café cheio e onde a distância à mesa do lado não te permite ter qualquer privacidade! Eu leio, de Saramago a DragonBall, das "grandes obras" à literatura cor-de-rosa. E depois temos a questão do tamanho...

ClassiQUÊ? disse...

Se precisares de mais volumes do Eça, eu tenho a colecção completa (à parte de um ou outro texto de imprensa que ainda não encontrei). Como tu, ainda só li por completo 5 livros: Os Maias, a Cidade e as Serras (obra genial), o Primo Basílio, os Contos e o Crime do Padre Amaro. O que se segue é, sem dúvida, a Capital, que o grande especialista português em Eça considera que seria o melhor livro do Eça, se ele tivesse tido tempo para o reler. Não sei se conheces os contos; Mas já que falas em "solidão crónica" e incompreensão, aconselho-te vivamente a leitura das poucas páginas de "José Matias".
Eça é, de facto, um génio. Há que dizê-lo sem vergonhas de ser acusado de arcaísmo ou desconhecimento de outros.
Boas leituras,
Cabé

Post-It disse...

Eça é OK, mas eu gostei mesmo foi do teu entusiasmo!
;)

Ela disse...

Sim , sim, sim!Viva o Eça!Adoro-o!

"sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfono da fantasia"

Ela disse...

*diáfano
erro técnico que é bom corrigir antes que caiam aí uns quantos comentários descomplexados!...

Anónimo disse...

quem me dera que, como tu, conseguisse colocar em dia a minha leitura do Eça... infelizmente ou felizmente, o frio não faz com que fique os meus dias de cobertor por cima com um livro na mão, diz que tenho que trabalhar... ehehe
beijoca e boas leituras