segunda-feira, março 27, 2017

O Alentejo que vos deixo 1


Cinco dos quinze maiores concelhos de Portugal, em área, situam-se no distrito de Beja, e um deles é o meu adoptivo, Odemira. Como devem calcular, nenhum deles está sequer perto do mesmo top em população. Nem se dobrarem ou sequer triplicarem e podem avançar até aos quintuplos que precisam de chegar à posição oitenta para encontrar Beja como o mais populoso. Odemira ainda aparece nos 100 primeiros, mas com um rácio de 15 habitantes por quilómetro quadrado. Só surpreende quem passa cá o Verão. Viver nesta região do Alentejo é ter por companhia a própria solidão e encolher os ombros. Ou se tem um mundo interior ou então é o apocalipse: se gostar de correria e animação, apareça por cá nos fins de semana de festa. Caso contrário, aprenda a gostar de ler e do silêncio. Em alternativa, o meu conselho é que aprenda a gostar de fotografia, arranje um carrinho poupado e parta em busca de recantos alentejanos. Para um beirão como eu, para quem a montanha é um património dado e um recreio, o Alentejo pode oferecer dificuldades no que toca ao lazer predilecto. No entanto, não só porque sou amigo mas também porque vos quero ver cá por baixo (para me continuarem a dizer "Bruno, estás em Odemira, essa zona é tão fixe, vais todos os dias à praia" quando, na verdade, estou a 35 km da costa mais próxima e o calor está com aspecto de só vir lá pela altura em que José Sócrates recuperar a sua alma, negociada com o Diabo por intermédio de Jorge Mendes) deixo aqui algumas pequenas anotações turísticas sobre os passeios que já fiz aqui na zona. Antes de mais, um conselho: não se aleijem a sério - fracturas exigem raio X e de Colos à máquina mais próxima vão 100 km. Não se andam uma semana com um mindinho inchado depois de um espalho em calhaus só porque se quer a fama de duro.


Colos - Também conhecida como a Veneza do Alentejo (só por mim e quando uso um tom tão sarcástico até o ar fica ácido), é a terra preferida de monges tibetanos, São Bento de Múrcia e daquelas pessoas que não estão mesmo para aturar outras pessoas. Prolonga-se ao longo de uma faixa de estrada, tem uma escola e uma igreja com o mais aborrecido e irritante sacristão da raia alentejana, que faz suspirar pelo regresso das rotas de contrabando, mas para vê-lo daqui para fora. O destaque vai todinho para a mercearia Paga Pouco, talvez o estabelecimento com mais classe da vila e porventura a única coisa que faz com que Colos mereça o título de vila mesmo. Outra coisa positiva é a presença de 100% de benfiquistas nas transmissões de futebol dentro do café "O piriquito" (assim mesmo). Ainda dizem que só o ar da montanha é puro e limpo.


Ourique - Também conhecido como "Aquela terra onde há o Pingo Doce". 50 km ida e volta, levop eu lista de compras para me aviar um mês inteiro, que a gasolina está cara. Um belo miradouro encima esta sede de conselho, inspiração árabe e RDP.  No topo de uma antena, existe um terraço para estender a roupa, mas nem se estende, é mesmo o patamar superior do miradouro. Uma estátua de D. Afonso Henriques marca o orgulho do local e abstenho-me de explicar a qualquer nativo que a batalha de Ourique nunca se podia ter realizado ali... Ou então não foi uma batalha. Os restaurantes são calmos e pacíficos, mas também o são as suas cozinhas e se esperarem 45 minutos para manjar, não se admirem. Interiorizem que é o "Alentejo way of life" enquanto disfarçam a fome e se imaginam numa aula de zen New Age. Ourique é a coisa que encontrarão por aqui mais parecia com o labirinto do Minotauro, com ruas de sentido único que vos obrigam a conhecer a vila e culminam, inevitavelmente na Avenida as Laranjeiras, onde podem provar citrinos que foram aprovados pela própria GALP. Ourique denomina-se a terra do porco preto. Preto ou sujo: perguntem a um turista inglês que, estando à beira da estrada fotografando estes suínos pastando, comentava com a melhor: "These animals are muddy, they really like to bathe in mud".


Mértola - Também conhecida como "Aquela foto do Guadiana e do Castelo". Mértola tem a menor densidade populacional de Beja, que é um bocado como dizer que a Khloe é a Kardashian com menos plásticas. No entanto, compensa-o com um excelente aproveitamento do património arquitectónico que lhe calhou em sorte: a zona histórica é agradável, com uma vista excelente sobre o rio e vestígios romanos e árabes em redor de um castelo dos tempos da Reconquista que observa a paisagem. Podem atravessar o rio de barco e pagar, se desconhecerem por completo o conceito de pontes. existe um núcleo sportinguista cujo tamanho da sede o torna no segundo concelho com mais densidade populacional do distrito de Beja. O castelo é ideal para tirar fotos ou escutar idiotas que têm a mania de que são arqueólogos amadores e tentam impressionar os amigos confundindo o poço de água que abastecia o castelo com masmorrras onde "eh pá, os gajos queimavam-nos com azeite a arder e depois cortavam-lhes as pernas e os braços, era tudo aqui". Quando se fartarem destes energúmenos, têm duas hipóteses: ou escavam em direcção às Minas de S. Domingos ou dão um salto ao Pulo do Lobo. As Minas guardei para outras calendas (talvez quando lá passar com hobbits), mas a lupina referência é um interessantíssimo fenómeno geológico que, entre outros, impressionou José Saramago; no entanto, este também se impressionou por Pilar, logo... que sabe ele da vida? Confiem mais em mim: a cascata ruge e perde-se na rocha negra, revolve-se em ondas como se fosse um mar que brota da terra violento e agreste, impetuoso e em bofetadas e quando dão por vocês a tirar fotos fascinados caem e esbardalham-se todos nos calhaus à margem e se calhar até partiram um dedo, mas nem interessa. Ponto alto: as rectas de Mértola oferecem excelentes fotos de ocasos solares que vos darão a fama de saber fotografar.

Folheto 2 chegará brevemente...

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