sábado, outubro 14, 2006
Dinheiro = paz?
Naquela que pode ser considerada uma escolha interessante, o comité Nobel escolheu para recipiente do prémio Nobel da Paz de 2006 é um... banqueiro bilionário. Muhammad Yunus, do Balgladesh, e o seu Graemen Bank, venceram este ano o prémio, pela criação de um sistema de crédito que permitiu que mais de 6 milhões de pessoas saíssem do limiar da pobreza. Esse sistema, chamado micro-crédito, aplica-se a pequenos empresários ou pessoas que por serem demasiado pobres, não se podem candidatar aos empréstimos em bancos normais, usando o esquema de "grupos de solidariedade", onde todos são fiadores de todos, obrigando assim à cooperação.
O comité Nobel justificou a atribuição de um prémio Nobel da Paz a alguém ligado directamente a Economia, o que é a primeira vez desde que estas distinções surgiram, ao facto de que sem que largas fatias da população saiam da situação de pobreza extrema, a paz duradoura não pode ser alcançada. Este é também um meio de alcançar a democracia e os direitos humanos. Pela sua universalidade a todos os níveis, o sistema de Micro-crédito permitiu também que as mulgeres, em sociedade onde são habitualmente reprimidas, possam fazer parte do processo de desenvolvimento económico, contribuindo assim para a sua independência individual, e igualdade sexual.
Yunus não se enquadra no papel habitual dos laureados com o Nobel da Paz, de negociadores e promotores da paz a um nível puramente político e de direitos humanos, mas o seu esforço num campo da vida humana normalmente conotado como motivação de guerra é importante. Mostrar como o dinheiro, o inimigo público nº1 dos demagogos de esquerda, pode, de facto ser distribuído por todos e usado como promotor de paz é uma ideia muito interessante, e que, quanto a mim, só podia susgir num país como o Bangladesh, com a sua imensa população de pobres, e nunca num país demasiado rico.
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2 comentários:
Hum...é um método muito importante. É mesmo uma das ferramentas que a Cooperação e Desenvolvimento tem usado e que tem tido bons frutos, quer na criação de novos empregos, quer no suporte das emancipações das mulheres e de outras segmentos da população como as minorias (falo no plural porque não se trata apenas da emancipação económica, como é óbvio).
Mas há um lado sombrio na atribuição deste prémio, no meu entender. Os nóbel da paz, como dizes e bem, têm sido entregues a 'fazedores' da paz no sentido formal, e mal. Este nóbel, ao contrário do que tentaste argumentar, não é de todo inovador, de ruptura, mas sim, na verdade, de continuidade. Continuidade no sentido de valorização da 'paz' formal (e nem sempre paz, na realidade).
Em tom de caricatura, é um nóbel atribuido ao capitalismo. A um sistema económico e financeiro hipotecado que procura dentro de si mesmo, dentro das regras odo jogo que já existem, uma alternativa. Mas não se trata de uma verdadeira alternativa, como seria de esperar. Trata-se de uma alternativa falsa ou pelo menos 'enviesada'. Uma alternativa que faz eco de uma das máximas do Consenso de Washington... ai o capitalismo cria assimetrias? Traduz-se num inevitável corte das despesas públicas? Implica uma reestruturação fiscal? Uma atracção a todo custo de investimento estrangeiro? Um aumento de competitividade sem precedentes (à custa do desgaste ambiental e exploração laboral?) Então, a solução é simples. Para combater e eliminar os riscos do capitalismo só com mais capitalismo!
Volto à ideia inicial. O microcrédito é uma ferramenta útil nos ptojectos de C&D. É. Mas não é panaceia. E não resolve tudo. É um 'penso rápido'. Actua no curto prazo. Actua sobre as consequências nefastas do capitalismo. Não resolve, não minimiza, não actua sobre as causas dos desiquilibrios, mas sim sobre os sintomas.
Quanto à tua pergunta, é claro que dinheiro pode ser a base de uma parcela da paz. Mas a paz é multidimensional. E tem várias escalas: do nível pessoal ao interpessoal (as violências 'comezinhas', as dos dia-a-dia, directas ou indirectas, da agressão - individual ou nacional, no caso dos conflitos armados - à indiferença), passando pelo nível estrutural ao cultural (violências sistémicas patentes em sistemas económicos, legais, políticos, ambientais, educacionais e mediáticos discriminatórios e assimétricos).
Tudo isto para dizer que é uma pena que outros 'fazedores' da paz não sejam distinguidos na praça pública. Porque há muitas cidadãs e cidadãos que no seu dia-a-dia se dedicam 'à paz das pequenas coisas' e que como seu trabalho contribuem para utopia possível de elevar os seres humanos como prioridade, mudar comportamentos e empurrar alternativas não envenenadas de desenvolvimento.
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