quinta-feira, setembro 11, 2014

O valor



Existe uma lista na minha cabeça quando os dias são rastilho. Recolhe tudo aquilo que me impede de me fechar à vida. Com tanto balanço negativo que aqui aparece, a pergunta deve surgir várias vezes sobre o que ainda me mantém de pé, passando na linha dos dias como quem faz equilibrismo. Em primeiro, um cinturão negro em sarcasmo. Isso é óbvio. Em segundo, tudo que em baixo se amontoa num tesouro íntimo.

O olhar de orgulho da minha mãe quando chega a casa nas últimas semanas e encontra um filho com emprego. As natas de Condeixa. A luz que só se encontra quando, num quarto sonolento, se resolvem as pontas soltas de uma história dentro da cabeça. Seguir pela recta da Portela, a 80 à hora, num pequeno sorriso doloroso aberto pela "Wicked game". Sentir o coração debaixo do palato quando ainda penso nela. O meu reino no cimo de uma montanha, com Einaudi como meu escudeiro. Os farrapos de delícia em forma de tempo que antecedem o fósforo que acende dois lábios confessando sem palavras a vontade de se quererem. A vista do meu sótão. O sofá depois do trabalho. Os headphones na cabeça e o mundo desaparece. A mão que dou e puxa alguém de um poço, e esse alguém sorri com um obrigado e a existência ganha então razão. O próximo filme de David Fincher, seja ele qual for. Puré de batata feito em casa. As pevides compradas na praia. Sentir-me baptizado pela delícia de cada vez que mergulho mar. Sentir o efeito das minhas palavra no outro. Não acreditar que essas mesmas palavras ajudam quem seja, mas abraçar-me a mim mesmo no conforto de um agradecimento alheio de como a minha dor não me desarma em vão, Conseguir pôr a dor a trabalhar para mim. Escrever histórias que não podem ficar na minha cabeça. O céu limpo no cimo do Cântaro Magro. As minhas pernas a tremer no Pico Ruivo. Regressar onde me querem. Desorientar-me no livro onde me encontrei com o susto de mim. A possessão demoníaca do movimento Alegretto da 7ª de Beethoven. "Os Maias" uma vez por ano". JFK duas vezes por ano. Transmitir conhecimento, e reconhecer aqui que estavas certa. Os Penedos de Góis. Mostrar-me do outro lado da lente, aprisionando o mundo na liberdade do meu olhar. Aquelas pessoas mais rápidas do que a realidade, mais fascinantes do que o complexo e mais entusiasmantes do que o desejo. A Casa da Música a 23 de Março de 2013. Todas as vezes que pude aplaudir três indivíduos de Oakland que criaram uma casa de árvore dentro da floresta que é a minha racionalidade. A memória das molas na escada da minha avó Lurdes, e dela própria como uma cadeira onde me podia sentar com a certeza de que ser amado fazia parte da vida de criança. Quando outra ela me convidou para fazer pão. Beijar quem se ama. A volta ao corpo em 80 gemidos. Conversas em modo screwball. O prazer da inteligência e de alguém com quem se pode realmente aprender. Arroz doce quente. O entusiasmo de outros por coisas que valem a pena. Eu na cama e a chuva em código morse na janela, deixando mensagens na minha imaginação. Fruta fresca. O pedestal da boa televisão. Quando o encontro entre duas pessoas faz um sentido que não proibido. Ser eu.

A lista continua. Múltiplas razões, variados destinos, uma pequena caixa de madeira forrada a infinito Quando em modo infra, abrir. O que se vive parece ter imediata justificação entre tudo o que a pele guarda, regista e confere. O vale dos hemisférios é o único local onde me sento de olhos fechados e consigo ainda assim ver o universo. O cosmos numa lista que não se pode agarrar.

1 comentário:

Post-It disse...

Vês como sabes?
;)