quinta-feira, dezembro 16, 2010

Drama queen


Acho que não sou só eu que considero Julian Assange, um James Bond de secretária, um drama, ahm, queen (sim, sei que ele é um homem, e duas senhoras suecas poderão garantir que ele não terá grande coisa de "queen"). O indivíduo tem anunciado aos sete ventos que o perseguem, que é um megafone da liberdade e que a principal razão pela qual ele divulga documentos classificados (quão espectacular seria se ele tivesse decidido divulgar estes documentos não na Internet, mas nas próprios "Classificados"?) é pelo prazer que tem em esmagar os poderosos. Nobres motivos e designações, mas será que o que tem sido divulgado é assim tão secreto e bombástico?
A questão dos vôos da CIA é tão há dois anos que dei por mim a bocejar quando se confirmou que países como o nosso tinham dado luz verde aos senhores do outro lado do Atlântico (ou falcões da guerra, na terminologia bloquista). Não é segredo para ninguém que a Europa estendeu uma passadeira para Guantanamo. Quanto às opiniões e relatórios que os embaixadores e analistas fazem de determinadas figuras políticas (onde ouvimos novidades como o facto de o nosso primeiro-ministro ser muito telegénico e de o nosso Presidente da República servir muitas vezes de força de bloqueio ao Governo) parece a secção de fofocas e coscuvilhices de uma revista de sociedade. Na verdade, penso que é mais nesta lógica que se pode encarar a reacção dos governos mundiais: quando alguém descobre o que andamos a dizer nas costas dos outros, a reacção natural é zangarmos, amuarmos, acusarmos e cruzarmos os braços. Ou, como no caso de certo senador republicano, apelidar toda esta situação de "11 de Setembro diplomático".
Se no entretanto vier a público um documento onde se desvenda que Camarate foi orquestrada por sionistas em conluio com extraterrestres e Joaquim Letria, ou eventualmente a descoberta de que, oh céus, foi o capitão Nascimento a alvejar John F. Kennedy, não me parece que Assange se posso vangloriar de ser um mártir ou uma figura perigosa. Mas isso sou eu, que vivo numa ilha onde leaks e Alberto João Jardim têm muito pouco a ver com documentos classificados.

segunda-feira, dezembro 13, 2010

Funchal: uma perspectiva escrita


A cidade do Funchal obedece a um princípio que defendo há muitos: os nossos arquipélagos tinha, quando os Portugueses lá chegaram, gigantescos letreiros em néon que diziam "Território selvagem e impróprio para a a vida! Estais por vossa conta e risco!". Portugueses como somos, cagámos para um aviso claro e decidimos lá meter coisas e coisinhas e coisonas. Com os resultados que se vêem: desastres naturais, jigajogas várias para domar a natureza e também pedofilia em dose dupla. Isto não pode ser coincidência.
Para quem conhece Ceira, o Funchal é o Cabouco, mas maior e com mar ao pé. São ruelas e ruinhas, todas inclinadas, algumas deles meio saídas da selva, e há uma grande rua pelo meio, no caso a Avenida do Mar. Acrescentem uns túneis e umas estradinhas mais largas fora do centro, e têm o Funchal. Uma capital de distrito que faz Coimbra parecer Londres. Olhamos em volta e a nossa cabeça dá um salto geográfico. Vejo-me imediatamente em Bogotá ou Caracas, porque o capacete de nuvens que constantememte ofusca a cidade agarra-se os topos dos Picos madeirenses, verdes, luxuriantes, dando a ilusão que mudámos de continente. Em certa medida, é verdade, pois em proximidade, mais facilmente a Madeira se habilitaria a pertencer à União Africana do que à União Europeia.
Há, no entanto, coisas boas. O mar, para começar. Em dias de sol (que não são raros), pode passera junto à Avenida do Mar e olhar o oceano, com as Três Marias (as ilhas desertas) lá ao fundo ainda é algo de transcendente. Três meses passados. Esta cidade, com duas veias expostas e sempre dispostas a coagular e lançar a confusão, tem um efeito de repulsa sobre o meu instinto, mas ao mesmo tempo, acaba por me confortar ocasionalmente, com pequenos prazeres que eu já tinha esquecido que eram grandes para o meu próprio sentido de prazer. Isto pode ser a Latina América, mas não tem só favelas: há ocasionalmente um Pão de Açúcar para nos consolar a vista. E não, não há aqui um trocadilho maroto escondido. O porquê virá mais tarde.

Avaliações (ou "I believe the children are the future")


Antes de mais, peço reais desculpas por ter vindo a escrever tão pouco neste exílio madeirense. Aparentemente, trabalhar tem dois efeitos secundários: reduz a vontade para certas coisas e provoca cansaço. Por infeliz coincidência, ambos influenciam a produção deste blog. Vou tentar vencê-los e entregar.vis belos nacos de prosa. Ou então vou só tentar vencê-los. É melhor não ser demasiadamente exigente comigo mesmo.

Opinar faz parte do nosso DNA como seres humanos. É um desporto que praticamos com regularidade, e em que basta um pormenor para acontecer grande espectáculo. Avaliar alunos é obedecer ao nosso DNA, mas com a recompensa de um salário. No entanto, parece melhor do que é.
Não gosto muito de avaliar por diversos motivos, sendo que alguns deles são resquícios do meu tempo de aluno revoltado com a injustiça das notas. Atribuir um número ao esforço de um aluno é redutor, ainda mais quando o máximo é a nota cinco. Porque há quatros e quatros, e a distinção não aparece na pauta. Dá vontade de chegar junto de determinado aluno e quase pedir desculpa por lhe dar nota igual a outro que não lhe é igual, mas que, segundos os regulamentos da escola, se lhe equipara. Equilibrismo no seu melhor, e um desporto que acaba por ser radical para a nossa consciência.
No meio desta confusão, uma satisfação: duas notas 5 estão garantidas. Assim, de caras, num primeiro período, e dadas com aquela certeza que, em momentos raros, dá aos professores uma sensação de missão cumprida, por um lado, e por outro de "f***-se, não estragues essa m***a". A menina na foto acima não me tirou 100% nos dois testes por 2% e uma idiotice que me levou quase às lágrimas. Ter uma aluna com este potencial nas mãos assusta-me. Ter mais 5 ou 6 como ela dá-me a volta aos intestinos de uma maneira boa. Sempre disse, e defendo, que é muito mais fácil lidar com maus alunos do que com bons alunos. Ninguém espera nada dos bons alunos. Se eles de repente tirarem boas notas, é lucro para quem ensina. Pegar em bons alunos e levá-los a cumprir todo o potencial que têm... Esse é o desafio, principalmente quando lhes pegamos quando são mais novos (isto soou mais pedófilo do que é realmente). E já sei que comigo, os desafios têm aquela relação difícil. Para meu bem, e para bem do negócio funerário da Madeira, espero que este seja um caso diferente!

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Daqui a uma semana...

É como quem corta e vira... É que é mesmo já ali!

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Filme de fim de semana


Título: "The fall"

Realizador: Tarsem

Elenco: Lee Pace, Catinca Untaru, Justine Wandell

Sinopse: Los Angeles, 1915. Uma criança romena, Alexandria, recupera num hospital, de uma fractura no braço. Aí, conhece Roy, um duplo de cinema que perdeu o uso temporário das pernas. Sob o pretexto de que ela lhe roube morfina, Roy conta-lhe uma história, que a menina visualiza através das sua prodigiosa imaginação.

Review: A última vez que um estúdio deu rédea solta ao talento visual de Tarsem, que se tem exprimido nos últimos anos em vários anúncios e videoclips (como "Losing my religion"), ambos deram ao mundo "A cela", um filme cuja horripilância nem se pode descrever. O estilo barroco do realizador indiano tornou uma história já de si bizarra acerca de serial killers uma coisa horrível.
"The fall" é exactamente o oposto. Sendo um projecto pessoal e que Tarsem financiou com o próprio dinheiro, a obra segue o jeito pessoal que o indiano tem: quanto maior, melhor. No entanto, o contexto de fábula acaba por ser o mais indicado para Tarsem deixar expandir o inegável talento que tem para pintar quadros de imagens em movimentos. Dificilmente encontrarão um filme visualmente fabuloso do que este. Sem efeitos por computador, jura o realizador. E quando virem o filme, percebem que este facto torna tudo ainda mais espantoso. A colaboração do fotógrafo Colin Watkinson é fundamental, e o exagero natural de Tarsem tem o seguimento devido com o guarda-roupa da grande estilista japonesa Eiko Ihsioka, que já tinha dado ao Dracul de Gary Oldman, no filme de Coppola, um look absolutamente excessivo, mas inesquecível. "The fall" tem o tipo de imagens que nos fazem esquecer de respirar por segundos, como se o prazer dos nossos olhos provocasse um qualquer problema nos pulmões.
Esse é, aliás, o ponto forte do filme. É um murro estético poderosíssimo, um objecto rarísimo e que devemos apreciar, pois nos tempos que correm, nenhum estúdio em Hollywood iria financiar um filme deste género, sem actores conhecidos no elenco. É uma das grandes belezas do filme: a cada momento, estamos a apreciar algo de perfeitamente irrepetível. Enquanto assistia a "The fall", sentia-me especial por isso mesmo. Tanto mais que esta obra teve pouca divulgação, e assim, mais especial me sinto por poder desfrutar do poder visual deste filme. Claro que "The fall" nunca consegue caminhar equilibradamente entre olhos e cabeça. O argumento deste filme é desprovido de arcos narrativos de personagens e estrutura, e o balanço entre a fábula que se conta e a vida real está feito de forma atabalhoada. Mas já "Moulin rouge" era assim e não é por isso que o acho um filme menor.
"The fall" é um objecto bizarro, numa história construída a três, entre Alexandria, Roy e nós próprios. Mesmo os problemas de co,unicação entre a menina romana e o duplo norte-americano se reflectem nas nuances da história (por exemplo, entendimento diferente que ambos têm da palavra "indian"). Está cheio de pequenos pormenores fantásticos tiradas engenhosas, que nunca se perdem num todo incoerente. Não sei se isto se deve à habilidade de Tarsem ou à força esmagadora das imagens que cria, mas é um facto que este é dos filmes mais extraordinários feitos no século XXI. Não necessariamente dos melhores, mas aquelas obras que saem fora do normal e que nos sabem dar cinema em grande escala e poderoso sem se armar ao pingarelho.Excessivo, magnificamente belo, raro. É a imaginação de um artista ao serviço do nosso prazer.

