sábado, novembro 17, 2007

"American gangster"



Este filme tinha tudo para ser o melhor do ano a seguir a "Zodiac": Denzel Washington e Russel Crowe protagonizam; Ridley Scott realiza; Steven Zaillian escreve; uma equipa técnica absolutamente intocável; uma história verídica de criminalidade com o pano de fundo da Nova Iorque da década de 70, fazendo lembrar "The french connection". O que podia falhar?
Ainda não sei bem o quê, mas alguma coisa falhou. Quero que percebam: o filme é bom. Mas não devia ser só bom, tinha potencial para ir bem para lá disso. O filme retrata, para quem não sabe, a história da ascensão e queda de Frank Lucas, o primeiro grande gangster negro dos Estados Unidos, que conseguiu o que ninguém antes conseguira: trazer droga directamente da Ásia e assim antecipar-se à Máfia, controlando o mercado de dorga de Nova Iorque. Lucas tem no seu encalço Richie Roberts, um dos únicos polícias honestos e incorruptíveis de Nova Iorque. Está aqui o material de que se fazem fitas míticas.
E nalgumas coisas, temos o que nos é pedido: Denzel Washington nunca consegue ser não-carismático, mesmo que lhe pedissem, e encarna Frank Lucas como um ícone, uma figura maior do que a vida, com toda a gravitas natural que uma interpretação denzeliana pode trazer. O filme foca muito a temática familiar e é perceptível porque é que todos seguem Lucas, mesmo quando as suas acções são reprováveis. A mulher, a mãe, os irmãos... O que ele faz, deve estar certo. Nós acreditamos em Denzel, e por arrasto cremos nisso. No entanto, e esse é um dos pequenos segredos omitidos nas críticas que li, Russel Crowe, num exercício de contenção minimal, que na sua carreira apenas encontra paralelismo em "O informador" é o centro estóico da história, o fio condutor que nos faz seguido, encarnando um polícia que louvável em todos os seus valores profissionais, na sua irredutibilidade como polícia e homem, mas que é incapaz de combater as suas próprias falhas: a falta de dedicação à família e o adultério que nele é tão natural como respirar. Ao opôr um homem imoral nos actos, mas recto nos valores, e outros que é o seu opoosto, principalmente quando o primeiro é gangster e o segundo polícia, Ridley Scott podia ter conseguido aqui uma fita verdadeiramente poderos, num duelo moral para o qual estava servido de espectaculares actores.
No entanto, este é um filme também de Brian Grazer, o produtor, e por isso a intriga cirminal nunca pode ser perdida de vista. O argumento envolve um grupo de polícias altamente corruptos, a relação de Lucas com um Don mafioso e as relações entre o crime e as foguras públicas do entretenimento. É aqui que o filme começa a ter demasiadas cordas para dedilhar e algumas delas acabam por ser só meio dedilhadas, fazendo o filme perder força. Os dilemas morais dos dois personagens principais estão lá, mas, à excepção da amizade de Roberts com o seu melhor amigo, que por acaso é sobrinho de um mafioso, nunca são convenientemente explorados e fica-nos mais uma narrativa escorreita, interessante de seguir, mas que não ressoa devidamente os grandes temas que o filme se propunha explorar. Nisso, é um filme falhado.
Tecnicamente, Scott passa o tempo a fazer uma compilação dos nossos filmes de gangsters preferidos: "Scarface", Goodfellas", "O padrinho" e por aí fora, adicionando-lhes a experimentação técnica que lhe é costumeira, embora nunca chegue aos calcanhares da demência do irmão Tony, que faz de cada filme sue uma experiência indicada para quem tem epilepsia e quer ter vários ataques seguidos. A fotografia de Harris Savides é soberba (superior talvez ao sue trabalho em "Zodiac", e isto é dizer muito) e o sempre excelente Pietro Scalia orienta-se nas convulsões técnicas de Scott, que, apesar de tudo, não deixa a sua marca neste género cinematográfico. Sendo parcial, dei por mim, a certas alturas, a suspirar por um cameo de Scorsese na realização.
"American gangster" podia ser um Don, mas acaba por ser apenas um capo, que tem agum poder, mas nunca se superioriza relativamente aos padrinhos.

1 comentário:

João Santiago disse...

Nunca há-de vir nenhum filme de mafia como o Padrinho.