quinta-feira, setembro 25, 2014
Danos colaterais
No princípio do verbo surge a mágoa. A meio, os predicados da saudade; e entre o meio e o fim, a fúria substantiva de quem procura frases para não se ofender por ter amado outrem. A boa intenção é um inferno quando está cheia de pequeninas arestas de pequenas raivas cuja cabeça espreita sem nunca ser vista. Um dia, nasce e não pode ser ignorada. Tudo o que antes foi paraíso e sétimo céu é agora o quinto dos infernos. Onde a certa altura os dedos cravaram beijos nas palavras, hoje pregam estalos em pontos de exclamação! As interrogações não são sussurradas, mas lá dentro, numa caverna, ecoam em brados e urros, e não têm uma forma eloquente ou sequer humana. São sinceridades, tão verdadeiras como o amor que se teve, e que até se tem, mas que por demasiado tempo foi um gorro das cabeças das arestas. Chega o calor da refrega, e o gorro não é necessário: fica apenas o frio da acusação e tudo o que não quis dizer, nem mesmo a mim mesmo, e sai vaporoso num ou noutro assomo de lucidez.
Não quero dizer o que me deixa zangado. Sabe-lo. Preciso apenas da zanga para ruminar a tua pele e não senti-la várias vezes ao dia, sem que exista. Quando te vejo na rua, agora, irrito-me. Não estás lá e estás ao mesmo tempo, e irrito-me a dobrar porque nem sei se te quero real ou virtual. Na maior parte dos dias, não te quero mesmo, ou querendo-te longe, até te quero mais. Mas já é só querer, e o que desejo mesmo é querer-me mais do que te quero. Consigo-o até. Falei em prédios, em rios e em árvores, mas tudo isso sou eu. Saber-me importante, saber-me já de pé vale mais do que conhecer onde te deitas ou moras, e o que fazes, e se me preocupo contigo é porque levaste comigo partes importantes que parecem não ter reparação, mas o tempo é mecânico que cobra demasiado, mas nunca falha. As peças em falta serão substituídas, e é com isto que não me consigo zangar. A grande tempestade a que agora me entrego tem o seu sabor, não tão doce quanto sentir saudades do caramelo que te esconde da espuma dos dias e que saboreava de cada vez que beijava a tua pele, mas o gosto da liberdade de finalmente me conseguir entregar ao assomo de peito que ruge quando te vejo a ir embora sem regresso. Deixo de chorar e formo um alambique de fúria, que se tornará num outro tipo de aguardente.
Por isso, cerro um punho. A mão que um dia te foi cama e sofá, e chegou a ser mesmo almofada. Olho para os dedos meio vermelhos, em fruta, e deles brota um sumo que me consome e é combustível para trezentas mil imprecações sob a forma de olhares. Os meus olhos, que um dia te fizeram festinhas, agora gostavam de te pôr a vista em cima para saltarem das órbitas. Sabem o que viram, e o quanto precisavam de te ter visto quando lhes negaste isso. Pedir desculpa e saberes que te compreendo são areia na tua mão. Pensei que sabia o que sentia, mas descubro que apenas estou a começar a chegar aos termos finais do meu ecossistema sentimental. Armo-me e parto à caça, mas não é de ti: é de mim em vias de extinção. Já não o vejo há quase três meses, mas ele voltará. Não peço desculpa por seres o isco: é apenas justiça poética.
Num verso escrito a ácido, e com aquilo que é verdadeiramente o amor: um bocadinho de ironia, um bocadinho de sarcasmo, e o resto é descobrir o que se é para se encontrar quem se gosta.
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