P.S: A sequência de créditos de "The fall" é uma curta-metragem à parte, que tem das melhores utilização do Alegretto da 7ª sinfonia de Beethoven que já vi.

sexta-feira, dezembro 03, 2010

terça-feira, novembro 23, 2010

Gaivotas em terra...


...tempestade no mar. E é onde ela anda bem, que assim faz sol na Madeira. O problema é que acho estar a ficar com o síndrome dos suecos ao contrário. Sinto a falta do Inverno.

sexta-feira, novembro 12, 2010

Madeira 4

Todos os dias me fazem questão de lembrar de que tenho duas existências separadas. Uma é aqui neste bocado de matéria sólida cuja proximidade geográfica mais pede a adesão à União Africana do que propriamente à sua congénere europeia; outra continua, imperturbável centenas de quilómetros além-mar. Recebo e-mails que me tratam como se Bruno Fernandes estivesse por Coimbra, levando a sua vida normal. Convidam-me para aparecer em Conselhos Regionais e oferecem-me bilhetes para ante-estreias no Fórum Coimbra. Uma beleza. Enquanto tento calcar com entulho as saudades que vou tendo de coisas e pessoas, alguém me faz questão de lembrar de que existo noutra realidade. O problema é que começo a pensar se realmente o meu outro eu se está a divertir mais do que eu.

Um evento inédito surgiu esta semana: dei 100% a uma aluna. Gostava de ter o crédito, mas o raio da miúda é esperta e trabalha. Parecendo que não, juntar ambas costuma ajudar a ser bem sucedido, como me lembrei várias vezes nas minhas reflexões acerca de "Porque é que não terminei a tese?" Segundo a directora da escola, a minha alcunha entre alguns alunos é "Bin Laden". Pegarem por causa da barba? Please... Miudagem, mais criatividade. Um dos meus alunos disse que era o professor mau, com respeito. vêem? É assim que se arranjam boas alcunhas: com a perspicácia aguda que capta as qualidades mais salientes do indivíduo.

Se outra coisa não levasse desta experiência, fica isto: castanhas assadas são tão, tão boas!

E é isto.

Ponto intermédio




Dou um olhada 15, 20 filmes possíveis de vir a aparecer nas nomeações dos Óscares deste ano e chego à conclusão de que este poderá ser o primeiro ano a sério desta história de se lançar uma dezena de concorrentes à arena, em vez de cinco. Queria chamar-vos à atenção para este pormenor, pois sei que há de entre os leitores habituais quem, como eu, aproveita esta antecâmara oscarizante para escolher filmes para ver no cinema em casa. Em primeiro, de entre os que já estrearam em Portugal, vejamos quem se destaca nesta corrida.
"Inception" preenche o requisito "dinheiro". Neste dez, quase de certeza haverá um filme que simbolize o voto popular, e este possui a junção certa de qualidade e lucro. Para além disso, mitos urbanos dizem que esta história dos dez nomeados só apareceu, porque a vergonha de não ter posto "The dark knight" como concorrente aos Óscares era demasiado grande para ignorar; "Toy story 3" é, atrás de "The social network", o filme com melhores reviews do ano. Para além disso, é Pixar e já sabemos o que isso significa nos Óscares. E o meu comentário a "The social network" está em baixo, e mais adendas a tamanha perfeição reunida num só filme são redundantes e uma ofensa séria à sua qualidade. E não esqueçamos "Suutter island", com a combinação sempre prometedora Scorsese + Di Caprio.
Quando olhamos para o que ainda está para estrear nos próximos 4 meses, a nossa cabeça corre o sério risco de explodir. "127 hours", o novo de Danny Boyle, sobre Aron Rolston, o inconsciente que ficou com o braço preso debaixo de um calhau no Utah, parece ser o tipo de experiência visceral que faz esquecer o tom algo parolo de "Slumdog millionaire"; "The black swan" traz Aronofsky de novo a estas brincadeiras, mas desta vez a sério, num filme acerca do mudno do ballet, que envolve psico-drama, avarias da cabeça e uma cena lésbica entre Natalie Portman e Mila Kunis; "The way back" é o regresso do maior realizador australiano da actualidade, Peter Weir, num épico de fuga de gulag que mete ao barulho Jim Sturgess, Colin Farrell e o sempre grande Ed Harris na tundra siberiana; "Get low" parece ser o tipo de bizarria americana que se fazia muito na década de 80, muito kitsch e seca ao mesmo tempo. E com um elenco com Robert Duvall a fazer de tipo de convida gente para o seu próprio funeral, anunciando-o atempadamente, Sissy Spacek e Bill Murray a fazer de coveiro, o que não há para gostar?; "Hereafter" é "Ghost" em versão Clint Eastwood com Matt Damon. Como não ficar curioso?; "Fair game" é um filme onde Naomi Watts faz da espira americana Valerie Plame e Sean Penn o seu marido. Poucos filmes conseguem soletrar "Oscar" melhor do que este; e há ainda "True grit", o novo dos Coen com Jeff Bridges, Matt Damon e Josh Brolin, e "The fighter", que reúne três espalha-brasas, e duas actirzes já nomeadas: David O. Russel realiza e Mark Wahlberg, Christian Bale, Amy Adam e Melissa Leoa interpretam.
E este pode ser o ano em que, simultaneamentre, David Fincher e Natalie Portman podem ganhar o Oscar. Deus e a Deusa? No mesmo ano? Quando ouvirem uma explosão por volta do final de Fevereiro, será a minha cabeça no Funchal.

sábado, novembro 06, 2010

"The social network"


Dustin Hoffman contou uma vez que, num jantar com Laurence Olivier durante as gravações de "The marathon man", perguntou ao lendário actor britânico a razão pela qual alguém escolhe a profissão de actor. Olivier parou um pouco. Ergueu-se da cadeira e colocou-se a milímetros da cara de Hoffman, dizendo repetidamente "Look at me, look at me, look at me." Se fosse vivo, Olivier teria sido um ávido utilizador do Facebook, pois esta é a sua natureza como rede social: o constante afirmar da nossa presença num mundo; a chamada de atenção permamente para os nossos gestos e pensamentos, como se tivéssemos encontrado um palco global; e por fim, como Sean Parker diz no filme "The social network", o ponto seguinte na evolução da mobilidade humana. Se das quintas mudámos para as cidades, das cidades mudámos para a Internet.

E no entanto, "The social network", é preciso esclarecer já isto, não é um filme do Facebook, nem acerca do que é o Facebook. Não é um biopic do seu criador, Mark Zuckerberg. Retrata, através de dois processos judiciais, as pantanosas origens deste projecto e o que levou Zuckerberg a ser o mais jovem bilionário da história. Vamos desde os dormitórios de Harvard até edifícios de betão em Nova Iorque, e Silicon Valley na California. O que "The social network" é torna-se difícil de definir enquanto vemos o filme. Um conto moral? Um drama de tribunal? Um filme de zeitgeist? Uma comédia negra? Eu próprio tenho medo de categorizá-lo. E talvez seja melhor ficar por aqui.
Assim sendo, o que o filme é, na realidade, é um relato dos factos, entregando ao espectador a tarefa de tirar sentido deles. Escolher o seu herói e escolher o seu vilão. Entre Mark Zuckerberg, Eduardo Saverin (o seu melhor amigo e co-fundador da rede social) e Sean Parker (bad boy informático fundador do Napster e mentor momentâneo de Zuckerberg a certa altura da história), temos motivações e princípios discutíveis. Se dermos primazia ao valor de uma ideia e sua defesa, Zuckerberg é o nosso homem; se formos mais sentimentais e admirarmos a amizade entre duas pessoas, apoiamos Saverin; se acharmos que o poder económico e a influência são tudo, puxaremos certamente por Sean Parker.
"The social network" é sobre muita coisa: sobre o nosso DNA básico como humanos, independentemente da entrada do mundo virtual na nossa vida; sobre a necessidade que temos de comunicar; sobre o poder da exclusividade e a luta eterna que travaremos em sermos aceites dos locais onde nos põem fora (no caso, o filme usa o habitat de Harvard e das universidades de Ivy League norte-americanas. Entre as muitas ironias do filme, não se perde a de que uma ferramenta que une tanta gente de forma democrática surgiu num dos meios mais exclusivos do mundo. E sendo tão universal e acessível, talvez como vingança contra o mesmo); sobre uma nova espécie de nerd que raramente aparece, aquele que movido pela vingança, está decidido a tomar conta do mundo. Mas é acima de tudo sobre ideias e sobre o timing de encaixe no nosso mundo. O Facebook vale não como prodígio da tecnologia, mas porque, como Zuckerberg tão bem se apercebeu, coloca toda a experiência universitária num site. No fundo, as nossas acções não são assim tão complexas. Na maior parte das vezes, as nossas motivações são primárias e simples, e podem ser todas encontradas naquilo que é o Facebook. O argumento deste filme é tão rico que esta é apenas uma das ideias que se podem ter. Falar sobre este filme não implicava um post, mas vários. Poderá acontecer.

É estranho que a grande vedeta de um filme de David Fincher seja o argumento, mas é verdade. O brilhantismo de "The social network" começa com o superlativo guião que Sorkin constrói habilmente. A estrutura de história principal e duas secundárias dos processos movidos contra Zuckerberg permitem expôr a informação de forma muito eficaz, rápida e, o mais importante, em entretenimento constante. Nós não somos atraídos pelo filme: basciamente, ele puxa-nos e não há volta a dar. As falas são apenas para actores fluentes em Sorkinês, que possuam a habilidade de disparar palavras como se a boca fosse uma metralhadora. Muito se fala netse filme, e já há muito que não via uma fita com uma dose tão grande de frases imediatamente citáveis.
Ajuda que o cast do filme saiba exactamente como dizer. Destacam-se com facilidade os secundários: Andrew Garfield, como Eduardo Saverin, é exactamente o tipo bem intencionado e de ideias pequenas (um crime para Zuckerberg) que nos deve mostrar. É quase impossível não sentir pena dele e da forma como se deixa levar e enrolar pela maré dos acontecimentos. Justin Timberlake põe o seu carisma ao serviço do nerd rock star, Sean Parker, o criador do Napster. A certa altura, é quase perceptível ouvir a língua de Timberlake bífida, como que se fosse um diabo; no entanto, isto nunca me fez diabolizar o personagem de Parker, e isso deve-se ao actor/cantor, que se está a tornar num caso interessante de músico transformado em actor. No entanto, o destaque principal vai para Jesse Eisenberg. Que interpretação! Eisenberg tem a habilidade de falar muito rápido, mas sempre a parecer mais inteligente que os restantes. Poucos actores conseguem fazê-lo, e sem isto, seria impossível interpretar a arrogância intelectual de Zuckerberg. Eisenberg é tão bom no papel que corre o risco de parecer demasiado natural para ser considerado uma interpretação, e só por isso ele corre o risco de não estar nomeado para o Oscar de actor principal.
Fincher não se apaga, como muitos têm dito, mas este é claramente uma fita para doutorados fincherianos. Não é perceptível de imediato a sua autoria, mas certos planos não enganam. Começou-se a criar o mito de que esta é uma novidade para Fincher, filmes palavrosos, mas "Zodiac" é mais palavroso e complexo a nível narrativo do que "The social network". Fincher traz ao filme duas coisas. Em primeiro, uma das melhores sequências do ano, numa regata de canoagem; noutra, a inteligência evidente de quem percebe o grande quadro. Tendo a inteligência suficiente para perceber a direcção certa da história, o realizador revela ser um excelente director de actores e alguém que consegue prender o espectador ao ecrã numa torrente narrativa, dando o melhor uso possível ao argumento de Aaron Sorkin.

"The social network" é para dois tipos de pessoas: fãs devotos de David Fincher e gente inteligente que ainda gosta de ir ao cinema à espera de ser bem alimentada, com um filme que fala de algumas das coisas que nos fazem mover hoje, e desde que nos começámos a aperceber de que somos gente. é sobre várias ironias: a dificuldade de socialização do homem que inventou a maior rede social da história; da democracia da comunicação surgida num dos ambientes mais exclusivos do mundo; de como uma visão, por maios revolucionária que seja, é sempre impossível de ser compreendida na totalidade; e de como num mundo movido por interesses, movido por falsas proximidades, há um elemento que nos faz andar a correr feitos doidos atrás das coisas: as pessoas.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Ao longe, o mar...


A pedido de várias formigas, sim, há fotos da minha estada na Madeira, que provam inequivocamente de que não estou em casa, encerrado no meu escritório, a espetar petas.

terça-feira, outubro 26, 2010

Madeira 3

Falar sobre a Madeira com a generalidade dos madeirenses implica, descobri, abstraírmo-nos da existência da noção de crítica. Afirmar que a Madeira é pouco menos que o paraíso na Terra soa, aos ouvidos de um autóctone, dizer que isto é um pardieiro e a latrina do próprio Satã. Isto torna o diálogo com os madeirenses um exercício fútil, próximo de tentar explicar noções de honestidade a Pinto da Costa. Começa-se a entrar num clima próximo daquele que se vive no Mercado dos Lavradores e está assegurado o debitar de clichés de feiras e a aparição em grande do labrego no seu estado mais puro. Estranhamente, Alberto João Jardim parece-me ser, em definitivo, o governante mais adequado a este pedaço de território.

O apartamento onde vivo tem pequenas particulariedades irritantes. A inexistência de estores é apenas a ponta de uma lança que inclui torneiras demasiado próximas do lavatório, varandas com aparéncia frágil, maçanetas prontas a partir à mínima força, um chuveiro a que chamo de "Torquemada" por razões óbvias, um esquentador que vai até às Canárias buscar a água quente e um chão de mármore que implica uma limpeza cuidada dos chinelos depois do banho.

A pior coisa de ensinar na Madeira? Tentar dar como exemplos coisas que existem em Portugal continental e lembrar-me a meio que a maior parte destes miúdos só o viram pela televisão, e apenas pedaços. Estava há uns dias a dar uma aula sobre cultura medieval e referi como exemplo de um edifício gótico o mosteiro da Batalha. Desconhecimento geral... Ora esta semana, munido de uma apresentação powerpoint, leccionei devidamente a arte medieval. Quando sugre o mosteiro da Batalha, e não revelando a sua identidade, disse que aquele era um dos meus monumentos preferidos. Um aluno brindou-me com a deliciosa pergunta: "Professor, isso fica em que país?" Quando lhe disse que pertencia à nossa lusa terra, a incredulidade na cara dele elucidou perfeitamente a verdadeira distância que existe entre este rochedo basáltico e a terra de onde provenho. Como no caso dos madeireneses labregos (porque existem madeirenses bem porreiros, é como em todo o lado), é tudo uma questão de perspectiva.

domingo, outubro 24, 2010

"The town"


A expressão "Ben Affleck cineasta" ainda causa alguma confusão no uso, mas há que dar a mão à palmatória: o homem merece. "Gone baby gone" era um filme interessante, se bem que desequilibrado, ancorado numa performance secundária. Em "The town", Affleck repete tudo o que faz dele um bom realizador, num nova história de crime na cidade de Boston, a sua musa da mesma maneira que Nova Iorque é de Woody Allen.
"The town" traz-nos a história de um qarteto de assaltantes de bancos, encabeçada por Doug, interpretado pelo próprio realizador, e Gem, superlativamente trazido à vida por um Jeremy Renner que pareceu ter tomado demasiadas anfetaminas depois de uma noite a beber shots de adrenalina. Eles são muito bons no que fazem, mas quando cometem um erro que pode levar à sua prisão por um agente do FBI (Jon Hamm, em modo anti Don Draper) com um interesse no caso a raiar o obsessivo, Doug vê-se obrigado a travar conhecimento com uma das reféns do assalto depois do mesmo, de modo a garantir que ela não viu nada que possa incriminá-los. No entanto, já se adivinha que isto vai dar em paixão e o personagem principal fica dividido em tantos dilemas que parece o mastro de um navio apanhado numa tempestade de Maio no cabo Horn. Com um novo assalto a aproximar-se e uma séria ameaça à sua fisiologia e à daqueles com que se importa, cabe ao esperto ladrão não se deixar tramar.
A história, adaptada de um romance de Chuck Hogan, tem alguns lugares comuns do heist thriller: o policial obcecado; a paixão pela mulher errada; o último trabalho que compra uma saída para uma vida que não se quer. No entanto, Affleck casa bem isso com o grande trunfo do filme, a cidade de Boston. Isto pode parecer sacrílego, mas nem Scorsese fez um melhor aproveitamento desta metrópole suja em "The departed". Affleck é natural da capital do Massachussets e nota-se isso, quando filma. Não é que ele seja dotado tecnicamente, mas escolhe os ângulos exactos que captam o espírito dos edifícios e o labirintismo das ruas. Isto não se ensina numa escola de cinema, aprende-se crescendo no sítio. Affleck pode estar destinado a ser o poeta cinematográfico de Boston, e dentro do typecasting comum em Hollywood, este não é nada mau emprego.
Tal como em "Gone baby gone", alguns dos grandes actores de Hollywwod parecem querer dar uma mãozinha a Affleck, mesmo que, no caso de Chris Cooper, seja para aparecer cinco minutos numa cena apenas. Rebecca Hall, no papel da mulher que pode fazer com que Affleck queira realmente sair de uma vida de crime, está impecável, sotaque e tudo, e Jon Hamm (com a companhia à guitarra de Titus Welliver, também conhecido como o Monstro de Fumo Negro da série "Lost são uma interessante dupla polícias filhos da mãe (em Boston, os heróis são sempre os bandidos), mas a grande surpresa do filme, para mim, é Blake Lively, mais conhecida por um papelucho insosso na série "Gossip girl", e que aqui, como uma prostituta ainda apaixonada por Doug, é uma completa surpresa de transformação, transmissão de emoções, sotaque bostoniano, presença... Tive de morder a língua, honestamente, depois de vê-la. Se começar a escolher os filmes correctos, podemos ter aqui alguém que pode ir longe: já tem o palminho de cara, o enche decotes e o talento para tal. Renner poderá vir a ser nomeado para o Oscar de melhor actor secundário, e o filme começa a ganhar buzz suficiente para entrar no campeonato de Melhor filme.

"The town" é um daqueles filmes à antiga. Primeiro, é para adultos ou para jovens que pensam como tal. A história é simples, no entanto bem contada em estilo clássico e escorreito, uma raridade nos dias que correm. Sem saber ler e escrever, Ben Affleck conseguiu reunir Dylan Tichenor para a montagem e Robert Elswitt para a direcção de fotografia, e com a equipa técnica habitual de Paul Thomas Anderson, qualquer filme fica automaticamente melhor. ão sendo um realizador de técnica apurada, consegue algumas sequências muito interessantes (a set piece do último assalto está muito boa a nível de tempos e ângulos de câmara) Affleck não é um Fincher, um Nolan ou um Jonze. Nunca fará um filme definitivo, uma obra-prima eterna da história do cinema; terá, no entanto, uma carreira incrivelmente consistente, porque percebe como apresentar uma história ao espectador, como gerir personagens e como escolher actores. Por muito básicas que estas qualidades nos pareçam, não há muitos que as tenham. David Lynch, por exemplo, pode ter feito "Veludo Azul", mas não as tem. Tendo juizinho e continuando por este caminho, Affleck poderá vir a apagar das nossas memórias "Gigli" e "Pearl Harbou", e isto é muito mesmo. É, a propósito, curioso este regresso ao passado por parte do eterno compincha de Matt Damon. Em "Good will hunting", um homem mais dotado que os amigos numa área acaba por descobrir que a solução para a sua vida está precisamente em abandonar o meio e a cidade em que sempre viveu. 13 anos depois, Will Hunting volta a Boston, como criminoso, mas também genial na sua arte; e sabe que a resposta para os seus problemas está fora do que lhe é familiar. Mas agora está preso em Ben Affleck, que descobriu exactamente a mesma solução, mas atrás de uma câmara.

quarta-feira, outubro 13, 2010

Porque no exílio, Napoleão montou umas duquesas...

..aqui vão algumas das pequenas coisas boas da estadia na Madeira:

1 - Em 80% da viagem no primeiro autocarro que apanho diariamente, tenho vista directa para o mau, com direito a odor salino nos cinco finais. Há poucas maneiras melhores de se cmoeçar o dia.

2 - Descobrir que afinal, fazer compras do quotidiano pode ser extremamente relaxante.

3 - ter sol na maior parte dos dias.

4 - Poder ver "The daily show" sem que ninguém me chateie.

5 - Ver os jogos do Benfica rodeado de desconhecidos, num café

6 - Sentir algum orgulho quando se apanha um daqueles alunos com potencial para fazer coisas no limiar do espectacular

E por enquanto, é isto!

quinta-feira, outubro 07, 2010

Ferro a arder pelos olhos dentro


Uma novela da TVI foi nomeada para um Emmy internacional. Não vou repetir. Não quero. Teria de encher a boca de ácido. E não, isto não é piada.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Madeira 1

No início da minha terceira semana no desterro basáltico, sinto-me pior do que Napoleão em Santa Helena, até porque ele, por esta altura, já tinha aviado três mulheres de embaixadores, pelo menos. A minha cabeça já se resignou o suficiente para perceber que estarei aqui até fevereiro, só irei para o continente pleno de mau tempo (e por aqui, um sol daqueles) em Dezembro e o melhor é visitar coisas, aproveitar o que aqui há e ir entretendo a vida durante seis meses.
Os fins de semana acabam por ser o ponto mais baixo dos meus dias aqui, neste início: vou aprendendo a ser dona de casa, mas sem vagina. Passo roupa, faço comida para a semana, limpo chão e móveis, e ainda tenho tempo para ir às compras a dois hipermercados diferentes. A minha mãe deve-se estar a rir agora em casa, e eu serei gozado pela blogosfera em pso quando todos se aperceberem que escrevi que ir às compras para casa é um momento que anseio todos os fins de semana. E porquê? Porque saio de casa para fazer alguma coisa. É o quao animadora é a minha vida na Madeira.
No entanto, há compensações diárias, pequenas coisinhas que me alimentam o espírito. por exemplo, o primeiro autocarro que apanho passa mesmo à beira do mar e todos dias, vejo aquilo que me acalma, mas ao mesmo tempo me separar do que deixei em Portugal... Continental (erro e correcção quase pavloviana, antes que me espetem um soco. Este percurso que faço é bem o retrato de como tem sido a minha vida aqui: um tédio de betão, pontuado por entrevistas de coisas boas; e não, não estou a falar do facto de a Madeira ter mais MILF por metro quadrado do que qualquer outro local em Portugal!

segunda-feira, setembro 27, 2010

Mensagem oficial

Caros fãs e pessoas cujo maior erro foi confiar no Google search

Bem sei que faz algum tempo que não palro aqui. Um dos leitores deste blog é testemunha de que havia um muito bem urdido plano para relançar em força a torrente escrita no estaminé, mas eventos imprevisíveis lançaram isso para segundo plano. Ao que parece, estou num rochedo em pleno oceano Atlântico, a que dão o nome de Madeira. Não, ainda não travei conhecimento com o balofo dirigente aqui do granito e não, não me vou casar com nenhuma madeirense. Cheguei cá inteiro, estou em casa própria faz amanhã uma semana e ando numa fase de adaptação, hum, custosa. A coisa meio que vai (tem de ir) e até Fevereiro, é seguir em frente, trabalhar (não desmaiem de emoção, tenho um emprego) e tentar aprender alguma coisa pelo caminho.
Posteriormente, trarei impressões, que não digitais, e fascinantes relatos (ou apenas daqueles de encher chouriços) aqui para este canto. Quis apenas relembrar que não me esqueci deste meu filho, e ele não será uma Maddie, perdida nas praias de calhau negro deste bocado a que Gonçalves Zarco chamou um dia "Estás-me a enganar! Saltai da gávea para levar açoites.... Vamos bater!!!". Chamaram-lhe Madeira, apenas porque mais curto.

A gerência

sexta-feira, agosto 20, 2010

Intelecto 2


Acabei de ler aquela que considero ser uma obra científica de enorme qualidade, importante nos tempos que decorrem, e que será, evidentemente, ignorada. Falo da trilogia "Dimensions/Confrontations/Revelations", porventura o testamento do astrónomo francês Jacques Vallee no que diz respeito à investigação da temática OVNI. Tentando resumir muitíssimo brevemente, "Dimensions" aborda a presença quase eterna do fenómeno na história humana e traça paralelos entre folclore universal e relatos actuais (incluindo milagres religiosos), para além de retratar vagas de observações de dirigíveis e outras veículos aéreos em épocas onde seria impossível tal acontecer; "Confrontations" é o relato das investigações no terreno feitas pelo Dr. Vallee, nomeadamente casos que se destacam pela sua impossibilidade e alguns acontecimentos na bacia do Amazonas no final da década de 80; "Revelations" aborda o lado negro do fenómeno, ou seja, a manipulação humana do mesmo, que ser seja através de cultos, quer da estratégia de descredibilização feitas por algumas entidades públicas e privadas.
A razão pela qual esta trilogia é essencial prende-se com um aspecto muito simples: intelecto. Vallee, que se classifica dentro da ovnilogia como um "herético entre heréticos" age como um cientista real e procede a uma recolha de provas no terreno, em vez de mandar bitaites do seu cadeirão ou laboratório. Quem, perante a barragem de provas que ele apresenta, ainda se atrever a dizer que todo este fenómeno é mania ou má interpretação por parte de sujeito, deve ser automaticamente designado de absolutamente idiota. Não é uma boa sensação, sei-o por experiência, mas é realmente a única maneira possível de classificar tal estupidez. O cientista gaulês não teme ninguém, crentes e não crentes. Limita-se apenas a pegar nos dados existentes e a analisá-los directamente, como se estivesse a tratar do assunto mais credível do mundo. É essa falta de medo, e consequente presença de espírito e seriedade, que falta em muitos campos da ciência actual. Vallee procede a trabalho de campo, fala com testemunhas e demonstra uma saudável curiosidade, e necessária dose de cepticismo, essencial quando se navega num terreno tão pantanoso como é a ovnilogia. Em suma, não fica num cadeirão a fazer dos outros parvos, e dizer que o planeta Vénus é a explicação a dar quando alguém diz que viu um objecto sólido e metálico a umas dezenas de metros dos olhos.

Aconselha-se a leitura para interessados e não interessados. Os interessados poderão prosseguir na certeza de que estamos realmente perante uns dos fenómenos científicos mais fascinantes dos tempos recentes; os nãop interessados poderão confrontar sem complexos os próprios preconceitos relativamente a este campo. Quando a ciência se retira voluntariamente de uma área de conhecimento, dá espaço a que lunáticos a tomem como sua e lancem as sua sloucas teorias, colocando em risco a segurança da sociedade. Só por isso, Jacques Valle mereceria ser mais conhecido do que é. Como no caso de Tony Judt, é pena que intelecto verdadeiro tenha um câmbio tão baixo nos dias que correm.

Intelecto 1


Tony Judt , um dos meus intelectuais e historiadores preferidos, faleceu há umas semanas, no dia 6 de Agosto. Em primeiro lugar, deixem-me saudar, por um lado, o destaque que a sua morte teve na imprensa escrita, e lamentar a falta dele na restante. A morte de um dos pensadores mais importantes do nosso tempo, ainda por cima um que dedicou o seu esforço mental a fazer-nos compreender questões tão importantes para nós como o futuro da União Europeia, merecia mais.
De certo modo, este defeito é apenas o reflexo de um dos alertas que Judt nos deixou: o intelectual, e falo do verdadeiro indagador de respostas, é não só uma espécie quase extinta, mas também uma voz no deserto. Pseudo-intelectuais, que confundem inacessibilidade e palermices com verdadeiro esforço de pensar e gosto, pululam por aí, distorcendo o significado desta função. Judt soube ser sempre um, com toda a classe: polemista como poucos, sem medo de afirmar à boca grande o que se comentava à bica pequena, a sua crítica à política de Israel tornou-o num judeu muitas vezes apelidado de anti-semita, como se tivesse um ódio à sua própria origem. Ele, melhor do que ninguém, sabia do que falava: um sionista convicto, a sua vida num kibbutz durante a Guerra dos Seis Dias abriu-lhe a pestana para a realidade. Ao contrário de muitos intelectuais actuais, ele viveu o que pensava. Parecendo que não, isso faz a diferença.
Na memória futura, no entanto, ficará Tony Judt, o historiador. A sua cabeça, o último bastião atingido pela esclerose lateral amiotrófica que veio a vitimá-lo, continha uma das mentes mais ágeis do nosso tempo, e uma enciclopédia permanente. Isso, e uma rara habilidade para escrever História, explica a excelência da monumental obra "Pós-guerra - História da Europa desde 1945", que será durante muitos anos o livro definitivo acerca do tema. Mesmo que o seu tema predilecto fosse a intelectualidade francesa do século passado, Judt revelou-se um historiador político, como poucos. O seu outro livro traduzido para português, "O século XX esquecido" contém vários ensaios sobre tudo, desde Hannah Arendt, passando pelo caso de Alger Hiss e acabando no declínio da esquerda norte-americana no pós 11 de Setembro.
Longe de ser um espectador, Judt fez viver a sua crença de que o intelectual é interventivo e lutador, e usa o seu ponto de vista como algo de atingível e real, por muito utópico que possa parecer. A sua defesa do Estado-Providência, o modelo de governo que preferia, devia ser a leitura de cabeceira de Pedro Passos Coelho. Sim, caro Tony: Portugal não tem George W. Bush, mas se fosses dos nossos, tinhas aqui muito pateta sobre o qual discutir. Se intelectualmente, é outra questão. Mas de qualquer forma, até Estaline fica melhor na fotografia quando o descreves.

segunda-feira, agosto 09, 2010

"Inception"


Usar o trocadilho "filme de sonho" é fácil com "Inception", a obra mais recente de Christopher Nolan, mas nem essa categoria é alcançada, nem este blog vos habituou a trocadilhos fáceis. Ou será que habituou, e esta análise é apenas um sonho? Hum...
Não querendo desvendar grande coisa acerca de "Inception", pois grande parte do prazer que se retira ao vê-la vem do assistir às curvas e contracurvas do enredo, tudo gira em redor de uma das histórias mais antigas de todas, um assalto, mas com um twist: os criminosos entram no inconsciente das pessoas e roubam-lhe ideias. Ao líder, Cobb, é proposto que reúna um grupo para concretizar algo nunca tentado: implementar uma ideia no cérebro de alguém, sem que esta note. A partir daí, temos o encontro entre o heist movie e o thriller de ficção científica. Mesmo assim, sem nunca forçar a mão, Nolan ainda lhe lança algum romance retorcido. Normalmente, esta palavra e o realizador inglês andam de mãos dadas.
O resultado é um filme que sabe a muito e sabe ligeiramente a pouco. "Inception" será, visualmente, o mais espantoso filme do ano. A quantidade de sequência absolutamente arrancadoras de olhos deste filme é a maior por metro quadrado deste ano. É filme soberbo de técnica e de estilo. Nolan finalmente encontra o local ideal para gravar uma cena de luta decente (a gravidade zero) e aproveitando o génio do técnico de efeitos especiais Chris Courbold e a elegante fotografia de Wally Pfister, vai espalhando magia. Uma cena em particular, num elevador, provoca um assombro quase infantil ao espectador. Nolan mostra ser também um exímio gestor de história. Propõe-se a fazer de malabarista de 4 níveis diferentes de consciência e quando parece que vai deixar cair a bola, mostra capacidade para aguentar tudo até ao fim, com o edifício bem estruturado e uma história que, vamos deixar-nos de tretas, se percebe perfeitamente num primeiro visionamento. Só quem desistiu de pensar as mimagens que vê ou está desabituado a ser intelectualmente estimulado num filme é que pode sugerir que o argumento tem algo de trasncendente. Vejam "Mulholland drive" e depois venham-me falar de filmes complicados de perceber.
Escrevendo a história com o irmão Jonah, a mesma dupla de escribas do último "Batman", o que Nolan faz é utilizar o inconsciente para estudar o sentimento de culpa de Cobb, excelsamente interpretado por Leonardo di Caprio, relativamente (spoiler alert!!!!!!!!!!!!!!) à morte da mulher Mal. Utilizá-la como uma espécie de espectro que tem no filme a mesma função que o tubarão ,tinha em "Jaws", ou seja, lançar a confusão, é um achado narrativo de todo o tamanho, e uma piscadela segura ao film noir (fim de spoiler). Di Caprio é o nosso homem na história. É o lado humano da mesma: sem ele, aquilo são brincadeiras sem alma. E o filme não é uma entidade fria e racional. É, com di Caprio, um objecto de melancolia, disfarçado de filme de grande acção. Todo o "Inception" é grande espectáculo, mas o que realmente o faz mover é a dificuldade que um homem tem em largar a culpa, e também o seu desejo em voltar a ganhar o que um dia teve.
O ponto fraco do filme começa a partir daqui. Os personagens que rodeiam di Caprio são imagens. Há ali interessantes pontos de partida, e excelentes actores (Joseph Gordon-Levitt, Cillian Murphy, Ken Watanabe, Ellen Page), mas em última instância, os potnos de partida ficam-se por aí. Pode-se argumentar que estamos em território pleno de "Cobb show", mas fiquei com a sensação de que o filme podia ser mais rico se algumas ligações entre personagens fossem aprofundadas, ou mesmo expliacas. Art5hur, o personagem de Levitt , é anunciado como o melhor amigo de Cobb, e no entanto nunca temos essa sensação ao longo do filme. São falhas que podem ser perdoadas porque há muitas história a contar, mas pode-se questionar se a quantidade de história não podia ser reduzida em favor disto. Ou se, algures na sala de montagem de Nolan, não estará a peça que falta no puzzle.

"Inception" recomenda-se para quem gosta de cinema estimulante, e histórias originais num tempo onde a maior parte do cinema comercial começa a ser sequela mal amanhada ou reciclagem de reciclagem. Há que louvar o esforço de Nolan em criar um conceito novo, arriscar e tudo e ser bem sucedido. O terceiro Batman já começa a parecer tardio.

quinta-feira, agosto 05, 2010

Mais uma pergunta pertinente

As pessoas ainda sabem o que significa a palavra subtil? (principalmente quando a aplicam a descrever algo relacionado com arte)

Obrigado!

Uma aventura na escola


Tive uma educação razoavelmente tradicional. Sou, nas minhas raízes, um menino da aldeia, mesmo que as minhas neuroses sejam dignas de quem vive na urbe. Os meus pais ensinaram-me coisas simples e valores ainda mais simplificados. Não me tornei agnóstico por causa dele, e todo o tipo de filosofias de vida que tomei a partir da idade em que pensamos que sabemos tomar decisões sozinhos (seja ela qual for) só muito indirectamente deles deriva.
Uma coisa que me ensinaram desde cedo foi: não tenhas negativas. Mas tive-as. Foi aí que percebi que só existem, duas razões para as pessoas se aplicarem na escola: gosto ou medo. O gosto vem do prazer que se retira em aprender e conhecer mais coisas; o medo vem de castigos, bordoadas ou de ficar retido um ano. Ainda sou do tempo em que chumbar era um papão, e os alunos realmente se esforçavam perante essa perspectiva. A natureza humana e os seus sucessos devem muito mais ao medo que à curiosidade, por muito triste que seja; e na escola, uma montra do que que cada um vai ser quando um dia tiver idade de juízo, não é excepção.
A ministra Isabel Alçada acha que isto é uma tolice, e que reter um aluno que não cumpre os objectivos está errado. Propõe acabar com este hábito, que é comum à maior parte dos sistemas e ensino europeus, e instaurar aulas de reforço, estudo acompanhado e quiçá, uma fé ingénua de que os alunos vão desejar aprender por vontade própria. Isabel Alçada escreveu claramente livros juvenis, pois só um optimismo tonto pode fazê-la acreditar neste plano. Existem várias razões assim óbvias, e sem ter de se perceber muito de educação (grupo onde me incluo sem vergonha), para esta minha opinião: a falta de matéria humana docente (já esticada com avaliações, outras aulas de apoio, exposições, substituições e reuniões); a gradual falta de interesse que os alunos têm pela escola; a falta de qualidade do nosso ensino ((lá porque é uma coisa é dada em maior quantidade, não deixa de ser má); o culto da falta de meritocracia, cultivado desde que somos pequenos, e que atinge o auge com esta medida.
Se a ministra faz má figura com esta ideia, que dizer da Confederação de Associações de Pais, poposamente chamando a esta ideia a maior revolução educativa desde o 25 de Abril. Pais a querer ver os seus filhos semi-analfabetos a serem bem sucedidos? É sempre boa pedagogia.

Na sua colecção "Uma aventura", Isabelinha criou o forte Chico; o astuto João; as perspicazes gémeas; o inteligente Pedro; o fiel Faial; e o Caracol, que servia de arma de arremesso. Isabel Alçada podia ser o caniche, mas nem para arma de arremesso me parece ter talento.

terça-feira, agosto 03, 2010

sexta-feira, julho 09, 2010

Only one man dared to challenge their power: Hercules!


Nas últimas noites, Kevin Sorbo tem salvo a minha vida. Por muito manhoso que isto soe, é verdade. Sorbo e a série "Hercules - the legendary journeys", por ele protagonizada, têm evitado que em muitas destas noites passadas vá para a cama com ataques de choro. Não consigo explicar como, mas a minha mente fica aliviada de pois de uma dose hercúlea.
Lembro-me quando a via em adolescente e que já na altura aquilo me entretinhaa. Hoje consigo explicar o porquê: cenas de pancadaria que parecem ser um upgrade das dos filmes de Bud Spencer; o pano de fundo de Grécia Antiga, com os sue smitos e lendas; mulheres de considerável substrato em praticamente todos os episódios; Kevin Sorbo, sempre ele, como Hércules. Físico correspondente ao personagem, uma maneira de lidar com one-liners reminiscnete do actual governador da Califórnia e talento de representação suficiente para se elevar acima de canastrão. O actor perfeito para interpretar Hércules.
A série tem também um par de secundários engraçados e com talento, e há episódios que são mais dementes do que esperaríamos, mostrando que quem escreve aquilo tem a perfeita noção do que é a série e se mostra capaz de brincar com isso. Terminar os meus dias com isto tem sido bastante saudável e noto quando não o faço. É como a droga, mas esta é ingerida por via ocular.

Acho que vou tentar encarar isto de sair do buraco como os doze trabalhos do indivíduo interpretado pelo senhor Sorbo. O primeior é recuperar o talento que ainda tinha a escrever, porque como se vê este post, ele anda algures entre a Patagonia e Shangri-la.

quarta-feira, junho 30, 2010

História cíclica


Ronaldo jogou mal (e mostrou ser alguém intratável), a Espanha é claramente superior a nós, Simão quase não existiu e Ricardo Costa é um tumor. Posto estas razões para termos perdido o jogo de ontem, vamos à deliciosa história que compõe este post.
Um dos meus regozijos relativamente ao curso que tirei é o facto de, por mais futuro que tenhamos, o passado nunca foge e está condenado a repetir-se. Já ouvi piadas sobre a falta de importância das coisas mortas, mas na verdade, elas estão apenas adormecidas. Só esperam a altura certa para reaparecerem. Quando Carlos X da Suécia, com a Rússia à sua mercê, decidiu invadi-la no Inverno, num erro estratégico grosseiro, não esperava que Napoleão e Hitler fizessem o mesmo, nos séculos seguintes, com resultados igualmente catastróficos para os respectivos planos de conquista. Em ambos os casos, ficámos a ganhar. A isto chama-se "ironia histórica", e é um fenómeno que acontece com frequência, passando muitas vezes despercebido à generalidade do público. Ontem, na Cidade do Cabo, voltou a surgir em todo o seu auge, envolvendo um estratego que se julga Péricles, um condutor de homens brilhante e carismático como poucos: Carlos Queiroz.
Quando, ao minuto 58, com o jogo empatado a zero, o Professor retirou de campo Hugo Almeida para colocar Danny, dando assim espaço total a Piqué para subir no terreno e baralhar o nosso meio-campo, Queiroz espalhou-se ao comprido. Falamos de Queiroz, não admira. Mas imediatamente recordei um outro momento de puro queirosismo, em que uma pequena alteração de jogadores criou uma outra auto-estrada e virou um jogo do avesso, transformando-o numa hecatombe napoleónica. Penetro na bruma da memória e recupero a noite de 14 de Maio de 1994. No antigo Estádio de Alvalade, o clube da camisolas de lonas de praia e o Sport Lisboa e Benbfica confrontavam-se. Em jogo, estava o título. Moralizados, os viscondes tinham um estrádio cheio a puxar por si e defrontavam um Benfica que embora estando em segundo lugar, era claramente um outsider. O clube verdasco era claramente favorito. No entanto, uma primeira parte, com metade daquela que viria a ser a melhor exibição individual que já vi a um jogador, João Pinto carrega o Benfica às costas até uma vitória de 3-2. Queiroz era na altura o treinador do Sporting e já tinha feelings. Por isso, pressentiu que o segundo tempo seria de reviravolta e desencantou uma das ideias mais brilhantes da história.
Carlinhos tira um lateral esquerdo, Paulo Torres, para colocar Pacheco um extremo. Tal como no jogo de ontem contra a Espanha, o efeito prático foi colocar uma via aberta em campo, que o bíblico Isaías do Benfica aproveitou para marcar dois golinhos à lagartagem. Num dos seus passes de magia e saber táctico, Queiroz conseguiu que o melhor plantel do campeonato, jogando em casa e claramente favorito, sofresse a sua pior derrota contra o Benfica nas últimas décadas. Se isto não é de génio, não sei o que será. Queiroz pode pretender saber muito de navegação e dos Descobrimentos Portugueses, mas decerto queimou os restantes compêndios de história. Homens mesquinhos e arrogantes estão condenados não só a repetir os erros dos seus próprios pares, mas também os seus próprios erros. Da próxima vez, Carlos, mantém o bigode, que esse ao menos até te granjeava simpatia.

quinta-feira, junho 24, 2010

Melhores momentos

E a grande vitória da Coreia do Norte sobre o Brasil?

Pelo menos de acordo com o copacto da televisão estatal norte-coreana)

domingo, junho 20, 2010

quarta-feira, junho 16, 2010

Lição número...


Já é lugar comum dizer que Portugal é um país de analfabetos. Se isto deixou de ser verdade com o passar dos anos, ainda se mantém inegável o facto de um viveiro onde analfab rutos pululam. A nossa língua já não é a nossa Pátria; aliás, é apátrida, pois com acordos e acordozinhos ortográficos, depojámo-la das suas raízes e daquilo que a fazia verdadeiramente nossa, um pedaço de transformações históricas, uma marca inegável da passagem do nosso tempo cultural. No entanto, não é disto que venho falar. Serve este facto de sintoma de um mal muito maior de que padece Portugal. É um mal que se reflecte na polémica nova lei que permite a alunos do 8º ano de escolaridade saltarem o 9º através de um simples exame.
Antes de mais, não percebo de onde vem a polémica. Para haver polémica, era preciso surpreender, o que não acontece., É uma lei filha de dois pais: a noção de que passar de ano deve equivaler a uma idade limite, e também à utópica "ninguém pode ficar para trás, não há alunos burros". Este princípios moldam a noção de escola à portuguesa. O esforço dos que têm melhores notas é recompensado pelos resultados, mas o esforço dos alunos medianos é ignorado. São alunos que, apesar das suas limitações, acreditam que o trabalho os poderá compensar para serem bem sucedidos. O que esta lei faz, basicamente, é dizer: aguentem uns anos, relaxem, que fazem um testezinho e vão para o Secundário - não trabalhem. Promove-se o laxismo e castiga-se a competência de várias maneiras neste nosso cantinho, mas penso que estamos a tentar começar o mais cedo possível a fazer isso.
Reparem que consigo entender a famosa noção de "escola inclusiva", onde todos os alunos devem ser apoiados para progredirem pedagogicamente, mas na minha cabeça, isso fez confusão, proque o ensino é não só um direito, mas também uma aprendizagem em si. Ensinam-se conteúdos, mas também valores. Define-se o que é justo e o que não é. Professores injustos fizeram mais pelo desinteresse dos alunos do que qualquer programa escolar dito "secante". Muito alunos não se dedicam à escola, simplesmente por achar que não vale a pena.
Ora, é aqui que regressamos ao início. A Educação é tratada neste país como a Cultura: algo que se tem de garantir, mas sem grande esforço e planeamento. Há uma fórmula geral, que se considera certa, e não se mexe muito. Nem vale a pena. Esta lei vem, como disse, nesta corrente de pensamento. A de que "deixa andar, vamos passar este mal para outro" e o processo de ensino, que devia ser construtivo, é um vê se te avias e disperso. Num país onde se queixa que os miúdos não querem aprender, começa ser demasiado gritante o desnorte na hora de ensinar. Isto, em si, é uma lição para quem ainda acredita que tudo corre bem actualmente. Ou melhor, atualmente, como alguns senhores querem que se escrevba agora.

quinta-feira, junho 10, 2010

"Justified"


Há uma cena no primeiro episódio de "Justified" em que disse para mim:"Sim, claro que vou ver esta série até ao final." Nela, Rayland Givens, o principal personagem da série, aguarda a oportunidade de interrogar uma mulher acerca de eventos sangrentos referidos anteriormente. Givens acaba de ser despachado de Miami para o seu Kentucky natal, após um tiroteio muito à margem da lei. Givens saiu do Kentucky aos 19 anos por uma razão e ter de voltar é um custo. Por isso, quando um labrego neo-nazi entra pela casa da testemunha adentro com claras intenções hostis, ele não perde a compostura e mantém um laconismo quase espirituoso( sample dialogue "You're an undertaker?"/Well, I might be undertakin' this situation here") e uma autoridade que culmina a cena com a cara do neo-nazi no volante do próprio carro. Tudo sem ter de puxar a arma, sem grandes cenas de acção. Só com presença: pura badassery. Eu estava conquistado.
E porquê? Porque "Justified" é uma série à moda antiga, daquelas em vias de extinção. Baseada numa short story de um dos gurus actuais da literatura criminal norte-americana (Elmore Leonard, o autor do livro em que Tarantino se baeou para escrever "Jackie Brown")tem um protagonista que se inclina perigosamente para o lado dos cowboys (de facto, nunca abdica do seu Stetson), é de uma economia de diálogos e narrativa admirável e descreve acutilantemente o south way of style do Bible Belt norte-americano, enveredando por temáticas morais e religiosas com dose de entretenimento e alimento para o cérebro. A série aborda a culpa, a redenção, a raiva e relações familiras (com especial enfoque em pais abusivos) sem carregar na pregação. É, espantosamente, uma série policial sem paneleirices científicas e uma análise de personagens mais através de hábitos que de grandes discursos. Resumindo, apesar do ar clássico, é bem refrescante.
A escrita e realização da série são excelentes, mas é sem esforço que, num competente elenco, Timothy Olyphant se destaca como o U.S marshall Rayland Givens. Lembrando um Clint Eastwood com mais charme e uma voz menos agreste e granítica, Olyphant regressa ao território que o revelou em "Deadwood", depois de um desvio infeliz como protagonista do filme "Hitman". Olyphant capta o principal do personagem com mestria: a pose, o sotaque southern, o olhar, o ritmo do diálogo. Olyphant tem de caminhar uma linha muito ténue entre a coolness e frieza de Givens e um âmago em ebulição de raiva, abanado por um interesse amoroso complicado, pela sua ex-mulher, pelo melhor amigo criminoso (excelente Walton Goggins) e pela sua relação muito pouco afectuosa com o seu pai. É muito difícil gerir estas duas dimensões com sucesso e numa e outra vez, Olyphant consegue fazê-lo.

"Justified" recomenda-se a quem quer descansar a cabeça de enigmas complicados e crimes com análises de ADN, comparações de trajectória de balas e também personagens mal amanhados. Recomenda-se vivamente a quem aprecia boas histórias, tensão a partir de coisas simples e diálogos do mais cool que há. Coisas como isto:

Raylan: I can only imagine how hard it has been for you to get where you are in the Marshal service
Rachel: Because I'm black or because I'm a woman?
Raylan: Because you're an idiot.

quarta-feira, junho 09, 2010

Ahm, 9 de Junho, não é?


"A beautiful girl can make you dizzy, like you've been drinking Jack and Coke all morning. She can make you feel high full of the single greatest commodity known to man - promise. Promise of a better day. Promise of a greater hope. Promise of a new tomorrow. This particular aura can be found in the gait of a beautiful girl. In her smile, in her soul, the way she makes every rotten little thing about life seem like it's going to be okay."

segunda-feira, maio 24, 2010



Esperei uma semana para escrever sobre isto, para não estar emocional.Mas não consigo. Nem sei por onde começar quando chega este momento de descrever o que foi "Lost" para mim nos últimos. Posso começar por letras; e assim sendo, foi um mistério; foi uma tábua de salvação; foi mais um motivo para chatear os outros; foi um gozo; foi um vício; um divertimento; e uma razão para o meu gosto pessoal ser questionado ocasionalmente.
Por tudo isto, tenho de concordar com um amigo meu que, perante o último episódio de "Lost", desprezou a sua fé e renegou a ilha. Nada mais em consonância com o espírito de uma série que não admitiu os meios-termos na sua labiríntica viagem por um mundo que nunca se chegou a compreender completamente. Avisados por este facto, recebam aminha opinião sobre o final da série: eu gostei bastante. Talvez porque é o final adequado a pessoas como eu, que seguem a série há anos, desde os seus inícios, e que se afeiçoaram a estes personagens como se fossem pessoas a sério. Para mim, "Lost foi sempre mais uma história de pessoas do que uma história de mistérios, embora entenda porque há uma franja imensa de gente para quem estes últimos são fundamentais em absoluto. São aquilo que tornou um seriado que parecia um derivado mal amanhado do reality show "Survivor" em algo que se tornou no maior fenómeno de pop culture televisiva deste início de século.
Para mim, tornou-se numa causa pessoal. Espalhei-a por vários amigos, divulguei a palavra. Fui como Locke: acreditei na ilha e embora tenha apanhado alguns percalços (sim, Rodrigo Santoro, falo de ti), nunca perdi a minha fé. No final, fui recompensado. "Lost" nunca me desiludiu, o que é mais do que posso dizer de boa parte das pessoas que conheço. Em determinada altura, como disse aqui no blog, foi a única coisa para a qual olhava num tempo futuro e que me fazia dizer "Não, viver não pode ser assim tão mau, enquanto houver um episódio de Lost para ver". Felizmente, hoje tenho mais uma ou outra coisa, mas sei que vou sentir a falta de "Lost"; ou talvez me vá faltar sentir esta série, da mesma maneira que preciso de doses de "The X-Files" ocasionalmente.
Uma amiga minha disse-me que achava estranho como conseguia sentir mais emoção com séries de ficção do que com a vida real. Se calhar, é outro mistério da ilha que vai ficar sem resolução.Que se lixe! A maior lição que "Lost" me deu é que o mistério está, de facto, nas pessoas. Tudo o resto que há de misterioso é um cenário que torna a vida mais complexa e saborosa.
E continuo a sentir a falta...

sexta-feira, maio 14, 2010


A visita do Papa levou a um fenómeno que acho curioso, e a cujo desenrolar assisto principalmente em redes sociais. De súbito, as pessoas descobriram a sua posição no que toca à religião; e uma grande parte assume com orgulho um certo ateísmo ou uma coisa que acho algo idiota que é a do catolicismo não-praticante (já explico porque acho idiota, até porque tnata porradinha vou levar, ai Jesus... pimba, blasfémia! Este homem não pára!). Boquinhas à Igreja abundam; Deus não existe e há dúvidas sérias sobre se Jesus Cristo não será tão real quanto os 3 porquinhos e o Lobo Mau; e de repente, Bento XVI é o grande responsável pelos males do mundo.

Na televisão, as pessoas acorrem em magote para ver passar um homem que simboliza não uma religião que prega o Amor como principal virtude, mas sim uma organização granítica e cheia de artrose, que se orgulha de ser a intermediária entre uma entidade divina superior e todos nós que somos a ralé e a escumalha do mundo, que será apenas remida se acreditar nela e seguir, claro, o que aquele senhor de branco diz.

Acho isto profundamente engraçado, porque vivo entre estes dois mundos. Sou um agnóstico assumido. Ainda não me conformei ao materialismo duro, e ainda procuro algo que façla sentido dentro de mim. Já percebi que não o encontrarei na Igreja Católica, ou em nenhuma variante do Cristianismo. Por outro lado, tenho de dar a cara pelo rumo desta instituição que acho ridícula, pois faço parte de um movimento católico que cada vez mais afirma a sua fé e se coloca ao serviço das entidades eclesiásticas. A minha consciência não sobrevive bem com flip flops de atitude. Infelizmente, como tenho descoberto ultimamente, ela vai-se habituando. Isto não me é muito gravoso no geral. Considero-o até um sacrifício de carácter que muitos católicos fiéis não desdenhariam.

Uma coisa que me supreende é o abespinhamento que certos sectores têm a atitudes da Igreja. Já aqui o fiz neste blog, mas quanto mais penso, mas tenho a atitude "Para quê chatearmo-nos?". Gays, porque é a hipocrisia católica relativamente ao vosso casamento vos chateia? Se a lei permite, o que interessa a opinião de velhos raquíticos? Têm o pássaro, cuidem dele; e porque andar a protestar por causa da recusa em aceitar que o preservativo não é um instrumento de Satã? Querem um bom protesto? Peguem na vossa cara-metade (melhor, para chatear, peguem em alguém que não seja a vossa cara-metade), metam uma carapuça e catraquem à vontade.

O que nos conduz à observação do primeiro parágrafo: o católico não-praticante. Um católico não-praticante é um agnóstico, basicamente: crê numa entidade superior, aceita uma existência mística, espiritual ou transcedente e recusa o materialismo. Isto pode ser polémico, mas uma parte importante do catolicismo são os ritos e as crenças dogmáticas. Não falo de crer no que a Igreja diz (é uma comunidade de homens), mas sim no que diz a Bíblia, que sendo certo que é um livro escrito e eleccionado por seres humanos, é assim de caras a base uma fé. É o defeito de ser uma religião do livro, mas quem aceita as regras do jogo e se vê como membro da equipa, deve jogar segundo as regras.
Pelo que referi no terceiro parágrafo, não sou o melhor arauto destas coisas, obviamente. Mas a minha ligeira hipocrisia não faz dos outros coerentes. Faz deles o que são por natureza: indecisos.

No cômputo geral, girinha a visita do Papa. Linda, para quem foi só vê-la; um pesadelo, para quem viu a sua vida alterada por causa dela. Mas esse é um dos clichés de razões da Igreja para as maldades que acontecem na nossa vida: os caminhos do Senhor são misteriosos e ele coloca-nos testes de fé. Mas da úlima vez que verifiquei, os testes eram demónios a sério, não agentes da PSP; e os primeiros são de certeza muito mais credíveis.

sábado, maio 08, 2010

Promoção 1

Associamos a promoção mais ao cinema do que ao pequeno ecrã. Normalmente, somos brindados, neste segundo médium, por fotos simples com o cast principal e o suficiente para sabermos ao que vamos: mistério, romance, o que raio é aquela xaropada de "Grey's anatomy". No entanto, de quando em vez, a arte e o sentido de humor chegam à publicidade das séries de televisão. Ficam aqui alguns exemplos.







A excitação da vida militar

Uma verdadeira tragédia


Na semana passada, estreei-me em plenas funções na capacidade de actor trágico. Tivera, há uns bons anos, uma ligeira aventura por tais territórios, mas muito basicamente, limitava-me a ser humilhado em palco, e morto fora dele. Tendo tudo em conta, acabava por não ser um grande esforço de fingimento de actor, pelo que me acontecia nessa altura.
No entanto, este ano, meti na cabeça que queria fazer algo de diferente. Eu sou espectacular quando essa ideia me começa a escarafunchar o cérebro. Da última vez que isso aconteceu, acabei com uma putativa tese no colo, que nunca mais consigo despachar. Tenho a capacidade de planeamento de uma harpa e isso acaba sempre por me sair caro. No caso de que falo neste post, saiu-me do corpo e do próprio orgulho. Um papel dramático envolve, claro está, drama; e este, o de um rei que (SPOILER ALERT)encontra a mulher morta quando chega a casa, expulsa o filho e depois, acaba por matá-lo e ter de lamentá-lo, ( FIM DE SPOIELR) obriga-me a exercitar certos músculos do meu coração que estão povoados de mini-aneurismas vários: tristeza, luto, dor, evitar cantar a mim próprio "Bitches ain't shit". Eu não sou muito bom a exprimir tristeza de qualquer tipo. Sou mais sorumbático e chateado, não tanto "ai ai ai, choro e ranger de dentes". O que este papel me obriga a fazer, de actuação para actuação, é ser um fingidor. Sei que não sinto completamente aquilo, por isso faço figura de urso, umas caras de tristeza, embasbacamento e raiva, e tento que a plateia à minha frente acredite naquilo. Ou pelo menos, não pense "Meu, aquele Diogo Morgado é mesmo bom actor comparado com este gajo!".
A noite de estreia foi um exercício de fingimento perfeito. À minha volta, gente tremendamente nervosa, a perguntar-me se também estava.; eu, o centro estóico em mundos a tremelicar, dizia que não, que nunca ficava nervoso, e parecia o Mourinho no centro do relvivado em Milão, a olhar o medo nos olhos. No entanto, por dentro, depenava-me todo. Quando me junto com a tristeza, as probabilidades de espectáculo deprimente aumentam tão vertiginosamente quanto o decote da Scarlett Johansson. Havia excelentes hipóteses de aqui o menino entrar em palco, vestindo uma roupa que se assemelha ao bibe da primária de um garoto transmontano, e descarrilar uma peça que vinha a correr bem até então, pelo simples motivo de ser simplesmente mau. É o tipo de coisas que pode fazer pessoas mais impressionáveis fazer esculturas de matéria fecal nos joelhos.
A coisa, vá lá, nem me correu mal. Ao que parece, ninguém ficou a pensar que estava a apertar flatulência em palco, e isso só pode ser bom. Apesar de ter sido numa tragédia, foi engraçado sobreviver a um certo arrepio de medo que me atravessou a espinha durante algumas semanas; e ter de beijar uma rapariga em palco, ainda por cima com os meus pais a ver (pergunta de pai no jantar do dia seguinte: "Ouve lá, mas tu beijaste mesmo aquela rapariga? Está bem, está...") e de trabalhar com um grupo de pessoas que achincalho todas as semanas, mas que no fundo, até nem são más de todo.
A sério: isto não sou eu a fingir. Disfarço, mas não sou assim tão bom.

quinta-feira, abril 29, 2010

"Kick-ass"


"Kick-ass" é um filme em cuja palavra "demência" pode ser usada para explicar basicamente o que nos inspira, enquanto o vemos. Porquê? Poderão ler em várias críticas coisas que envolvem palavras como "meta-diegética" e "desconstrução". São giras, mas claramente uma tentativa de intelectualizar o parzer culpado de se gostar de um blockbuster. A BD de Mark Millar e John Romita na qual o filme é baseado presta-se a isso, a essa análise. Mas quem é honesto, admite que o filme é demente, porque tem uma miúda de onze anos a matar mauzões como se não houvesse amanhã.
Mas lá chegaremos. O filme conta em traços gerais a ideia parva que um adolescente nerd tem de se transformar um super-herói. Para ele, basta vontade e um fato parolo enviado pelo correio. Claro que o primeiro pensamento é "Oh não, mais um daqueles filmes em que não damos nada pelo herói e afinal, ele sempre teve os poderes dentro dele", mas o filme rapidamente afasta essa ideia e enquanto se entretém a satirizar os fenómenos de popularidade internética, mostra-nos que o adolescente, Dave Liszewski, é mesmo tótó. É quando os verdadeiros heróis do filme surgem que a coisa passa do mundo adolescente para o dos super-heróis a sério. Big Dady e Hit-girl, um pequeno prodígio da matança que com a sua katana dupla, entra realmente a matar no filme, têm, ao contrário de Kick-ass, capadidades para deter criminosos. Mas também muito pouca sanidade. rapidamente os três entram em rota de colisão com o mafioso da cidade, Frank d'Amico, e também o seu filho, Chris.
A mensagem do filme é simples: "Sem grande poder, vem uma grande responsabilidade", um riff aos filmes do Homem-Aranha. Matthew Vaughn, o realizador, é um cruzamento bizarro entre o John Woo de Hong-Kong e um Michael Bay com juízo: aproveitando habilmente um orçamento relativamente magro, ele transforma "Kick-ass" num pequeno concentrado de loucura visual e de história, com Nicolas Cage a imitar o Batman de Adam West e Hit-girl, a miúda acima referida. Ela mata gente, diz palavrões à bruta e aceita a destruição como brincadeira. No entanto, nunca nos esquecemos de que ela é realmente uma miúda, como se fosse a filha perdia da noiva de "Kill Bill" e a Mathilda de "Léon". Isto pode abespinhar moralistas e gente que considera que sempre que se mostra uma arma num filme, as pessoas correm a matar algué, mas é no fundo um espelho da nossa própria identidade fílmica, de aceitar a violência nos filmes como algo de normal e natural. Nesse sentido, o filme é mais paródia ao cinema violento do que ao cinema de super-heróis. Mas consegue ser bem sucedido em ambos os esforços. Louva-se também o retrato mais ou menos natural do que é a vida de um nerd numa escola, sem exageros. Há apenas uma sub.-intriga envolvendo homossexualidade que achei meio cliché... Mas que ainda assim, tem a sua piada.
É um filme que se recomenda a quem gosta de entretenimento delirante e não tem uma sensibilidade particular a um ou outro tabu. Ah, e não fica revoltado quando vê isto:

http://www.youtube.com/watch?v=BGxLHyk6_h4